webnovel

Capítulo único

Dentro de uma igreja cheia de estátuas de anjos e de decorações típicas de um santuário religioso, mesmo local onde estava acontecendo o velório da minha avó. Um dia depois de sua morte e agora sua carcaça se encontrava em um caixão e ao redor a melancolia se encontrava mais fincada e presa na alma e corpo de todos. Junto de desconhecidos que na teoria tem o mesmo sangue que o meu, mas eu nem reconhecia seus rostos e nunca os vi na minha vida. 

Já se fazem alguns minutos desde que encaro o corpo gélido e pálido da minha avó entediada, olho para o cadáver enquanto escuto os pequenos gemidos e choros das pessoas ao lado. Não conheço nem metade das pessoas que estão no local e todas 

estão se abraçando ou ajoelhadas sentindo a dor do luto.

Estava cansada tanto de estar naquela situação quanto de olhar o cadáver, mesmo que eu conhecesse aquela senhora a catorze anos parecia que eu era apenas uma estranha naquela igreja, eu me sentia uma invasora. Aquele clima pesado no santuário onde as esculturas dos anjos e os vitrais parecia não me afetar da mesma forma, sentia que tudo aquilo me encarava de alguma forma. Porém, sua morte não me afetava de nenhuma forma e o fato de eu não sentir nada era o que me fazia sentir-me oca e sem emoção alguma. 

Foi quando percebi a minha prima de oito anos tocando a mão do corpo que não havia sido fechado totalmente no caixão. O rosto da pequena estava avermelhado e com algumas pausas na respiração devido ao choro. Marina era apenas seis anos mais nova que eu e tinha um contato maior com a nossa avó, provavelmente deveria ser por isso que ela estava tão triste, tão nova e já passando pelo período do luto.

Fiz carinho na cabeça de Marina, era a única coisa que eu poderia fazer naquele momento era ajudar aqueles que estavam tristes, já que para sofrer eu não serviria de nada. A garota me abraçou e eu consegui sentir suas lágrimas pingando de seu rosto e molhando minha camisa preta, minha empatia não parecia estar forte, mas eu tentava fazer com que estivesse forte. Eu não conseguia sentir nada mesmo com ela me abraçando e sofrendo daquela forma. Mas tinha que fingir me importar, ela e os outros eram as prioridades de minha atenção.

Depois de um tempo chamaram a menina e ela foi até sua mãe, depois, enquanto eu estava quase indo embora até que vi minha outra prima parada na frente do caixão olhando para a cabeça estranha e cheia de rugas e manchas, me aproximei um pouco e vi ela soluçando enquanto segurava suas lágrimas com uma expressão estranha e desconfortável marcada em seu rosto.

 Sara era três anos mais velha que eu e era uma das pessoas mais próximas e que estava tentando aguentar o desconforto do local. Não entendi o motivo dela segurar a sua dor daquela forma, então a abracei, talvez seja isso que ela precisava. A garota soluçava constantemente enquanto segurava fortemente minha camisa, quase cravando suas unhas nas minhas costas.

Passo o resto da tarde na igreja apenas observando os indivíduos estranhos naquele espaço pequeno da igreja, já estava aceitando ser uma pessoa bastante estranha por não fazer nada que demonstre o meu afeto pela defunta. Realmente havia algum afeto? Bem, eu era uma de suas netas. Teria que ter, não teria? Esta pergunta me intrigava de uma forma estranhamente aflita, era como se eu algo matelasse minha cabeça constantemente com um machado e os meus pensamentos sangrassem para fora no mesmo instante.

Talvez seja apenas a minha mente tentando me ocupar com este jogo de palavras que me deixam em conflito com minha mente, estão totalmente de acordo com o clima do santuário. Apenas tento parar de focar minha atenção nisso escuto um grito de agonia enorme vindo do centro da igreja onde estava o caixão da minha avó. Lá estava minha tia de joelhos ao lado de minha mãe, gritando de desespero, dor e de tristeza.

— Minha mãe! Minha ma…mãe… Eu deveria ter ficado mais com você!— Ela colocou suas mãos no chão enquanto continuava a gritar de forma mais intensa. — Por que você teve que ir mamãe? Por quê? 

