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ENCONTROS, PARTE I

Doze anos se passaram desde o acidente. A cidade Brilho Grande já não era mais a mesma. Por ser uma cidade pequena, não havia muitos crimes. A polícia era chamada apenas durante brigas em bares ou de vizinhos, por exemplo.

Jaime, o prefeito, estava em seu escritório pensando no que dar de presente para a sua sobrinha que estava comemorando seu aniversário de doze anos. Escolher quais presentes dar para os seus parentes era uma das poucas preocupações do prefeito da cidade.

Bernardo também estava fazendo aniversário, mas decidiu não contar para ninguém, apenas foi para o trabalho como costumava fazer normalmente.

Bernardo não tinha interesse em sair contando que era o seu aniversário, afinal, ele sempre foi um rapaz solitário. Seu trabalho na prefeitura era basicamente ser o assistente do prefeito.

- Com licença, senhor. Aqui está o seu café e os documentos que me pediu mais cedo - disse Bernardo.

- Obrigado - o prefeito deu um sorriso amarelo. - Espera um pouco aí. Hoje é o seu aniversário também, não é?

- Isso mesmo - respondeu Bernardo de forma desleixada.

- E por que você não me disse?

- Porque não pensei que fosse importante.

- Para com isso! Pode tirar o dia de descanso!

- Não precisa, é sério. Eu nem tenho com quem festejar mesmo - retrucou Bernardo.

O seu celular Android apitou. Era um toque simples que, por sinal, era o mesmo som de quando ele o comprou. Para a surpresa de Bernardo, era uma mensagem de uma pessoa que ele já não falava há quatro anos.

"Oi, Bernardo. Tudo bem? É a Eduarda. Só queria lhe desejar feliz aniversário. Sei que já faz um tempinho... Quer tomar um café mais tarde? Se não quiser, eu vou entender."

A mensagem veio de sua ex-namorada, Eduarda Nogueira.

Bernardo e Eduarda namoraram por dois anos e foram os melhores momentos da sua vida, pelo menos até o final do relacionamento.

Há seis anos, Bernardo e Eduarda se conheceram em uma feira que vendia papéis para origami e produtos geeks.

O início do relacionamento havia sido maravilhoso, mas com o passar dos anos, o relacionamento esfriou. Não que Bernardo não a amasse, mas ao saber que Eduarda era perdidamente apaixonada por ele, assim como ele por ela, fez com que o rapaz não se preocupasse mais em tentar manter o romantismo ou se esforçar para mantê-la feliz. Basicamente, vivia um dia após o outro e pensava que já estava bom daquele jeito, mas não para ela. Ela queria mais da vida, então, quando os seus caminhos já pareciam distantes, Eduarda tomara a difícil decisão de os deixar mais distantes ainda.

Depois disso, ela buscou novas aventuras. Bernardo caiu em uma tristeza profunda, pois ele sabia que a culpa era dele.

Passaram-se quatro anos e Bernardo já havia superado o passado, só que isso não significava que ele gostaria de vê-la novamente, pois ver o seu rosto significava relembrar dos seus erros. Da sua incompetência.

- Fica tranquilo, Bernardo. Você está dispensado hoje. Pode curtir o seu dia - disse o prefeito.

- Tá bom, obrigado.

E assim, eles marcaram de se encontrar às onze horas em uma cafeteria próxima à prefeitura.

- Com licença - disse a recepcionista às pressas -, chegou uma correspondência para você, Bernardo. Deixei lá em cima da mesa, ok?

- Ah, tudo bem! Obrigado, Vanessa - Bernardo se retirou da sala chique do prefeito, foi até a recepção e pegou o envelope. Ele não estava com vontade de abri-lo naquele momento, pois tudo o que ele pensava era naquela mulher loira de cabelos compridos e óculos de grau que ele tanto amou. Todos aqueles sentimentos de culpa e mágoa ressurgiram e Bernardo voltou a ter um daqueles ataques de ansiedade que só tinha quando se sentia extremamente pressionado.

Molhou os lábios com a língua e arrumou a gola da camisa branca, mesmo ela não precisando ser arrumada. Típico de alguém ansioso. Se despediu do prefeito e da recepcionista, pegou sua mochila e saiu da sala.

Bernardo era um homem de vinte e quatro anos, de um metro e setenta e de cabelos pretos. Seus cabelos estavam levemente bagunçados e caídos sobre a testa. Parecia um pouco magro demais para a sua idade, mas aquilo nunca o incomodou.

Bernardo foi ao banheiro mais próximo, se olhou no espelho e reparou que estava com olheiras por não dormir bem naquela semana. Já fazia algum tempo que Bernardo não cuidava muito da sua aparência.

