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A Crônica do Contador de Histórias

Após uma vida de poucas conquistas e repleta de arrependimentos, Vanitas recebe uma segunda chance ao reencarnar como um bebê em um mundo onde magia e espadas fazem parte do cotidiano. Determinado a deixar seu passado para trás, ele abraça essa nova chance, vivendo com uma trupe itinerante de artistas da corte. Entre apresentações e jornadas por novas terras, Vanitas aprimora seu talento nato para o alaúde, mas é na magia que seu verdadeiro poder desperta. Sob a tutela da poderosa Arcanista Marceline, ele mergulha nos segredos da simpatia, a arte mágica que, desde o início, acendeu seu desejo de invocar o vento. No entanto, o destino de Vanitas toma um rumo inesperado quando cruza caminho com o enigmático grupo Sombraim, cujos segredos ocultos trazem à tona verdades sombrias sobre o mundo e sobre sua própria reencarnação. Em busca de respostas, Vanitas parte em uma jornada por terras desconhecidas, onde cada nova descoberta o arrasta ainda mais profundamente para os segredos esquecidos da história. Ao longo do caminho ele encontra aliados improváveis, constrói amizades inquebráveis e se apaixona... mas o que realmente aguarda em seu destino é algo que supera tudo isso. Com a chance de mudar o mundo em suas mãos, Vanitas precisa decidir entre seguir o caminho das revelações ou se perder nos laços do amor e da amizade. O peso dessa escolha pode mudar para sempre o curso de sua vida — e a de todos ao seu redor.

porep · Fantaisie
Pas assez d’évaluations
108 Chs

XCV. HERÓI

Quando acordei, a primeira coisa que me veio à cabeça não foi o que você poderia esperar. Mas, por outro lado, talvez não seja uma surpresa tão grande assim, se um dia você já foi jovem.

— Que horas são? — perguntei, aflito.

— Primeiro sino depois do meio-dia — respondeu uma voz feminina. — Não tente levantar-se.

Tornei a desabar na cama. Devia ter me encontrado com Alys na Foles uma hora antes.

Desolado e com um bolo no estômago, procurei me situar. O cheiro característico de antisséptico me informou que eu estava em algum lugar da látrica. A cama também foi reveladora: confortável o bastante para se dormir, mas não tão cômoda a ponto de se querer permanecer nela.

Virei a cabeça e vi um par conhecido de notáveis olhos verdes, emoldurados por uma cabeleira loura e curta.

— Ah! — exclamei, relaxando no travesseiro. — Oi, Mila.

Ela estava parada junto a um dos balcões altos que ladeavam as extremidades do cômodo. As clássicas cores escuras usadas pelo pessoal que trabalhava na látrica faziam sua pele clara parecer ainda mais pálida.

— Olá, Vanitas — respondeu, continuando a escrever sua papeleta de tratamento.

— Ouvi dizer que você finalmente foi promovida a A'vór — comentei. — Parabéns. Todos sabem que já o merecia há muito tempo.

Ela levantou a cabeça, curvando os lábios pálidos num sorrisinho.

— O calor não parece ter prejudicado a gentileza que mora em sua língua — comentou, baixando a pena. — E como está o resto de você?

— Minhas pernas vão bem, mas dormentes, donde presumo que eu tenha me queimado, mas você já fez alguma coisa a esse respeito — respondi.

Levantei o lençol, dei uma olhada por baixo e tornei a prendê-lo cuidadosamente no mesmo lugar.

— Também pareço me encontrar num estado avançado de nudismo — comentei. Então fui tomado por um pânico momentâneo: — A Faela está bem?

Mila fez que sim, com ar sério, e chegou mais perto, parando ao lado da cama.

— Tem um ou dois hematomas por causa da hora em que você a deixou cair, e está um pouquinho chamuscada nos tornozelos. Mas se saiu melhor do que você.

— E como vão todos os outros na Ficiaria?

— Surpreendentemente bem, se considerarmos tudo. Algumas queimaduras causadas pelo calor ou por ácidos. Um caso de envenenamento por metal, mas sem gravidade. A fumaça parece ser o grande criador de problemas nos incêndios, mas o que quer que tenha queimado por lá não parece ter desprendido nenhuma fumaça.

— Exalava uma espécie de vapor de amônia — comentei. Respirei fundo algumas vezes, para experimentar, e disse, aliviado: — Mas não pareço ter queimado os pulmões. Só respirei umas três vezes antes de desmaiar.