Eu tinha me assustado com o grito, todos daquela sala tinham se assustado com o barulho. Sinceramente, eu já estava sentindo falta da pessoa que ficaria assim igual nos filmes e séries que sempre costumam ter cenas com este mesmo sentimento de agonia e desespero do choque. Mas não esperava que fosse ela quem iria fazer aquilo ou que isso na vida real seria cena de filme de drama de tão real saindo da ficção.

Cada grito, cada afirmação e pedido de desculpas era tão real e sincero, dava para sentir seus sentimentos pulando para fora e com a entonação de agonia de sua voz aguda que se quebrava e se desestruturava rapidamente e ecoava nos ouvidos de todos realmente demonstrava o que aparentemente a maioria sentia em ações. Consegui sentir que aquilo era um sentimento vivo e verdadeiro, mas a tia Charlotte estava bem mais serena antes de ver diretamente o corpo dentro do caixão.

Se bem que até faz sentido ela agir desta forma, me lembro um pouco delas brigarem bastante e não se darem tão bem. Mas também é óbvio que uma pessoa vai ficar muito mais triste depois de alguém que estava trocando faíscas morrer sem ao menos fazerem as pazes.

Desvio minha atenção de Charlotte, que já estava sendo acolhida pelo marido e vou seguindo Sara estava bem melhor do que antes pela igreja. A garota senta em uma das cadeiras do local e coloca suas mãos entrelaçadas em cima de sua coxa. Seu rosto estava bem inchado de tanto chorar, olhando para baixo depois de sentar ao lado dela. 

— Ela prometeu que iria assistir a continuação do nosso filme favorito quando lançasse… — Sara sussurra enquanto vira o seu rosto lentamente para mim.

 — É uma pena que isso não pôde ter acontecido. — Coloco minha mão no ombro dela enquanto olho para o seu rosto.

— É… é sim… é triste n… nã… — Sara começa a chorar novamente e rapidamente esconde o rosto com suas mãos, tentando enxugar suas lágrimas. 

Eu destruí ela com essas simples palavras, essa não foi a minha intenção. Não sabia que eu poderia machucar alguém desta forma com apenas uma frase, mas será que a culpa foi minha? Talvez eu não devesse ter dito algo. Ficar quieta agora seria rude e desagradável para nós duas, então a abraço tentando acalmá-la novamente. 

— Me desculpe se isso soou rude, não queria te fazer chorar.

— Ah… Está tudo bem, não se preocupe.

Acredito que quando as pessoas dizem "Não se preocupe" é um pedido para os outros se importarem, então vou continuar acolhendo-a enquanto nós não vamos até o cemitério enterrar minha avó.

O tempo no santuário se passa lentamente e o horário marcado para ir ao cemitério estava perto. Volto a observar as pessoas que estavam no local e vejo minha mãe e o meu pai juntos, meu pai nunca teve uma relação boa e muito menos interagia com a minha avó antes dela falecer. Mesmo assim ele chorou quando foi me contar a notícia, não sei se era devido a cachaça que ele havia bebido antes ou foi realmente o choque da notícia. 

Se até uma pessoa que tinha um contato menor que o meu com aquela mulher pode chorar também, por que eu não chorei? Estou sendo a única a não sofrer por aqui. Apenas observando o caos do local, mas acredito que até o meu pai esteja sofrendo um pouco com isso. Minha mãe não demonstrou um desespero grande como o da tia Charlotte, ela me parece bem quieta, mesmo evitando falar com ela e deixando-a ter seu espaço sinto que ela está muito atormentada com isso.

Me sinto deslocada, sinto que não deveria estar aqui e que estava afetando alguma coisa no local, nunca gostei de igrejas mas essa em momentos de velório ficava bem mais estranha. Mesmo não recebendo olhares dos outros, eu acredito que deveria estar demonstrando algo também. Uma neta que não chora em um velório sendo que ele tinha uma ligação até que razoável para a idade é algo estranho de se ver. Este fato me intriga e me faz sentir como centenas de olhos estavam me observando e esperando eu desmoronar em algum momento, mas tenho certeza que isso não irá acontecer.

