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A Crônica do Contador de Histórias

Após uma vida de poucas conquistas e repleta de arrependimentos, Vanitas recebe uma segunda chance ao reencarnar como um bebê em um mundo onde magia e espadas fazem parte do cotidiano. Determinado a deixar seu passado para trás, ele abraça essa nova chance, vivendo com uma trupe itinerante de artistas da corte. Entre apresentações e jornadas por novas terras, Vanitas aprimora seu talento nato para o alaúde, mas é na magia que seu verdadeiro poder desperta. Sob a tutela da poderosa Arcanista Marceline, ele mergulha nos segredos da simpatia, a arte mágica que, desde o início, acendeu seu desejo de invocar o vento. No entanto, o destino de Vanitas toma um rumo inesperado quando cruza caminho com o enigmático grupo Sombraim, cujos segredos ocultos trazem à tona verdades sombrias sobre o mundo e sobre sua própria reencarnação. Em busca de respostas, Vanitas parte em uma jornada por terras desconhecidas, onde cada nova descoberta o arrasta ainda mais profundamente para os segredos esquecidos da história. Ao longo do caminho ele encontra aliados improváveis, constrói amizades inquebráveis e se apaixona... mas o que realmente aguarda em seu destino é algo que supera tudo isso. Com a chance de mudar o mundo em suas mãos, Vanitas precisa decidir entre seguir o caminho das revelações ou se perder nos laços do amor e da amizade. O peso dessa escolha pode mudar para sempre o curso de sua vida — e a de todos ao seu redor.

porep · Fantaisie
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88 Chs

XLVIII. CURIOSIDADE

Ao adentrar o Arquivo, meus olhos foram surpreendidos por uma jovem sentada atrás da escrivaninha. Ela exalava uma beleza singular, com cabelos negros e olhos claros que pareciam brilhar à luz. Um contraste gritante em relação a Drazno, sem dúvida.

Quando me aproximei, ela me ofereceu um sorriso suave.

— Qual é o seu nome? — perguntou ela, a voz gentil.

— Vanitas — respondi. — Filho de Meridan.

Ela assentiu levemente e começou a folhear um grosso registro.

— E o seu? — indaguei, quebrando o silêncio que se instalava no ar.

— Faela — respondeu, sem sequer levantar os olhos. Após uma breve pausa, ela meneou a cabeça e, com um tapinha no registro, acrescentou: — Aqui está você, pode entrar.

Duas portas duplas se erguiam diante de mim: uma marcada como ACERVO e a outra como TOMOS. Sem conhecer a diferença, caminhei em direção àquela que dizia ACERVO. O que eu ansiava era simples: livros, uma infinidade deles. Prateleiras e prateleiras sem fim, montanhas de sabedoria esperando serem descobertas.

Já estava com a mão na maçaneta quando a voz de Faela me deteve:

— Espere. É sua primeira vez aqui, não é?

Assenti, sem soltar a maçaneta. Estava tão próximo... O que viria agora?

— O Acervo é reservado apenas aos integrantes do Arcano — explicou ela com um toque de tristeza. Então, contornando a escrivaninha, dirigiu-se à outra porta. — Venha, deixe-me mostrar.

Com relutância, soltei a maçaneta e a segui. Faela, com esforço gracioso, abriu uma das pesadas portas de madeira, revelando uma sala ampla e bem iluminada, com mesas longas espalhadas e estudantes silenciosamente imersos em seus livros. A luz suave de incontáveis candeeiros de simpatia preenchia o ambiente.

Inclinando-se para mim, Faela sussurrou:

— Este é o salão principal de leitura. Aqui estão os volumes necessários para as aulas mais elementares.

Ela manteve a porta aberta com o pé, apontando para uma seção de estantes ao longo de uma parede. Havia talvez trezentos ou quatrocentos livros ali, mais do que eu jamais vira reunidos em um único lugar.

— É um espaço de silêncio absoluto. Nenhuma palavra acima de um sussurro — alertou. A quietude que reinava no salão era quase sobrenatural, como se o próprio ar respeitasse o ambiente. — Se você precisar de algo que não está aqui, pode solicitar ali naquela escrivaninha — ela apontou discretamente — e traremos para você.

Virei-me para fazer uma pergunta, mas, ao perceber o quão próxima Faela estava, senti meu coração disparar por um breve segundo. Mesmo com toda a minha fascinação pelo Arquivo, era impossível ignorar sua presença, a menos de quinze centímetros de mim.

— Quanto tempo geralmente levam para encontrar um livro? — perguntei, tentando manter o foco.