A mensagem que recebeu de Eduarda fez Bernardo olhar para o passado e pensar em voz alta.

- Eu não mudei nada.

Bernardo pensou que talvez Eduarda estivesse diferente, afinal, já faz quatro anos desde que não se viam. Quanto a ele? Estava igual. Era como se não tivesse evoluído nos últimos anos. Será que deveria trocar de roupa? Pensamentos sobre o passado começaram a invadir a sua mente e Bernardo estava enlouquecendo. Ele nem sabia o porquê de estar pensando nela, afinal, ele não estava mais apaixonado, mas lembrar dela fazia ele se lembrar da época em que eles eram felizes e tinham muitos planos. Tudo isso deixava Bernardo ansioso.

Na mesma cidade, o doutor Marcos Henrique Mafra se arrumava para sair para mais um dia de trabalho no hospital da cidade. Sua filha, Emily, era uma gerente de vendas da White Keys - uma loja online que vende produtos variados para todo o mundo. - O trabalho de Emily era viajar para fazer reuniões com várias lojas que desejavam usar os serviços da White Keys para revender os seus produtos.

Emily era uma mulher de vinte e nove anos, com cabelos pretos e lisos até a cintura.

Sua vida foi salva quando ela tinha apenas dezessete anos. Emily precisava urgentemente de um transplante de coração, até que seu pai, Marcos Henrique Mafra, conseguiu um doador de última hora. Depois daquele episódio, ambos ficaram muito mais próximos um do outro, já que quase foram separados.

- Pai, já vai? - perguntou Emily.

- Sim, já vou. Por quê?

- É que recebi uma carta sem remetente. Que estranho - disse Emily, intrigada.

Emily era uma garota curiosa. Sua curiosidade foi o que a levou ao cargo de gerente de vendas da White Keys. Após ter sobrevivido a uma complicada cirurgia, começou a olhar a vida com outra perspectiva e aproveitar cada momento, mesmo não sendo uma mulher muito sociável.

- Por que não abre? - perguntou o pai, enquanto dava um nó em sua gravata bordô.

Emily abriu a carta com muito cuidado e leu em voz alta.

"Olá, Emily. Tudo bem? Venho, por meio desta carta, lhe fazer um convite para um grande evento que ocorrerá neste domingo, dia 17 de maio, às 20 horas, no Centro de convenções da cidade.

Este evento será um encontro entre você, eu e todos os nossos irmãos, que foram salvos há 12 anos. Todos temos algo em comum: um órgão doado pela mesma pessoa. Isso gerou um laço entre nós e por isso somos como irmãos. Vamos celebrar a vida e nós conhecer melhor. Um grande abraço."

- O quê? - Dr. Marcos arregalou os olhos.

- Pai, não sabia que as pessoas tinham acesso aos dados dos doadores de órgãos. Como foi que descobriram o nosso endereço?

- Eu não faço ideia. Hoje em dia as pessoas são capazes de tudo, basta terem um pouco de motivação - gaguejou Marcos.

O médico pegou sua pasta, deu um beijo na testa da filha e foi até a porta de saída.

- Olha, eu não iria se fosse você. Será um local cheio de gente desconhecida e capaz de fazer qualquer coisa. Escuta o seu pai e joga isso fora, por favor - disse Marcos.

Marcos saiu fechando a porta. Emily continuava intrigada com a carta.

Era dez horas da manhã. Débora estava dormindo mais uma vez no balcão do seu bar. O lugar estava completamente sujo, cheirando a vômito e álcool. Débora havia sido despejada de sua casa, então decidiu morar no bar. O lucro já não estava sendo mais o suficiente para pagar as contas e fazia três dias desde que ela estava dormindo naquele ambiente imundo.

A mulher de quarenta e cinco anos abriu os seus olhos com um pouco de baba escorrendo pelos seus lábios. Olhou ao redor e viu novamente copos sujos, revistas, cigarros e restos de comida espalhados pelo chão. Já não tinha mais forças para continuar em frente.

Ao se levantar da mesa, meio tonta devido à ressaca, Débora viu uma carta colocada debaixo da porta. A mesma carta recebida por Emily e Bernardo.

Onze horas da manhã. Cafeteria.

Bernardo chegou ao local combinado por mensagem. Era uma cafeteria que se encontrava com a prefeitura na mesma esquina.

O local era simples, porém muito bem-arrumado. As toalhas listradas nas cores verde-limão e branco eram parte fundamental da decoração das mesas, que chamavam toda a atenção da cafeteria. Em cada mesa havia um saleiro em formato de uma bailarina ao lado dos guardanapos.