Se passaram longos minutos até que nos chamassem para ir ao cemitério, algumas pessoas se separam para ir de ônibus e chegar lá primeiro para ajudar a arrumar as coisas para o enterro. Minha mãe foi uma das pessoas que foi e eu e meu pai fomos de carro logo em seguida da saída do automóvel, com um enorme silêncio constrangedor nos acompanhando, a pressão que fazia em nossos corpos a cada aceleração do carro era como se fosse um espírito vindo de carona nos incomodar e trazer mais desconforto.

Não demoramos muito para chegar no cemitério e o funeral aconteceu bem mais calmo e rápido que o velório, não houve gritos, não teve barulho de choro agonizante, era uma pena. Já estava preparada para assistir o desespero das pessoas novamente. Apenas um silêncio afligente que só foi quebrado na hora de falar as palavras antes de enterrarem o corpo, quase ninguém disse nada.

E com esse quase ninguém eu digo que apenas a minha tia disse algo bem curto que eu nem sequer prestei atenção. Talvez os outros não fossem tão diferentes de mim, se realmente estivessem sofrendo teriam dito algo, mas também pode ser o choque da situação, mas nem todo mundo teria coragem de falar algo, tia Charlotte foi corajosa na minha visão, foi a única que tomou uma "atitude".

Enterram seu corpo e a família toda fica pelo local por mais alguns minutos até que todos se despedirem e irem embora. Infelizmente minha mãe decidiu ficar no interior junto de uma parte da família, não vou a ver por uma semana, eu espero que ela volte melhor e que volte bem mentalmente. Não gosto de ver minha mãe triste.

Me despeço dela com um abraço e entro no carro junto de meu pai, vamos embora para casa na cidade até que a minha mãe volte. Acredito que tudo vai estar um pouco melhor depois dessa primeira semana, pelo menos para mim vai estar melhor. Um intervalo de uma semana já dá pra melhorar as coisas, não dá? Acho que algumas pessoas que se encontravam na igreja vão esquecer tão facilmente. 

Pelo longo caminho de volta para casa, fico com a cabeça encostada no vidro do carro escutando música enquanto olho para a paisagem do interior que era puro mato. Nada se passava pela minha cabeça, tento dormir mas algo me impedia provavelmente um choque de realidade? Ainda acredito que não, talvez seja a música e também não sou de dormir no meio do trajeto.

Depois de horas finalmente chego em casa com o meu pai, estava extremamente cansada e entro dentro de casa o mais rápido que posso para me jogar na minha cama e dormir por horas aproveitando que vou ter uma desculpa para faltar aula de física no outro dia. Caio no sono feito uma pedra em instantes depois de ter me deitado no colchão que no momento parecia ser nuvens de tão macio que estava.

Para mim a semana se passou de forma normal como todas as outras semanas do ano, minha rotina não foi afetada e continuei fazendo as mesmas coisas de sempre. Apenas aguardando a volta de minha mãe que iria chegar naquele momento, estava com saudades dela e queria conversar sobre o treino de handebol alguns desenhos novos que eu havia feito durante esse tempo todo. Escuto o barulho do portão se abrindo e corro rapidamente até a sala esperando ela entrar pela porta com um grande sorriso no rosto. 

Olho para ela chegando dentro de casa e ao olhar para o seu rosto meu sorriso vai embora, a mulher estava bem cansada e suas olheiras estavam bem aparentes e marcadas na sua face. Deu para perceber o seu rosto ainda estando um pouco inchado e dava para perceber umas marcas escuras nos cantos dos olhos. Não esperava muito por isso especificamente. 

— Bem-vinda de volta, mamãe. — Tento expressar um pouco de animação e vou até ela dando um abraço forte.

— Bom dia meu bem, como foi sua semana? 

Ela retribui o abraço, mas dura poucos segundos e logo nos afastamos para continuar a conversa.

— Foi boa… Eu tenho alguns desenhos para te mostrar! 

— Estou cansada por agora, mas prometo que vou dar uma olhada neles depois. Tudo bem pra você né?

— Ah, claro… — Fico olhando minha mãe por sua bolsa no sofá e indo em direção ao quarto, escolho não perturbar ela pelo resto do dia.

Acredito que a minha escolha de palavras de boas vindas não foram as melhores, não sabia muito o que dizer então falei algo de sempre. Erro bobo meu, espero que ela fique bem logo ao decorrer do mês, deve estar passando por pensamentos horríveis esses dias. Eu deveria ser mais prestativa quanto a isso.

