— Porque você não desiste?
O Rei simplesmente arqueou uma sobrancelha.
— Não sou eu quem estou andando em círculos pelos últimos quatro dias…
Caron chutou outro livro, parecendo mais irritado a cada segundo. O Rei permanecia sentado calmamente nos destroços que um dia foi sua cama, o seu quarto estava completamente destruído a esse ponto, vítima dos ataques de fúria de Caron.
— Parece que não se importa ao ver os esforços de seu filho serem destruídos!
O Rei deu uma boa olhada a sua volta, desde que foi condenado ao sono eterno, recebeu um único visitante com frequência: seu filho. O responsável por deixar esse quarto o mais aconchegante possível, construindo cada mínimo detalhe, o filho de Rei, cujo o nascimento ele não pode assistir.
Cristais iluminavam o quarto, pendurados por todo o canto, uma cama foi construída grudada à parede de pedra, majestosa e confortável. Havia uma prateleira de livros com os mais diversos assuntos, uma pequena mesa de madeira e uma estante de troféus que seu filho colocava os mais diversos itens.
O último troféu de seu filho? Uma roupa que sua esposa havia feito para o nascimento de sua primeira filha.
Mas agora, tudo não passava de uma lembrança. Assim como os momentos que compartilhou todos os dias, desde que seu herdeiro era pequeno. As conversas longas e nem um pouco cansativas com seu filho já se foram há muitos séculos, e agora até mesmo os livros, a cama, tudo foi dizimado…
Caron roubou seu corpo. Caron roubou suas lembranças. Seu mestre, o Feiticeiro Negro, tentou roubar sua família.
O Rei jamais deixaria que roubassem sua esperança também.
— Vou perguntar uma última vez. — Caron segurou a roupinha de bebê, o último troféu de seu filho e seu maior orgulho. — Onde estão os Artefatos Sagrados dessa caverna?
— Eu não saberia dizer…
Caron rasgou a roupinha sem hesitar, a jogando no chão. Agora não havia nada em seu quarto que pudesse se salvar.
O Rei fez uma pequena prece aos céus, implorando que seu filho o perdoasse por não proteger seus bens preciosos. Não que o Rei pudesse fazer alguma coisa, de qualquer forma.
Era de conhecimento comum que Magia Negra era uma ferramenta puramente terrena. Antes mesmo de se tornar um assunto delicado a cada nova geração, não era de interesse dos Espíritos.
Ainda assim, era no mínimo estranho que justo Caron obtivesse a benção de um dos Espíritos mais antigos e poderosos. Perante isso, não havia muito o que um simples Espírito Mentor pudesse fazer.
O Rei era proibido de atacar Caron, mesmo quando o Espírito que o protegia fechava os olhos para o uso (e abuso) de Magia Negra.
Mas ao invés de gritar e expulsar Caron, — como uma vez já havia feito com David. — o Rei tinha algo para proteger.
O Rei conseguia sentir quando toda vez que entravam e saíam na Caverna Sagrada, então fingia não notar um certo homem perambulando os arredores nos últimos quatro dias, como um pequeno ratinho, e mantinha Caron ocupado com pistas falsas sobre a Armadura De Aled.
O garoto que o Rei estava disposto a passar o título de Heroi era, de certa forma, sua única esperança para sair dessa tortura. E se o Rei tivesse que ver Caron destruir todos os seus pertences para mantê-lo longe, ele o faria sem sequer pensar duas vezes.
Não que fosse muito difícil manter Caron ocupado, até porque, Caron O'Niell, o homem com uma perfeita reputação não estava agindo como o Rei supunha ser o seu comportamento normal.
Caron sempre foi reconhecido e elogiado por sua inteligência, sua frieza em tomar decisões certeiras… como poderia ser este o mesmo homem confuso e cruel a sua frente?
