Era um dia de clima ameno, as folhas caíam, o sol brilhava e uma brisa refrescante soprava. Um dia perfeito para Develine, isso se não fosse aquela notícia.
~Você vai se casar com o lorde Eduard.~
Foi assim mesmo, uma afirmação seca. Dalfoy sentou na mesa do café da manhã em família e falou.
~Ma-mas, papai~ a garotinha pensou em protestar.
~Você tem alguma queixa, Develine?~ Dalfoy a encarou com um olhar profundo, despido de sentimentos.
A pequenina abaixou sua cabeça.
~Imaginei~ ele disse sem prestar muita atenção a sua filha, sem encarar os sentimentos que borbulhavam em seus olhinhos.
Quando o homem pensou que havia resolvido, se voltando para a sua xicara de café, ele foi surpreendido pela voz temorosa.
~E-eu não quero me casar com o Eduard~ ela respondeu. ~E-eu gosto do Liam~
Foi a primeira vez que Develine respondeu seu pai. Naquele instante o olhar de Dalfoy só podia ser descrito como uma brasa de ódio. Uma que queimava ameaçadoramente serena. Porém, antes que ele destilasse seu desgosto, uma voz masculina e infantil foi mais rápida.
~Aquele perdedor?!~ Um garoto de cabelos curtos, lisos e loiros, sendo dois anos mais velho que Develine, disparou surpreso. ~Ele nem herdou o poder dos Saliglia. Ele não passa de uma falha~ debochou. ~Pensando bem...~ o garoto riu. ~Ele é igualzinho a você! afirmou.~
~Deve ser por isso.~ Um segundo garoto, de idade próxima, cabelos longos, vermelhos e um ano mais velho que o menino que se adiantou, concordou de maneira antipática. ~O príncipe perdedor que nunca será herdeiro e a princesa perdedora que é um grande problema, formam um belo casal de inúteis~ completou com o seu olhar morto e desinteressado de cada dia.
~Faz total sentido, eles se merecem!~ o garoto de cabelos loiros esbranquiçados disparou, rindo alto.
Dalfoy suspirou desgostoso. Aquela era uma barulheira irritante demais para ele, uma pessoa que adorava comer em silêncio. E percebendo o olhar irritado do pai, os garotos ficaram quietos no mesmo instante.
~Seus irmãos estão certos! O príncipe Liam é apenas um incompetente~ Ele limpou a boca com um guardanapo de pano que tinha seu próprio nome costurado com linhas douradas. ~E apesar de você também ser uma, nada muda o fato de que tem o meu sangue. Então, no mínimo, você deve se casar com um vencedor~ explicou de maneira calma, apesar de um certo ódio sem pudor pairar sobre seu olhar sério.
Develine se encolheu, engolindo em seco.
~Estamos entendidos?~ ele perguntou.
A garotinha de cabelos brancos demorou a balançar sua cabeça positivamente.
Percebendo a dúvida que a menina ainda exibia, Dalfoy revirou os olhos e espantando seu desgosto, forjou um sorriso.
~Minha princesinha. Se fizer isso seu papai lhe considerará muito mais no futuro. Tenha isso em mente~ ele colocou seus cotovelos sobre a mesa e encarou a menina carente de afeto e atenção, fingindo uma ternura que era inexistente em seu coração.
Foi exatamente ali que a obsessão de Develine por Eduard começou.
Desejando mais do que tudo no mundo o carinho do seu pai, ou melhor, algum carinho familiar que fosse, ela tomou uma decisão dolorosa.
~Li-liam, eu vou me casar...~ após alguns segundos ruminando aquelas palavras, enfim ela disse.
O garoto ficou em branco, e encarando o olhar azedo da pequena, ele percebeu...
~Pa-parabéns!~ respondeu.
Por instinto ele soube o que aquela notícia significava, ele soube que estavam se despedindo. Mesmo Develine omitindo o nome do pretendente, ele entendeu que se tratava de outra pessoa.
~Obrigada!~ Sentiu seu coraçãozinho apertar.
Eram apenas duas crianças, duas crianças que mal sabiam expressar corretamente seus sentimentos. O conceito de amor estava distante para ambas, novas demais para isso, porém, nada mudava o fato de que se gostavam. Mesmo que perdurasse como amizade, ainda era amor.
~Eu sentirei sua falta.~ O rosto do garotinho se contorceu, lutando para não chorar.
~E-eu também!~ Develine segurou a mão do menino, fazendo o mesmo que ele, fingindo estar bem.
Era isso que a nobreza ensinava. Nada era mais importante do que o status ocupado e do poder obtido, nem mesmo os seus próprios sentimentos valiam a "derrota".
Em um Império construindo sobre o poder de doze famílias que estavam constantemente lutando pelo direito ao trono, era de se esperar tamanha infâmia. Todos eram criados desde cedo para entrarem nessa luta.
Dalfoy casar Develine com o filho do Duque mais proeminente do Império, um descente da família fundadora do Banco Imperial, era parte desse jogo político doentio.
Aquele foi o último encontro que tiveram. Depois daquilo Dalfoy proibiu que a pequena tornasse a ver o príncipe Liam.
Se concentre no Eduard, foi o que o homem disse. Faça-o feliz e eu lhe darei tudo o que quiser, Dalfoy sorriu. Até mesmo o meu carinho.
Mais tarde Develine descobriria que aquelas palavras eram completamente vazias. Dedicando sua vida ao Eduard, tudo que lhe restou foi sofrer calada. Se tornando obcecada por ele, ou melhor, pela promessa de amor do pai, ela tentou de tudo.