Ao decorrer dos dias tento fazer o máximo para agradá-la e tirar alguns sorrisos de seu rosto. O clima em casa estava pesado e até um pouco sombrio, quase ninguém conversava entre si. Minha família estava tão deprimida e eu nem sabia o que fazer direito sobre isso. Ser uma boa filha não estava ajudando e logo percebi que o que minha mãe precisava não era de uma filha boa e que faz coisas úteis, mas também não sirvo para dar apoio emocional com adultos. 

Ao decorrer do tempo as coisas começaram a ficar cada vez mais depressivas, e até algumas brigas começaram a ocorrer bastante. Já fazia um tempo que eu não a via com essa raiva e estresse facilmente, as discussões entre ela e o meu pai não foram tão importantes, porém já dava para perceber que ela saia cada vez mais desanimada.

Outras coisas também mudaram, alguns hábitos de sair de casa não existiam mais e aos poucos algo me fazia eu mesma me sentir culpada por não conseguir animá-la. Um lamento que eu não consigo sentir e não sei ajudar, sou apenas uma observadora de desgraça e melancolia desde o dia do funeral da minha avó. Este fato fica cada vez mais sufocante só de pensar nele.

Desde que ela voltou para casa o dia que passei na igreja vendo as pessoas chorando e vendo o corpo da defunta não saia da minha cabeça, e a entonação do grito que a tia Charlotte soltou no meio da igreja também me trazia um breve desconforto e agonia por eu ser a única que está sendo afetada de outra forma. 

Eu não ligo para a morte da minha avó, mas ver todo mundo nessa tristeza me incomodava de uma forma surreal. Estou torcendo para tudo melhorar com o decorrer dos meses, eu não aguento mais tudo isso que me faz me sentir insensível e alguém aparentemente sem coração que não consegue sentir nada realmente forte.

Meu pai também não ajudava muito minha mãe na sua melhora, ele continua saindo para beber e nos deixando sozinhas em casa. Atraía mais problema e não movia nenhum dedo para ajudar e eu odeio quando ele faz isso, talvez eu esteja puxando essa falta de empatia dele e seja de sangue.

Eu queria muito que ele tivesse o mínimo de consideração, também quero falar com alguém sobre todos estes meus pensamentos. Mas acredito que nenhum dos dois vão me escutar ou estar dispostos a falar algo sobre o assunto. Talvez ninguém me entenda. Vou continuar guardando tudo isso para mim, no final são apenas dúvidas fúteis que não vão agregar nada na minha vida. 

Além disso é apenas a segunda semana, logo logo vai tudo ficar mais calmo e esse clima depressivo vai embora. Nada dura para sempre, vou apenas aceitar que eles dois estão quebrados de alguma forma, mesmo que não seja pela mesma coisa, é desconforto em conjunto que agora está me fazendo odiar ficar em casa.

Fico deitada em cima da cama olhando para o teto, será que só por aqui está desse jeito? Como será que as coisas andam pela casa da tia Charlotte? Será que Mariana e Sara estão bem? Eu deveria mandar mensagem para uma delas e saber como as coisas andam, talvez eu até possa falar algo com a Sara.

Pego meu celular e mando mensagem para Sara e aguardo ansiosamente por alguma resposta, em um troca de olhares com a tela e o teto. Espero cinco minutos e não tenho nenhuma resposta, talvez ela esteja ocupada ou dormindo. Enquanto estava quase indo dormir escuto o barulho de notificação. 

"Boa noite! As coisas andam meio complicadas por aqui, nada demais."

Não sei o que definiria "complicadas" para ela, mas deve ser longe do que esteja acontecendo aqui.

" Entendi, aqui as coisas também andam difíceis. Mamãe anda triste." 

" Todos estão. Foi um choque e tanto, mas fica tranquila, jajá tudo melhora." 

Não queria mais continuar a conversa, me despeço dizendo que iria dormir e guardo o meu celular, continuo olhando para o teto sem graça novamente. Será que tudo vai realmente melhorar com o passar do tempo? As coisas só andam se intensificando, quem dera se eu pudesse ver o futuro ou conseguisse melhorar tudo em um estalar de dedos seria tão magnífico. 