O Rei havia visto Caron ter alterações de humor mais rápido do que qualquer criatura que já conheceu. Indo de euforia ao pensar encontrar uma pista que o levasse a Armadura De Aled, para no mesmo segundo se encher de tristeza ao pensar no Príncipe Dos Feéricos, que o odiava.
Se Caron não tivesse o Feiticeiro Negro como seu mestre, o Rei jamais veria isso como um sinal de alerta. Afinal, a Armadura de Aled era um artefato poderoso nas mãos de um mortal, mas para o Feiticeiro Negro, que conseguia reproduzir o efeito em qualquer outra armadura, era inútil. Então porque seu servo leal estava a sua procura?
Portanto, o Rei desconfiava que o objetivo final do Feiticeiro Negro fosse David Allans e ele não poderia estar mais certo. Porém, por motivos mais sombrios que jamais passaria pela cabeça do Espírito.
— Sinto que está me enganado, Vossa Majestade. E isso… não é muito sábio de sua parte.
— Ora, não é muito difícil. Não percebe que o verdadeiro vilão é este homem que chama de mestre?
Caron ignorou, como uma boa marionete que era.
— O que está escondendo de mim, Vossa Majestade? — Caron deu um passo ameaçador para frente, mas o Rei não recuou, ficando de cara a cara com ele, o que foi um tanto estranho, já que Caron usava o corpo do Rei como um receptáculo para sua alma.
— A Armadura De Aled…
— Chega de falar sobre isso!
— Você mesmo quem perguntou.
Caron deu um passo para o lado, desviando do Rei e indo em direção à porta.
— Mas sei que não vai me dar uma resposta concreta e já cansei de seus joguinhos.
Caron fechou o Rei em seu próprio quarto, que o seguiu rapidamente, mas quando atravessou as grandes portas de pedra, Caron já se encontrava mais longe do que deveria.
— Sei que está acontecendo algo nessa caverna e vou descobrir o que é.
— Não é muito inteligente de sua parte questionar o Espírito Mentor que protege essa caverna.
— Ora, por favor… — Caron debochou. — As vezes esquece de também já estive na maldição do sono eterno.
— Não sei onde quer chegar, Caron…
Caron parou, socando uma parede sem o menor motivo. Ele entrou no cômodo pelo buraco que deixou e fez isso outra vez e mais outra.
— Também conheço essa caverna com a palma da minha mão.
— Não ficou aqui por mais de um ano antes de seu mestre o ajudar.
E o Rei havia esquecido, é claro. Visto como Caron parecia perdido e andava em círculos pelos últimos quatro dias, parecendo perdido, desnorteado e…
Bang! A última parede caiu, e o Rei rapidamente se projetou a sua frente, impedindo seu caminho.
— Receio que não posso deixá-lo continuar.
— Vai ser do jeito difícil, então?
O Rei projetou uma luz incandescente que começou a descascar a pele de Caron e ele simplesmente se desfez na sua frente.
Era um truque de Magia Negra! O Rei se perguntou onde Caron conseguiu aplicar tal truque sem o seu conhecimento, e imediatamente obteve sua resposta, só teve um único lugar onde Caron saiu de vista por um momento, na frente porta de seu quarto.
E então, o Rei se lembrou de suas palavras sobre conhecer o pequeno labirinto que era essa caverna. Fazia sentido dizer isso e sair socando as paredes como se não houvesse amanhã? Não… Caron já tinha um lugar em mente ao dizer aquilo.
O Rei se sentiu frustado por não perceber um truque tão óbvio e saiu como um foguete, tentando chegar a tempo.
No outro lado da Caeverna Sagrada, Caron entrou em um grande cômodo, rodeada por cristais brilhantes e nem um pouco preciosos, usados meramente para a iluminação.
No canto, Mike se debruçava sobre amontoados de papéis, cristais se espalhavam ao seu redor. Desenhava com rapidez e precisão um mapa da caverna, sem a presença de Caron que o encarava com um olhar assassino.