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O que iremos levar dessa jornada.

Outubro já estava a todo vapor, e junto dele, a semana da eleição do conselho estudantil havia chegado. A escola teve suas dúvidas em relação às candidaturas de ambas as chapas depois do incidente com Kuwahara. E sinceramente, não fosse o corpo docente mais jovem, não duvido que tivessem nos banido de concorrer, ou até coisa pior. Por sorte, os professores mais jovens compreenderam a situação, e a transmitiram de forma convincente para a escola. 

Com isso fora do caminho, só nos restava o discurso obrigatório antes da eleição, que seria realizado no auditório da escola. Falar em público era uma das coisas que eu definitivamente não gostava de fazer. Mas para o meu azar, isso não era uma escolha. 

Na noite anterior ao discurso, novamente usando a panificadora dos Matsuyama como base, o usual grupo de suspeitos conversava no entorno de uma das mesas do lugar.

"Sentindo-se nervoso?"

Ayane me perguntou, mas Kaori e Kaoru pareciam ter a mesma curiosidade. 

"Sim, não é algo que eu sou bom em fazer."

"Você não é bom em conversar com pessoas?"

Jin usou de sua ironia enquanto servia café aos gêmeos. Isso era um pouco diferente de simplesmente conversar com alguém. 

"Não para 800 pessoas de uma vez."

Kaori sentiu o cheiro do café, parecendo satisfeita, e então decidiu participar. 

"No seu caso não acho que seja uma boa ideia decorar um texto, Yuki. Sinceridade é seu melhor atributo, coloque isso em prática no seu discurso."

"Essa é das poucas vezes que ouvir o que Kaori fala pode ser uma boa, Yuki. Ela era a oradora da nossa turma no fundamental."

Kaori cutucou o irmão, antes de se defender. 

"Mas do que está falando!? Eu sempre dou bons conselhos!"

Meu latte já estava frio, quando Jin colocou um pouco de café quente no mesmo, e então perguntou. 

"Sakura está ajudando Hina?"

Assenti, eu poderia dizer que ela precisava mais de ajuda do que eu, mas quando o assunto era discursar na frente de centenas de pessoas, não acho que chegava nem perto de Hina. Era uma desvantagem que admitia sem problemas. 

"Vou pensar em algo, mas não esperem muito."

Eu fui honesto, talvez usar essa honestidade no discurso seja a minha salvação. 

"Sem colocar mais pressão, mas a disputa está tão acirrada, que isso pode ser a diferença no resultado final deste ano."

Obrigado, presidente Fujibayashi, por me fazer menos confiante ainda. 

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A temperatura do dia chegou próximo dos agradáveis vinte graus, mas a noite já dava uma prévia do inverno que estava por vir. Cheguei em casa feliz por escapar do frio, e como já sabia ao encontrar as luzes todas apagadas, estaria sozinho pelos próximos dias. Meus pais estavam longe de Aomori a trabalho, e provavelmente levariam alguns dias para voltar. 

Não jantei, estava satisfeito depois de passar o resto da tarde na padaria, então só me restava tomar banho e descansar. Amanhã seria um dia daqueles, já tinha uma ideia sobre o que discursar. Se ia funcionar ou não era outra história. 

Depois do banho, corri para o meu quarto quando ouvi o telefone tocar, imaginei que fosse Masami, a essa hora. Mas não era, fiquei feliz com a ligação de qualquer forma. 

"Boa noite Sakura."

"Boa noite, Yuki, como andam as coisas?"

"Um pouco nervoso para amanhã, mas vou dar conta."

Ela fez silêncio, pude imaginar o que passava em sua cabeça. 

"Está tudo bem, Sakura, você se propôs a ajudar Hina, não se sinta mal por isso."

"Eu sei, mas ainda é difícil! Quero que vocês dois tenham sucesso… O que é meio impossível."

"Tem mais de um jeito de se definir sucesso, Sakura."

Ela ficou novamente calada, e creio que a essa altura, já deve ser capaz de me entender o suficiente. 

"Você tem razão, foi uma jornada, não foi? Tanta coisa aconteceu! Quando eu estou com você tudo parece acelerar algumas vezes."

Eu ri, porque ela tinha razão. Coisas aconteciam, de várias formas, quando estávamos juntos. Algumas ruins, mas felizmente as boas estavam ganhando com alguma folga no momento.

"O que posso dizer, eu garanto emoção a você, Sakura!"

A risadinha da garota me energizou. 

"Você sempre esteve lá para mim durante essas confusões, com você eu aguento! Boa noite, Yuki, e boa sorte amanhã!"

