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Devassidão Metodológica

Fora da Torre um som ensurdecedor pode ser ouvido ao longe, a nuvem de fogo e poeira se aproxima rapidamente, em apenas alguns segundos o veículo chega na passarela de pedra que leva à entrada da Torre. Sunna continua impulsionando a supercicleta pela rampa enquanto Enoque segura a cintura da garota como se sua vida dependesse disso. Faltando alguns metros para que os dois se choquem contra a porta, Sunna gira o guidão da supercicleta para sua esquerda, inclinando o corpo junto para melhorar seu equilíbrio, o som das rodas sendo arrastadas contra a pedra parecia um animal gritando. Enoque não estava preparado para a manobra que a garota realizou, sem tempo para reagir ele sai voando com a parada brusca, o impacto contra o chão faz com que suas roupas se rasguem enquanto ele gira por mais dois metros antes de parar. Sunna olha para o rapaz caído com suor surgindo em seu rosto, ainda na supercicleta ela grita com preocupação.

— Enoque! Você está bem? Quebrou alguma coisa?

— Só meu orgulho.

— Que alívio...

Sunna se inclina para frente e deita sobre a supercicleta, escondendo o rosto em seus braços. Quando volta a se levantar, com o rosto vermelho e lágrimas nos olhos, ela bate na lataria de seu veículo com sua mão direita.

— Puf... Hahaha! Você decolou tão rápido, parecia um boneco de palha!

— Que bom que gostou. Ninguém deveria conduzir algo como essa coisa depois de beber mais de dez garrafas de cerveja.

— Dez?

— Desisti de contar depois da primeira hora.

— Cala a boca, você também não ficou pra trás. Agora vai na frente e estende o tapete vermelho pra mim. Vou guardar meu brinquedo.

Enoque apoia sua mão no chão e com dificuldade volta a ficar de pé.

— Sim senhora, princesa Sunna. Só tente não desmaiar e passar a noite dormindo nos estábulos.

— Vai se ferrar.

Sunna põe a máquina para andar e dá a volta na Torre indo em direção aos estábulos. Enoque abre a grande porta de pedra e entra na Torre.

A porta fecha em suas costas, ele anda pelo tapete elegante e sobe a grande escadaria. Os corredores estreitos, iluminados pelos cristais de luz, permanecem em silêncio enquanto o rapaz caminha devagar até o terceiro andar da Torre, onde fica a biblioteca e algumas portas mais adiante, o quarto do Enoque. O rapaz cambaleia pelo caminho até a porta de seu quarto, de passo em passo, tudo que ele quer é deitar, além de passar a noite bebendo com a pequena Áries, ele ainda estava sem descansar da semana em que buscava o fruto no Éden. Finalmente, no fim do corredor a porta marcada com duas ondas, seu quarto. Ele vira a maçaneta, a porta se abre em silêncio, o quarto completamente escuro, apenas a luz do corredor ilumina o interior. Enoque conhece seu quarto como a palma de sua mão, mesmo caindo de bêbado, ele fecha a porta mergulhando o quarto em completa escuridão, três passos para frente, ele vira para direita, anda mais três e se joga para frente, caindo perfeitamente na cama. Finalmente um pouco de descanso.

— Você sabe quanto tempo eu estou aqui sentada esperando você passar pela porta para minha grande aparição?

Enoque fica de joelhos na cama, seus olhos dobram de tamanho e seu corpo recebe uma dose extra de adrenalina em resposta a sensação pesada que pairou sobre ele. Enoque bate palmas e seu quarto se ilumina em resposta, revelando a mulher de cabelos de sangue sentada em uma cadeira com suas pernas cruzadas, seus braços descansam apoiados em suas coxas enquanto ela olha para cima, na direção do lustre feito de cristais de luz pendurado no teto do quarto.

— Oh... então é assim que essa coisa funciona.

— Como você entrou nesta Torre?

A mulher ignora a pergunta e levanta da cadeira, caminha até a porta para o corredor, gira a maçaneta e sai do quarto. Enoque pula para fora da cama e corre na direção da porta para não deixar a intrusa escapar, no entanto quando abre a porta esperando ver a mulher no corredor, ele entra em seu quarto novamente. Em sua frente a mulher sentada na mesma cadeira de antes, pernas cruzadas, cotovelos apoiados nos braços da cadeira, mãos juntas, com seus dedos cruzados entre eles cobrindo sua boca.

— Estava esperando por você.

Enoque congela por um segundo, ele saiu de dentro do seu quarto… para dentro de seu quarto. A confusão em sua mente tenta compreender o que está acontecendo. Ele foi teleportado? Aquela mulher havia demonstrado algo como isso no jardim, no entanto… Enoque gira sua cabeça, olhando em sua volta com descrença, no momento existiam duas cópias de seu quarto, a que ele estava e a que a mulher misteriosa estava.

— O quê… quando… como… onde…

— Oh, não se preocupe com perguntas inúteis. Vamos focar no "por quê".