Com o passar dos meses as coisas pareciam que iriam se acalmar, não estava mais percebendo nada de diferente. Algumas mudanças de comportamento da minha mãe e do meu pai haviam ficado permanentes. Mas eu já havia me acostumado e pelo menos isso não me afetava mais e eu continuava a passar pela minha rotina chata e entediante até a chegada das férias onde eu iria passar a casa da tia Charlotte no interior junto da minha prima. 

Finalmente eu fico livre da escola e posso viajar para ficar passeando pelo interior com as minhas duas primas, estava tão ansiosa para ficar fora de casa por uma semana que ela começou a se passar tão rapidamente. Tudo estava indo tão bem até Sara abrir o guarda-roupa do quarto e se deparar com um livro com o título descrito "Vó, por favor, me conta sua história?".

Não estava ligando muito para isso e saio do quarto para buscar alguma coisa para nós comermos, porém, quando volto me deparo com a Sara lendo o livro e com o seu rosto encharcado de lágrimas e chorando silenciosamente tentando não soluçar. Ninguém da casa estava escutando ela chorar, apenas eu, que estava vendo sabia disso. Me aproximo lentamente até ela e olho o conteúdo que estava no objeto.

Estava mais para um caderno, havia alguns textos já prontos e outros que aparentemente a tia Charlotte estava escrevendo. Mas pelo visto o não continuou escrevendo nada sobre, já que ele parecia totalmente largado e estava até um pouco empoeirado. Sara continua chorando, mas logo aponta para uma das páginas e diz: 

— Ela nem terminou… Queria saber um pouco sobre a história da vovó.

Fico calada sem nem tentar dizer nada, não tinha o que se dizer. Nesses assuntos eu não sei o que afirmar, questionar ou ajudar, então apenas aceno com a cabeça e continuo olhando para a garota. Estava tudo bem até ela achar essa desgraça de livro, já estava esgotada de tanto aturar pessoas abatidas o tempo todo. Literalmente se faz quase meio ano desde que aquela velha morreu e todos andam demorando tanto assim para superar apenas um falecimento, o mundo ainda não acabou.

Alguns segundos se passam e eu percebo as atrocidades que eu estou pensando naquele momento, sou tão antipática assim? Querer isso é tão rude, deveria continuar a deixar os outros lidarem com isso da forma que acharem melhor. Mas essa demora toda me irrita já, não é da minha conta, mas eu tenho que aturar cada coisa que acaba me afetando. 

Sara fecha o seu livro e o põe no lugar, enxuga suas lágrimas e se deita na cama ao meu lado, apenas paro de encarar ela e estendo a minha mão para pegar o controle da televisão. E assim o dia feliz se finaliza e as minhas dúvidas que haviam sumido a meses voltam a fincar na minha mente, eu ainda quero tanto falar com alguém sobre isso. Não consigo mais guardar esses sentimentos, preciso de opinião de terceiros, mas quem me ajudaria? 

A semana no interior acaba e eu não havia esquecido do ocorrido lá com minha prima. Estava totalmente disposta a falar com alguém quando chegasse em casa e descansasse, eu tinha decidido as pessoas perfeitas para conversar sobre isso. Katherine, minha melhor amiga, acredito que estou melhor e que preciso de outra opinião.

Mais uma semana se passa e finalmente chamo a Katherine passar uma tarde dentro de casa, meus pais iriam passar o dia fora. Então além de horas de diversão eu poderia pedir ajuda para ela no meio de algumas de nossas conversas, apenas precisava esperar o momento perfeito para puxar o assunto de forma natural.

Acredito que agora aquilo me preocupava e que eu queria respostas rápidas, a ansiedade me dominava e eu não conseguia ficar quieta nem por um minuto sequer. Queria que qualquer brecha seria um momento perfeito, parecia tortura me segurar para não ir direto a um assunto, até que não conseguia mais esconder e Katherine tinha percebido meu jeito estranho.

— Tudo bem com você, Ísis? Me parece tão estranha… O que te incomoda? 

Ela põe a mão nos meus ombros e olha no fundo dos meus olhos, dou um suspiro e devolvo com o mesmo olhar, mas meu rosto aparentemente não queria expressar algo além de ansiedade, as palavras corretas não consegue sair da minha boca e eu gaguejo um pouco antes de falar: 

— Vo..você me acha antip..p..pática? 