Após a conversa ser encerrada, abri a cortina do meu quarto para observar a rua da janela. Ela estava vazia, como era de se esperar a essa hora e pelo frio, e em alguns meses ela estaria completamente branca pela neve. O que me fez lembrar de outro problema. 

Já fazia um tempo que Masami não me respondia, minha preocupação diminuiu quando vi notícias de seus dois últimos shows terem sido um sucesso, de qualquer forma algo ainda me incomodava. Talvez estivesse apenas mal acostumado em conversar com ela todos os dias, esperar que ela me desse atenção seria pedir demais. Ela ainda era A Masami Imamura, afinal, por pelo menos mais alguns meses. 

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A hora havia chegado, o auditório estava tomado de alunos. Ayane e Kanzato já haviam feito seus discursos. E o de Ayane conseguiu algumas lágrimas de seus colegas veteranos. 

"No fim das contas, foram só três anos, mas que farão sempre parte do que seremos de agora em diante."

Ela tinha razão, o momento era curto, mas as experiências seriam a base do nosso amanhã. Suspirei pesadamente, minha hora tinha chegado. Ayane encostou suas costas nas minhas, não conseguia ver sua expressão, mas a essa altura da nossa relação, eu já a imaginava perfeitamente. 

"Seja você mesmo, Yuki. …Seja o Yukihiro Hayate que tanto amamos."

Ela se afastou do palco me dando um leve empurrão, com sentido ao palanque. Cheguei próximo do mesmo, sem cola, sem nada decorado. Meu discurso seria como meus amigos sugeriram, genuíno. 

Observei o auditório tomado, e alguns rostos com sorriso me acalmaram. Pessoas que ajudei de uma forma ou outra, pessoalmente ou com seus clubes. O professor Hashimoto no fundo do auditório me observava com a mesma satisfação. E isso me fez lembrar de uma conversa que tivemos a quase um ano, quando diversos dos clubes tentavam me recrutar. 

"As pessoas dizem que você não ter entrado em algum dos clubes, ou no conselho, foi um desperdício. Talvez fosse verdade, se não tivesse gastando todo esse tempo livre, fazendo o que faz, tornando as coisas e pessoas melhores do que antes."

Fazendo as coisas melhores, huh? Talvez fosse verdade. Suspirei mais uma vez, e então comecei.

"Eu tenho algo que carrego comigo desde muito cedo, quando eu ainda achava que estava destinado a solidão. Boas pessoas vieram à minha vida, e me livraram dessa triste ideia, por sorte. Enfim, a coisa que eu carrego, é uma fé inabalável nos outros.

Fé de que todos nós podemos ser melhores amanhã, do que somos hoje. Todos os dias, somos capazes de aprender algo novo, e evoluir. Esse é meu desejo como presidente do Conselho estudantil, com o que nos for permitido, obviamente, ajudar que cada um de vocês atinja seu potencial, que acreditem ou não, todos temos.

Se trabalharmos juntos, tenho certeza que levaremos muito mais do que esses meros 3 anos normalmente proporcionam, se estendermos nossas mãos a pessoa ao nosso lado, e ela fizer isso com a próxima, quando perceber, vamos estar todos juntos. 

Por um amanhã onde seremos a melhor versão de nós mesmos, isso é o que eu acredito que poderemos atingir juntos. Obrigado pela atenção, e conto com seus votos."

Os aplausos foram o suficiente para mim, não era o que buscava, mas ao menos eram um sinal de que minha mensagem foi recebida. Descendo do palco, Ayane e Jin me esperavam, com um sorriso estampado. Coloquei a mão esquerda no ombro de Ayane, e a direita no ombro de Jin, e me despedi de ambos sem dizer mais nada. 

Próximo ao palco, Sakura ajudava Hinata a se preparar, pensei em dizer algo às duas, mas simplesmente segui para o fundo do auditório. Queria a melhor visão possível da apresentação de Hina, a Hina que mudou ao perceber que precisava, que entendeu suas falhas, e que queria crescer usando-as de alicerce.

Não demorou e seu discurso começou, assim como eu, Hinata não usava uma cola, não havia decorado um texto, ela falaria com o coração.

"Qual a coisa mais importante para você? O que te faz querer viver dia após dia, nesse mundo? Eu costumava ter uma ideia errada disso, eu depositava essa minha vontade de seguir nos outros, criando expectativas e isso é errado. 