Ouvi uma batida na porta e apareceu a cabeça de Leif:

— Você não está nu, está?

— Quase. Mas as partes perigosas estão cobertas.

Alastor entrou atrás dele, com ar visivelmente constrangido:

— Você já não está nem de longe rosado como estava — disse-me. — Acho que isso deve ser bom sinal.

— As pernas dele vão doer por algum tempo, mas não há nenhuma lesão permanente — disse Mila.

— Eu trouxe uma roupa limpa — informou Leif, animado. — As que você estava usando ficaram destruídas.

— Espero que você tenha escolhido alguma coisa adequada no meu vasto guarda-roupa — comentei, para esconder o embaraço.

Leif descartou minha observação com um dar de ombros.

— Você apareceu sem sapatos, mas não consegui encontrar outro par no seu quarto.

— Não tenho outro par — retruquei, pegando a trouxa com a roupa. — Não faz mal. Já andei muito descalço.

Saí da minha pequena aventura sem nenhum dano permanente. Entretanto, não havia uma parte de mim que não doesse. Eu tinha queimaduras nas mãos e no pescoço, pela rápida exposição ao calor intenso, e leves queimaduras de ácido na parte inferior das pernas, por ser chapinhado pela névoa de fogo.

Apesar disso tudo, capenguei pelos longos 5 quilômetros do trajeto até Torrente, esperando sem muita convicção ainda encontrar Alys à minha espera.

Droch me perscrutou com ar especulativo quando atravessei a praça para entrar na Foles. Olhou-me de cima a baixo de um jeito analítico.

— Caramba, menino! Você parece ter caído de um cavalo. Onde estão seus sapatos?

— Bom-dia para você também — respondi em tom sarcástico.

— Boa-tarde — corrigiu ele, dando uma olhada significativa para o sol. Eu já ia seguindo adiante, mas Droch levantou a mão para me deter. — Receio que ela já tenha ido embora.

— Deus... porcaria de maldição — exclamei, arriando os ombros, cansado demais para maldizer adequadamente minha sorte.

Droch me fez uma careta solidária.

— Ela perguntou por você — disse, em tom consolador. — E também esperou um bom tempo, quase uma hora. Foi o máximo que já a vi ficar sentada quieta.

— Ela saiu com alguém?

Droch baixou os olhos para as mãos, que brincavam com um lumen de cobre, girando-o para lá e para cá nos nós dos dedos.

— Ela não é mesmo o tipo de garota que passe muito tempo sozinha... — disse, lançando um olhar simpático. — Dispensou alguns, mas acabou saindo com um sujeito. Acho que não estava realmente com ele, se você entende o que quero dizer. Ela anda procurando um mecenas, e esse sujeito tinha aquele tipo de aparência. Velho, rico, você conhece o tipo.

Suspirei.

— Se por acaso você a vir, será que pode lhe dizer... — Parei, tentando pensar em como poderia descrever o que havia acontecido. — Pode fazer com que "detido de maneira inevitável" soe um pouco mais poético?

— Acho que sim. Também descreverei para ela a sua aparência envergonhada e descalça. Vou preparar solidamente o terreno para você rastejar um pouco.

Sorri, a despeito de mim mesmo.

— Obrigado.

— Posso lhe oferecer uma bebida? É meio cedo para mim, mas posso abrir uma exceção para um amigo.

Balancei a cabeça.

— Preciso voltar. Tenho coisas para fazer.

Capenguei de volta para a Grilo e encontrei o salão repleto de gente agitada, falando do incêndio na Ficiaria. Sem querer responder a perguntas, encolhi-me num ponto afastado e pedi a uma das criadas que me trouxesse uma tigela de sopa e um pouco de pão.

Enquanto comia, meus ouvidos apurados de bisbilhoteiro captaram trechos das histórias que as pessoas contavam. Só então, ao ouvi-lo narrado por terceiros, foi que me dei conta do que eu tinha feito.

Estava acostumado a que as pessoas falassem de mim. Como disse, eu vinha construindo ativamente minha reputação. Mas isso era diferente; era real. As pessoas já começavam a enfeitar os detalhes e a confundir algumas partes, porém a essência da história ainda estava lá. Eu salvara Faela, precipitando-me no fogo e carregando-a para um lugar seguro. Exatamente como o Príncipe Encantado de um livro de histórias.

Foi a primeira vez que provei o gosto de ser herói. O sabor me agradou bastante.