— Não entendi.

 Me recomponho e coloco meus pensamentos em ordem para não parecer uma idiota tentando falar algo simples.

— Perguntei se você me acha antipática, Katherine.

— Claro que você não é antipática. Que pergunta é essa? 

Foi toda essa ansiedade chata que não me deixou reformular o que eu queria dizer. Agora eu tinha que resumir tudo de forma mais clara, que saco. 

— Lembra que a minha avó morreu no começo do ano? Eu te disse no dia que recebi a notícia. 

— Lembro sim, o que tem ela?

— Não é ela. Bem, ela tem um pouco a ver, mas não diretamente. É mais pra falar sobre como foi lá, eu tenho algumas coisas que preciso falar com alguém.

Puxo uma cadeira para ela se sentar e logo depois puxou outra cadeira e me sento, ainda metendo o contato visual. Katherine demonstra desconforto breve e desvia o olhar.

— Estou aqui para te escutar. Pode me contar tudo! 

— Sei que o assunto não é da sua conta… Mas eu realmente preciso falar com alguém sobre isso. — Coloco a mão na minha testa e inclino minha cabeça quebrando o contato visual, agora com uma expressão de cansaço. — Não consegui sentir nenhuma tristeza no funeral dela. Sei que é normal para alguém que não conviveu a vida toda com ela, mas alguns pensamentos horríveis andaram passando pela minha mente. 

— Que pensamento? — Ela olha com uma expressão de preocupação para mim.

— De primeira eu tentava acolher os outros mesmo sem sentir nada, mas os problemas dos outros com isso ficam me afetando como se eu ligasse para ela e para sua morte. Querendo ser sincera, eu não ligo! Nunca liguei e agora estou de saco cheio. — Tiro a mão do meu rosto e bato com ela na mesa, logo depois abaixo a minha cabeça olhando para o chão. — Todos mudaram, já me acostumei com algumas coisas. Mas o fato de ninguém superar me deixa tão enfurecida ainda… E levando em conta a falta de sentimentos que tive antes me deixou algumas reflexões. 

Levanto o meu rosto e deparo com Katherine claramente desconfortável ao escutar as minhas palavras, apenas calo a minha boca e volto a olhar para o chão. A reação dela foi totalmente fora do meu esperado, queria ser um pouco acolhida também naquele exato momento.

— Você não aguenta mais ver as pessoas sofrendo? É isso? 

— Isso. Me incomoda drasticamente essa melancolia que não vai levar a lugar nenhum. Acho até inútil ficar chorando de cabeça baixa por causa disso, antes eu apenas aturava. Agora não consigo mais nem observar. 

— Ah Ísis… Talvez esse seja o seu jeito de lidar com o luto, talvez? Não sei muito como responder isso… Está bem confuso de digerir suas palavras. 

— Acho que isso está longe de ser uma forma de lidar com a morte da minha avó, eu realmente não sinto nada sobre isso além de um incômodo enorme. Agora quero que você me responda, isso me faz desagradável? 

 Levanto o meu rosto e fico encarando-a, Katherine fica desviando os olhos para qualquer canto da sala enquanto um silêncio constrangedor e agonizante fica por longos minutos. Ela estava reflexiva sobre o que responder para mim, isso me incomodava. Começo a bater meus pés no chão esperando por uma resposta, depois fico de braços cruzados com as minhas unhas fincando e arranhando minha pele. A garota já sabia da minha forma de reagir com a minha forma de reagir com a irritação e estava na cara que isso a incomodava mais ainda para me responder. 

— Eu sei que é fácil de responder. Pode ser sincera, eu preciso de alguma opinião sobre isso.

— Não quero te magoar, Ísis.

— Você não vai me magoar, acredite.

— Bem… Eu pensei muito nas suas palavras e curtos resumos que fez agora sobre o que sentia, e eu achei bastante rude e desagradável… Me parece uma falta de empatia pelo próximo. Não sei muito o que anda acontecendo, peço para qu…

Ela para de falar e começa a me encarar, eu não estava tão surpresa. Meus pensamentos estavam corretos, quando estava prestes a responder algo ela me corta antes mesmo de conseguir falar.