A coisa mais importante, que deve ser o combustível para seguir adiante, somos nós mesmos. E quando você se dá a importância que merece, pessoas boas se aproximam, e essa combinação é a porta para atingir o que deseja, de buscar os sonhos que tiver. 

Cabe a nós, então, cultivar e manter as pessoas boas no nosso entorno. Porque quando você as machuca, você está ferindo a você mesmo. Os amigos, talvez inimigos, que fizermos nesses 3 anos tão curtos que passamos juntos, nos moldam. 

Para que criemos memórias que valerão muito mais do que 3 anos geralmente proporcionam, juntos, eu tenho certeza que conseguiremos. Esse será meu trabalho no conselho, criar memórias, crescermos no processo, e quando isso acabar, vamos olhar para esses meros 3 anos, e lembrar com alegria de tudo o que vivemos, juntos. Obrigada, e conto com o voto de vocês."

Puxei a salva de palmas, e logo todo o auditório fazia o mesmo. Não conseguia distinguir entre os aplausos que recebi, e os que Hina recebeu, se fossem algum indicativo, teríamos uma eleição acirradíssima. 

Isso, no entanto, não importava agora. Hina parou na escada que dava acesso ao palco, e de longe, me observava, retribui a ação. Após alguns segundos, ela continuou, sendo abraçada por Sakura e suas colegas de clube. Coloquei as mãos no bolso, e decidi sair do auditório, buscando um pouco de ar fresco. 

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O vencedor da disputa foi decidido na mesma noite, a eleição, eletrônica graças aos estudantes do clube de computação, foi rapidamente apurada, o resultado…

Yukihiro Hayate: 417 votos.

Hinata Oshima: 423 votos.

Observava o céu da fria noite de outono de Aomori, algumas nuvens encobriram as estrelas, mas por sorte não teríamos chuva. Esfreguei as mãos, e já começava a pensar em usar luvas.

"Está ficando frio, não está?"

Ayane chegou também esfregando as mãos. Ela se aproximou, encostando o braço no meu, era uma boa forma de espantar o frio, mas o intuito dela era outro. 

"Obrigada por escutar meu pedido e ir até o fim com a ideia do conselho, Yuki."

"Foi divertido, no fim das contas. E sinto muito por não ter conseguido ganhar."

"Nunca peça desculpas por perder uma disputa acirrada dessas, Yuki, além disso…"

A observei por um instante, ela parecia feliz. 

"Não me parece que esteja insatisfeita com a vitória de Hina."

"Não estou, isso pode soar estranho, mas a Hinata que ganhou não é a mesma que eu não queria na presidência do conselho. Pessoas mudam."

Ela se afastou, e colocou a mão sobre delicadamente minha cabeça, bagunçando meu cabelo.

"Seu prêmio, por todo seu esforço, Yuki."

"Obrigado, pres."

"Ainda temos alguns meses juntos, então vamos aproveitar. Além disso…"

Ayane olhou para trás, Sakura parecia nos esperar, nervosa. 

"Tem mais gente merecendo seu tempo hoje, camarada Yuki."

Sakura fez uma leve reverência para Ayane, ao se cruzarem, e a presidente deu dois tapinhas nas costas da garota, antes de desaparecer pelos corredores da escola. Ela se aproximou sem jeito. 

"Sinto muito, Yuki."

"Não sinta, foi uma disputa justa, no fim das contas. Eu que devo a vocês meus parabéns."

Ela se aproximou, mas manteve uma distância que não costumava. 

"Vai encontrar com Hina hoje?"

Mostrei meu smartphone à garota.

"Sim, combinamos de nos encontrar na casa dela."

Ela assentiu, mas ainda parecia ter mais a dizer, depois de tomar coragem, o fez.

"Eu… eu também posso de dar um prêmio!"

Eu sorri, ela viu minha interação com Ayane, afinal, aproveitei a situação pra fazer algo que a muito queria. 

"Certo, mas eu poderia escolher?"

Me aproximei, ficando do lado da garota, que não se mexeu, mas estava aparentemente nervosa. 

"Se eu puder, é claro que sim…"

Segurei sua mão delicadamente, e nossos dedos se entrelaçaram, quando estávamos perfeitamente conectados, levei nossas mãos a um dos bolsos do meu blazer. Nossas mãos, frias pelo clima e pelo nosso nervosismo, começaram a se aquecer, juntas. 

"Esse é meu prêmio, Sakura."

Completamente vermelha de vergonha, ela inclinou a cabeça encostando no meu ombro. De mãos dadas, fomos até a estação. Eu havia perdido a eleição, mas no fim das contas, havia ganhado algo muito mais valioso. 

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