Enoque fecha a porta na tentativa de ganhar algum tempo para organizar seus pensamentos, mas imediatamente a voz da mulher estava atrás dele. Ele se vira e encontra ela deitada em sua cama com a cabeça apoiada em seus braços.

— Oh, não. Ele fechou a porta. O que farei agora.

Enoque está cansado demais para pensar em algum plano, ele apenas voltou a abrir a porta e correr para o outro quarto. Ao passar pela porta, seu pé não encontrou o chão, ele despenca de dois metros de altura caindo sobre a pedra dura. Ao se recuperar da queda ele se põe de joelhos, buscando forças para levantar, ele olha para frente e vê um lustre no chão, o lustre é feito de correntes e cristais, ele deveria estar caído sobre a pedra, mas de alguma forma está apontando para cima, como se a gravidade estivesse invertida. Ao examinar melhor onde estava, Enoque se deu por conta, não era o lustre que estava de cabeça para baixo, era ele. Enoque estava em seu quarto, no teto de seu quarto para ser mais preciso. A mulher o observa enquanto permanece de pé no verdadeiro chão do quarto, seus longos cabelos balançam caídos na mesma direção que Enoque sentia a força da gravidade.

— Você parece exausto. Imagino que ficar correndo atrás de garotinhas com uma fração da sua idade deve ser cansativo.

Enoque se enfurece, em um piscar de olhos ele se projeta da sua posição para perto da mulher, ele salta e com as duas mão segura com força os cabelos da mulher, juntando toda força que ainda lhe resta ele puxa a mulher para o teto, batendo suas costas contra a pedra dura. Enoque sobe sobre ela e usa o peso de seu corpo para mantê-la presa ao teto.

— Estou começando a suspeitar que não sou bem vinda aqui.

Enoque coloca a palma de sua mão direita na testa dela. Os olhos da mulher abrem e suas pupilas fogem, se escondendo na parte superior de seus olhos, a mulher abre a boca em agonia. Sua pele perde o brilho, enrugando e rachando, seus músculos desaparecem, a deixando mais e mais esquelética. Um segundo se passa, seus olhos desaparecem, deixando apenas um vazio negro no lugar, sua pele se esfarela, revelando os ossos por debaixo. Dois segundos se passam e tudo que resta dela são seus ossos, cabelo e roupas. Enoque respira com dificuldade, sentado sobre o cadáver, suor pingando de seu rosto.

Antes que ele ganhe o tempo que tanto busca, o esqueleto move seus braços e com as duas mãos segura Enoque pelo pescoço. Os dedos esqueléticos da mulher apertam com cada vez mais força.

— Ksh… Estrangulamento é minha forma favorita de matar. Ver o brilho em seus olhos desaparecer. Vamos, não me desaponte. Depois de seis mil anos, isso é tudo que você pode fazer?

— Li… li… th…

— Finalmente lembrou de mim! Agora me diga, preparado para pagar sua dívida comigo, Adão?

Enoque fecha os olhos e segura os braços esqueléticos de Lilith com as mãos. Seus olhos voltam a abrir, revelando um infinito branco transbordando energia. O ar começa a vibrar, rachaduras aparecem por todos os lados, não apenas nas paredes e móveis, como também no próprio ar, como se a realidade em si estivesse sendo estilhaçada. Correntes de ar sopram como se um furacão estivesse se formando. Lilith olha com seus olhos vazios sem se abalar.

— Vou tomar isso como um "não".

Um estouro seguido de um clarão branco quebra o silêncio.

Enoque se apoia na parede ao seu lado e olha para a porta marcada com duas ondas, seu quarto.

— Huff… Huff… Ser forçado a quebrar meu tabu…

As ondas na porta se movem junto das pernas do rapaz que cai de joelhos, apoiando as mãos no chão enquanto respira com dificuldade.

— Não posso desmaiar agora… Ela está no meu quarto, esperando… preciso aproveitar e buscar ajuda.

Enoque volta pelo corredor e desce as escadas. Ele se arrasta até o quarto da Sunna no segundo andar da Torre, a porta marcada com o símbolo de Áries, Enoque estica o braço e torce a maçaneta mas antes de abrir a porta é interrompido pela voz familiar vindo de suas costas.

— O que você está fazendo aqui? Esse não é o seu quarto.

Enoque reconhece a voz de sua companheira e suspira aliviado. Ele se vira para informar a situação, seus olhos parecem saltar de seu rosto quando percebe Lilith parada atrás de Sunna. Lilith estica seu braço esquerdo para frente, com sua mão estendida, seus dedos chegam a centímetros dos cabelos de fogo da garota. Os olhos laranjas dela se movem para sua direita enquanto uma expressão séria toma conta de seu rosto. Os lábios da garota se movem para dizer uma única ordem, a qual Enoque seguiu sem questionar.

— Pra dentro!