— Depende — respondeu ela, jogando o cabelo negro para trás do ombro com uma leveza que quase fez meu braço estremecer ao sentir o toque dos fios. — Às vezes estamos mais atarefados, e há quem encontre os livros com mais facilidade... — Ela deu de ombros, um movimento que fez o cabelo deslizar de volta, roçando-me de novo. — Mas normalmente não demora mais do que uma hora.

Dei um suspiro de leve frustração por não poder explorar todo o Arquivo, mas, mesmo assim, sentia uma empolgação indescritível apenas por estar ali. Afinal, meio caminho é sempre melhor que nenhum.

— Obrigado, Faela — murmurei, entrando enquanto a porta se fechava atrás de mim.

Minutos depois, ela retornou, aproximando-se em um sussurro quase cúmplice.

— Só mais uma coisa — começou, sua expressão séria. — É sua primeira vez aqui, então, só para garantir... — Ela fez uma pausa significativa. — Nenhum livro pode sair desta sala. Nada sai do Arquivo.

— Claro. Entendido — concordei prontamente, embora fosse uma novidade para mim.

Faela sorriu com suavidade, assentindo.

— Tivemos um incidente há uns dois anos, um jovem tentou levar um livro do Arquivo como se fosse a biblioteca particular de seu pai... Nunca vi Loran tão furioso.

Tentei imaginar o austero Mestre Loran enfurecido, mas a ideia parecia tão distante que era quase cômica.

— Obrigado pelo aviso.

Com um leve aceno, Faela voltou à antessala, e eu me aproximei da escrivaninha onde podia fazer pedidos de livros. Lá, o escriba me mostrou um grosso livro de registro, repleto de requisições de estudantes, variando entre pedidos de obras específicas e pedidos de informação mais geral.

Uma das anotações me chamou a atenção: "Basil — calendário lunar ylliano. História do calendário aturiano." Corri os olhos pela sala e vi o menino da aula de Hilme debruçado sobre um livro, tomando notas.

Escrevi: "Vanitas — História do Sombraim. Descrições do Sombraim e seus sinais: olhos negros, chama escura, etc."

Depois disso, fui até as prateleiras e comecei a examinar os livros. Reconheci um ou dois de meus estudos com Marcy. Os únicos sons da sala eram o arranhar ocasional de uma pena no papel ou o vago ruído de asa de pássaro quando uma página era virada. Em vez de perturbador, achei aquele silêncio estranhamente reconfortante. Mais tarde viria a descobrir que o lugar tinha o apelido de "Túmulos", por causa de seu silêncio de cripta.

Acabei tendo a atenção despertada por um livro intitulado "Hábitos de acasalamento do Dracus comum" e o levei para uma das mesas de leitura. Peguei-o porque tinha um dragão muito elegante gravado na capa, mas, quando comecei a ler, descobri que era uma investigação erudita de vários mitos populares.

Estava a meio caminho do artigo que levava o nome do livro, o qual explicava que, muito provavelmente, o mito do dragão evoluíra a partir do Dracus — uma espécie de lagarto corriqueiro —, quando um escriba apareceu junto a meu cotovelo.

— Vanitas? — perguntou. Fiz que sim e ele me entregou um livrinho de capa de tecido azul.

Ao abri-lo, tive uma decepção imediata. Era uma coleção de contos de fadas. Folheei-o na esperança de achar alguma coisa útil, mas era repleto de aventuras água-com-açúcar feitas para divertir crianças. Você conhece o tipo: órfãos valentes enganam o Sombraim, ficam ricos, casam-se com princesas e vivem felizes para sempre.

Dei um suspiro e fechei o livro. Em parte, esperava por aquilo. Até os membros do Sombraim matarem minha família, eu também havia achado que não passavam de histórias infantis. Aquele tipo de busca não me levaria à lugar algum.

Depois de me dirigir à escrivaninha, pensei bem antes de escrever uma nova linha no livro de requisições: "Vanitas — História da Ordem dos Mayr. Origens dos Mayr. Práticas dos Mayr."

Cheguei ao fim da linha e, em vez de começar outra, parei e olhei para o escriba:

— Na verdade, aceitarei qualquer coisa sobre os Mayr.

— Estamos meio ocupados agora — disse ele, gesticulando para a sala. Uns outros 10 estudantes haviam entrado aos poucos desde a minha chegada. — Mas lhe traremos alguma coisa assim que for possível.