Nos fundos da cafeteria, sentada em uma mesa pequena ao lado da janela, encontrava-se Eduarda. Bernardo olhou para os lados, parou, e continuou andando devagar até a mesa. Eduarda já estava olhando para ele com um leve sorriso. Bernardo percebeu que, diferentemente do que havia imaginado, ela não havia mudado quase nada. A única diferença, talvez, era a expressão mais madura, apesar de ainda ter apenas vinte e três anos. Seus cabelos loiros estavam um pouco ondulados e mais compridos. Seus óculos de grau eram um pouco menores do que antes.

- Oi, posso me sentar? - Bernardo engoliu em seco.

- Claro - Eduarda deu um leve sorriso de canto de boca.

Ambos se olharam por alguns segundos, processando aquele momento. Ver Eduarda sentada na sua frente com toda aquela serenidade fez Bernardo pensar por um segundo que havia voltado no tempo.

- Então... - ambos falaram juntos e sorriram sem graça.

- Pode falar - disse Bernardo, gaguejando. Apesar de conhecer Eduarda e sentir que havia voltado no tempo, a realidade era outra. Era quase como se estivessem se conhecendo novamente ali naquela cafeteria. Bernardo não sabia o que dizer.

- Uau... Bernardo, você não mudou nada - Eduarda parecia tranquila e com bom humor.

- Mas olha só, agora estou estudando direito. Acho que mudei um pouquinho.

- É, acho que sim. Soube que você está trabalhando na prefeitura - Eduarda bebeu um gole de café. - Eu, por outro lado, ainda nem aprendi a andar de bicicleta, acredita? - confessou a garota, envergonhada.

- Ainda não? - Bernardo sorriu novamente. - Ainda não superou o medo?

- Não. Mas depois que se aprende a dirigir, quem precisa de bicicleta, não é mesmo? De qualquer forma, parabéns pelo novo emprego e pela faculdade.

- Faz pouco tempo que estou trabalhando lá, mas tenho aprendido bastante. Estou quase terminando a faculdade, então assim que terminar, abrirei um escritório.

- Que legal! Parabéns! - Eduarda manteve o seu sorriso inocente e continuou olhando para ele. - Ah, é verdade. Feliz aniversário, agora pessoalmente.

- Obrigado - Bernardo não conseguia olhar nos olhos dela.

- E... como estão os seus olhos? Não teve nenhum problema nos últimos anos? - perguntou Eduarda.

Há doze anos, Bernardo sofrera um acidente de carro. Estava no banco da frente com os pais. Era para ser uma viagem perfeita em família.

Bernardo estava de férias da escola e seu pai de férias do trabalho. Sua mãe, que trabalhava em casa, pôde tirar uns dias de folga também. Foi como se o universo estivesse pedindo para que eles fizessem uma viagem juntos. Apesar da empolgação da família, tudo se tornara um pesadelo.

Durante a viagem, o carro dos pais de Bernardo colidira com um caminhão de entregas. Seus pais morreram no local, enquanto Bernardo quebrara seu braço esquerdo. Além disso, seu olho direito sofrera um ferimento ocasionado por uma barra de ferro que fez com que Bernardo passasse por uma cirurgia de transplante de córnea. O transplante fora um sucesso, mas a vida solitária de Bernardo fez com que ele se transformasse em um garoto amargurado.

Bernardo conhecera Eduarda aos dezoito anos. Depois do término, Bernardo começara a cursar direito e trabalhar como assistente.

- Eduarda, me fala a verdade. Por que você me convidou para vir aqui? - Bernardo apoiou o rosto na sua mão, que estava apoiada na mesa. - Já faz quatro anos. Quatro anos. Você não sabe como foi difícil seguir em frente.

- Eu só queria fazer uma surpresa... como amiga.

- Não dá. Você não entende. Eu não consigo fazer isso - Bernardo se levantou e colocou sua mochila. - Desculpa.

- Não consegue fazer o quê? - Eduarda franziu a testa. Sua pele pálida passou a ficar vermelha.

- Te ver como se nada tivesse acontecido - Bernardo engoliu em seco.

- Aproveite o seu café, Eduarda - Bernardo fez mais uma breve pausa. - Tchau - finalmente, Bernardo saiu da cafeteria.

Saindo de lá, Bernardo voltou para casa a pé. Lembrou-se da carta que recebeu mais cedo. Abriu ali mesmo enquanto caminhava. O mesmo convite de reunião com os "irmãos".

- Que maluquice é essa? - Bernardo amassou o papel e colocou de volta na sua mochila.