— Mas você sempre foi assim… Nunca se importou com os outros mesmo. 

Isso me surpreendeu. Nunca me vi como alguém que não se importava com os outros até o velório da minha avó, não me lembrava de situações parecidas que eu tratei alguém ou pensei. Uma expressão de surpresa e reflexiva fica no meu rosto, e uma multidão de pensamentos começa a passar pela minha cabeça e as palavras de Katherine começam a ecoar pela minha mente.

— Se você quiser… Eu posso parar de falar.

Chacoalho a minha cabeça e volto a prestar atenção na minha amiga.

— Não. Eu realmente preciso ouvir a realidade vista pelos olhos de outra pessoa.

— Não é uma realidade para mim, apenas a minha opinião. Por favor, não confie no que eu estou dizendo, apenas estou julgando a partir do que me contou. 

— E não há nada de errado com isso, prossiga. 

O clima estava pesado e desagradável para mim e para ela. Como se todos aqueles olhos de antes estivessem bem perto me encarando a todo momento, mas como eu mesma tinha começado com esse assunto queria ir com ele até o fim, sem deixar qualquer lacuna aberta. Queria saber totalmente a opinião de alguém sobre isso, no final eu vou acabar esquecendo e seguindo a vida normalmente.

— No geral… Você sempre foi rude dessa forma, não fico tão surpresa em saber que não sentiu nada lá. Não tenho mais o que dizer.

— Certo… Agradeço pela sua ajuda. 

— Ajuda..?

— Sim, isso me ajudou. — Levanto a minha cabeça e fico com um pequeno sorriso falso no rosto. 

O assunto se finaliza por aí e ficamos com o clima pesado até a hora que Katherine foi embora, não me arrependo de ter começado e de ter talvez ter estragado um "dia feliz". Consegui o que queria e agora posso ficar mais serena e esquecer de tudo como sempre fiz, foi como um alívio enorme naquele momento.

Pelo menos foi isso que eu pensei até algumas horas depois quando estava prestes a dormir os mesmos pensamentos começarem a aparecer na minha mente e me perturbar, era como se Katherine estivesse dizendo cada palavra para mim. Um sentimento de culpa e desconforto sobre ações que eu nunca fiz começa a me fazer sentir uma aflição. Era como se pequenos seres ficassem me encarando enquanto eu estava deitada, me sussurravam coisas e me afirmavam com as mesmas palavras várias e várias vezes.

Não consigo dormir direito por várias noites, o que eu achava que iria me ajudar acabou piorando minha situação de forma drástica, estava com vontade de ficar no quarto e não falar com ninguém. Aquilo havia me quebrado de uma forma que eu não tinha notado, minha ansiedade só aumentava e era tudo por minha culpa? Tudo culpa da minha antipatia?

A opinião dela foi parecida com a minha que eu tive ao decorrer dos meses, mas eu estava com dúvida se as mesmas frases que se refletiam na minha mente continuavam sendo as mesmas mas se distorciam, já estava me sentindo enjoada e com um mal estar enorme. Como se a minha opinião de antes tivesse mudado completamente e isso me fizesse sentir uma sensação cada vez pior. O que foi eu que pensei? O que foi que ela disse? Por que isso me incomoda tanto? Só porque foi ela que disse? 

Enfio o travesseiro na minha cara e solto um "grito" que fica abafado, queria fazer um escândalo enorme. Estava sentindo uma angústia que me deixava tão inquieta. Como se a ficha caindo fosse a pior coisa da minha vida naquele momento, achava que estava ficando maluca. Minha respiração começava a ficar cada vez mais lenta e os pensamentos continuavam a ficar mais altos, os sussurros pioram, era como se eu estivesse sendo quebrada em pequenos pedaços como cacos de vidros. 

As perguntas em minha mente continuavam, o que realmente seriam as minhas opiniões sobre tudo isso. Eu realmente deveria acreditar no que Katherine disse? Mesmo que concorde com tudo que eu tenha questionado nestes meses e que só pioraram, o meu desconforto aumenta drasticamente. Não sei mais de nada, não sei o que fazer e não sei o que é "meu" e o que é apenas alguma fantasia da minha mente depois de tanto refletir sobre o mesmo assunto. Como aquilo poderia me afetar só agora? Como?