Voltei para a mesa e tornei a folhear o livro infantil, antes de abandoná-lo para continuar o livro sobre lagartos. A espera foi muita mais longa dessa vez, e eu estava aprendendo sobre a estranha hibernação de verão dos malakianos quando senti um leve toque no ombro. Virei-me, esperando ver um escriba com os braços carregados de livros, ou talvez Basil vindo me cumprimentar. Levei um susto ao ver Mestre Loran avultando à minha frente, com sua negra toga professoral.

— Venha — disse baixinho, com um gesto para que eu o seguisse.

Sem saber qual seria o assunto, saí do salão de leitura atrás dele. Passamos por trás da escrivaninha do escriba e descemos um lance de escada até uma salinha sem maior destaque, com uma mesa e duas cadeiras.

O Arquivo era repleto de salinhas dessa natureza, refúgios de leitura criados para dar aos membros do Arcano um lugar em que se sentassem com privacidade para estudar.

Loran pôs na mesa o livro de requisições do setor de Tomos.

— Reparei no seu pedido enquanto ajudava um dos escribas mais novos em seus deveres — disse-me. — Você está interessado no Sombraim e nos Mayr?

Assenti com a cabeça.

— Isso diz respeito a algum trabalho pedido por um de seus instrutores?

Por um momento pensei em lhe contar a verdade. Em dizer o que havia acontecido com meus pais. Em falar da história que ouvira em Notrean.

Mas a reação de Monet à minha menção ao Sombraim me mostrara o quanto isso seria tolo. Até ver o Sombraim, eu mesmo não acreditara nele. Se alguém me dissesse tê-lo visto, eu acharia que era maluco.

Na melhor das hipóteses, Loran me tomaria por delirante; na pior, por uma criança boba. Tive súbita e aguda consciência de estar numa das pedras angulares da civilização, falando com o Arquivista-Mor da Academia.

Isso me deu uma nova perspectiva das coisas. De repente, as histórias de um velho numa taberna das Docas pareceram-me muito longínquas e insignificantes.

Abanei a cabeça.

— Não, senhor. É apenas para satisfazer minha curiosidade.

— Tenho grande respeito pela curiosidade — afirmou Loran, sem nenhuma inflexão especial na voz. — Talvez eu possa satisfazer um pouco a sua. Os Mayr eram parte da Igreja, na época em que o Império de Aturia ainda era forte. Seu credo era Ivar Enima Edgel, o que se traduz aproximadamente por "pelo bem maior". Eles eram uma mescla em proporções iguais de cavaleiros andantes e vingadores. Tinham poderes judiciários e podiam funcionar como juízes em tribunais religiosos e laicos. Todos eles, em graus variáveis, eram dispensados do cumprimento da lei.

Eu já sabia de quase tudo isso.

— Mas de onde eles vieram? — perguntei.

Foi o mais perto que me atrevi a chegar de uma referência à história de Cherryl.

— Eles evoluíram a partir dos juízes itinerantes — disse Loran. — Homens que iam de cidade em cidade levando as normas legais aos vilarejos de Aturia.

— Então eram originários de Aturia?

Loran fitou-me.

— De onde mais seriam?

Não consegui dizer-lhe a verdade: dizer que, por causa da história de um velho, eu desconfiava que os Mayr tinham raízes muito mais antigas do que o Império Aturense. E esperava que ainda existissem em algum lugar do mundo.

Loran entendeu meu silêncio como uma resposta e disse, em tom gentil:

— Um conselho: os Mayr são personagens dramáticos. Quando pequenos, todos fingimos ser Mayr e travar batalhas com espadas de faz-de-conta, feitas de galhos de salgueiro. É natural os meninos se sentirem atraídos por essas histórias — comentou, e me fitou nos olhos. — Mas um homem, um arcanista, deve concentrar-se no presente. Deve atentar para as coisas práticas.

Reteve meu olhar e prosseguiu:

— Você é jovem. Muitos o julgarão exclusivamente com base nisso — comentou. Respirei fundo, mas ele ergueu a mão. — Não o estou acusando de se entregar a fantasias infantis. Estou recomendando que evite a aparência de fantasias infantis. — E me deu um olhar imparcial, com o rosto sereno como sempre.

Pensei em como Drazno havia me tratado e assenti com a cabeça, sentindo o rubor colorir minhas faces.

Loran pegou uma pena e riscou uma série de traços em minha única linha anotada no livro de requisições.

— Tenho enorme respeito pela curiosidade — repetiu. — Mas outros não pensam como eu. E eu não gostaria de ver o seu primeiro período letivo desnecessariamente complicado por coisas desse tipo. Imagino que a situação já lhe será bastante difícil sem essa preocupação adicional.

Curvei a cabeça, com a sensação de tê-lo desapontado de algum modo.

— Compreendo. Obrigado, senhor.