Sunna abre seus olhos o máximo que pode, suas pupilas desaparecem ao serem envoltas por chamas laranjas. Enoque abre a porta e se joga para dentro do quarto enquanto a temperatura no corredor sobe bruscamente. No instante que ele fecha a porta, o ar em torno da Sunna começa a queimar, seu vestido branco é carbonizado junto de seus sapatos, restando apenas seu macacão especial cobrindo o corpo da garota. Lilith não tem tempo para reagir, sua mão foi a primeira a queimar com a intensidade do calor emanando da garota. Aos poucos o fogo foi consumindo seu braço, queimando até mesmo seus ossos. Sunna começa a brilhar intensamente, olhar para ela pode ser comparado a olhar direto para o sol em um dia quente de verão. O corpo de Lilith pega fogo, as rochas que formam as paredes, piso e teto do corredor começam a derreter. Aos poucos Lilith é carbonizada, da pele aos seus ossos, totalmente devorada pela estrela que se formou no corredor apertado da Torre. Sunna mantém o ataque queimando por dez segundos, quando o fogo desaparece, a garota pode novamente ser vista no centro de uma cratera feita de rocha derretida. Sunna olha para trás, confirmando que nada havia sobrado da invasora.

— Hump! Sempre sobra pra novata tirar o lixo.

Sunna anda até a porta, gira a maçaneta e entra em seu quarto para procurar Enoque. Em seu quarto ela vê seu armário de roupas, a cama de casal desarrumada, seus equipamentos de treino espalhados pelo chão e a mesa que serve como base para sua espada favorita, uma bela peça feita de prata com empunhadura de couro, no entanto não encontra seu companheiro. Antes que chame por seu nome, sua cama começa a tremer, e debaixo dela surge Enoque. Ele se arrasta para fora com dificuldade, põe seu braço direito sobre a cama e a usa como apoio para levantar do chão e sentar cabisbaixo nela.

— O que fazia embaixo da minha cama?

— Não me julgue. Você matou ela?

— Ela, minhas roupas e o corredor do meu quarto. Nem preciso dizer que você quem vai pagar por tudo, não é?

— Não crie expectativas, pombinha de fogo. Ele não é de confiança.

Enoque e Sunna olham para cima da cama em choque. Deitada com os braços atrás da cabeça, Lilith sorri com seus grandes dentes caninos.

— Ksh… Não me olhem assim, eu fico tímida.

O ar começa a esquentar em torno da pomba de fogo. Lilith levanta a mão esquerda, estala seus dedos e a porta do quarto desaparece.

— Você parece esperta, pombinha. Me responda. O que acontece se acender uma vela em um recipiente fechado?

Sunna aperta seus punhos com força e range os dentes enquanto a temperatura volta ao normal. Enoque cambaleia para perto da Sunna sem tirar os olhos da Lilith.

— Finalmente pararam para me escutar. Ao que parece milagres realmente acontecem.

— Lilith… Não me admira a sensação que senti ao ver você no Éden.

— Oh! Posso saber o que você sentiu? Simpatia, respeito, remorso? Ah, do que estou falando. Você não sente essas coisas.

— Pro inferno com isso, vou tirar esse sorriso da sua…

Sem que a dupla perceba, Lilith se põe na frente da Sunna. Enoque e a garota permanecem com os pés firmes e cada músculo em seus corpos tensionados, a diferença de altura é notável entre as duas quando a mulher de cabelos de sangue abaixa a cabeça para encarar a Sunna. Seus olhos vermelhos olham através da garota, como se enxergassem sua alma.

— Vim até aqui atrás do imprestável ao seu lado, se ficar no meu caminho eu jogo você e esta Torre no Sol.

— Acha que eu tenho medo de…

Sunna é interrompida por Enoque que coloca a mão em seu ombro. Ele fala com a garota sem tirar os olhos de Lilith, que retribui o olhar com um sorriso no rosto.

— Sunna, já chega.

— Você não pode estar falando sério! Ela está blefando, só temos que…

— Sunna! Ela não está blefando. Não esqueça a razão do Zodíaco existir.

Lilith ergue o braço e coloca a mão esquerda na cabeça de Enoque.

— Bom garoto.

A mulher tira a mão da cabeça do rapaz e estica seu braço esquerdo para a parede, com um estalar de dedos a porta do quarto reaparece. Lilith anda até ela, gira a maçaneta e sai do quarto, seguida em silêncio por Enoque, que fecha a porta atrás dele. Sunna permanece quieta enquanto assiste os dois saírem do quarto, seus punhos fechados poderiam quebrar uma pedra com a força que faziam, a temperatura no quarto sobe e Sunna grita com ódio em seus olhos.

— Merda! Merda! Merda!

Sunna olha para sua direita, o lustre de sua espada reflete seus olhos enfurecidos. Sunna estica o braço e com força segura o cabo revestido de couro. Ao tocar a espada, sua lâmina prateada começa a liberar calor ao ponto de queimar a mesa que a sustentava. Sunna segura a espada em sua frente, olhando para seu reflexo na lâmina. Ela respira fundo, abaixa a espada até a lâmina tocar o chão, e fecha os olhos enquanto a temperatura do quarto volta a diminuir. Sunna levanta seu braço esquerdo, cobrindo seus olhos com a mão e mais uma vez respira profundamente.

— Proteger a Torre.

— Pro inferno com a Torre!