Eventualmente ela se perdeu na própria mentira, esquecendo de Liam e "amando" Eduard mais do que a si mesma.
Louca pelo príncipe, chegou ao ponto extremo de tentar torturar e matar uma menina que se engraçou com o mesmo. Foi um dos seus atos mais perturbadores. Repreendida e odiada por todos, seu desejo de afeto se tornou desejo de vingança e eventualmente Develine se deparou com a legião do mau, que se aproveitou do seu estado delicado para roubar informações.
Daquele momento em diante, Develine decidiu que derrubaria seu pai a qualquer custo, cavando um buraco ainda mais profundo no poço em que já estava afundando.
"Isso tudo para morrer sendo traída em quem confiei" Develine suspirou ressentida.
Apesar do final trágico, ela sentia carinho pelo tempo em que esteve na Legião. Suas principais mudanças ocorreram enquanto esteve com eles, lutando por uma causa. Ver os necessitados morrendo nos guetos lhe deu outra perspectiva da vida.
"Além de que aquela pessoa estava lá", sorriu diante das lembranças importantes.
Também foi na legião que ela teve a oportunidade rever Liam, apesar de começarem como inimigos.
"Liam, o maior traidor do império", ela suspirou.
Por mais que derrubar Calderium fosse o objetivo de ambas as organizações, os Reinos Unidos de Azenfor e a Legião do mau, a finalidade divergia. Um queria mudar o governo e o outro dominar novas terras.
Develine não sabia a trajetória completa do garoto. Após separarem, ambos percorreram caminhos distintos, mas ela conhecia o resultado. Liam se uniu a Azenfor e traiu Calderium.
~Me desculpa, eu só queria te vingar~ foi o que ele disse enquanto morria em seus braços. Nos braços de Develine, sua grande amiga.
"Seu idiota!" As memórias dolorosas voltaram.
No fim, o maior traidor do império e um dos maiores "vilões" conhecidos, fez tudo por ela.
"Meus irmãos estavam certos, nós realmente nos merecíamos", sorriu amargamente.
Apesar de ferido emocionalmente, Liam prometeu se manter longe de Develine. Conforme a garota se tornava fissurada em Eduard, os dois ficaram distantes. Porém, ele nunca esqueceu a sua amiga de infância.
Quando Liam descobriu que a garota doce que conheceu havia se tornado uma surtada, ele ficou em choque e, pesquisando mais sobre, enfim alcançou o cerne da questão. Daquele ponto em diante Liam jurou matar Dalfoy e Eduard a todo custo, mesmo que isso significasse trair o império e, consequentemente, levasse a sua morte.
Não era sobre amor, era sobre vingança.
E quando Develine descobriu isso, o sentimento de culpa lhe consumiu.
~Eu faço tudo errado.~ Chorou sobre o corpo do seu amigo caído.
Apenas pegar aquele envelope em suas mãos despertou uma torrente de lembranças e emoções. Quando aquela confusão sentimental alcançou seu ápice, ela tomou coragem e abriu o envelope.
***
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Suldelia, quinto dia de Fell'lin, ano 612 pós fundação
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Oooooolá, Develine! Como você está?
Desculpa, eu não sei como começar isso. Imagino que esteja mal. Sinto muito não poder estar ao seu lado, meu pai me impediu de te visitar. Ele disse que o Dalfoy está muito mal-humorado e por esse motivo podia acabar nos atacando sem motivo. A corda sempre arrebenta para o lado mais fraco. Enfim, eu realmente queria estar ao seu lado, me perdoe, mas se te fizer melhor, eu juro que socarei o rosto do Eduard quando o encontrar pessoalmente.
Eu sinto muito sua falta e mal posso esperar para te ver de novo.
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Do seu melhor amigo de sempre, e com muito carinho,
Liam Saliglia.
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***
"Você continua um idiota", afirmou, segurando suas lágrimas e abraçando o papel. "Eu também sinto sua falta", suspirou.
Um sorriso bobo tomou conta do seu rostinho juvenil.
E logo a garotinha disparou: — Marlly! — chamou-a com um certo tom de animação.
— Sim, princesa! — sua babá se prontificou.
— Guarde essa carta na minha caixinha dourada — disse, guardando o papel com cuidado no envelope e entregando-o para sua babá.
Um sorriso surgiu no rosto da moça. Ela sabia muito bem o que significava a tal caixinha dourada. Era um item mágico inquebrável que herdou da sua mãe biológica e que Develine usava para guardar tudo que ela considerasse importante e precioso.
Quando a moça esteve prestes a sair, a voz da pequenina a chamou novamente:
— E aproveitando que está indo até o meu quarto, me traga uma pena e um papel — sorriu.
— A senhorita vai respondê-lo? — Tânia interveio, ficando animada.
— Também... — Develine respondeu com um sorriso, limpando as lágrimas que chegaram perto de cair.
— Vai mandar cartas para outras pessoas, senhorita? — Tânia achou a resposta um tanto quanto curiosa.
— Sim! — a garotinha respondeu positivamente e em seguida completou: — Eu preciso agilizar algumas coisas, pois sinto que se ficar parada o mundo vai explodir — brincou.
Com seus olhos cheios de determinação, ela espantou seu pesar do passado e olhou para o futuro.
"Se eu fiz tudo errado antes, então farei tudo certo agora", aquilo reforçou sua determinação.
Develine estava cansada de esperar e, com algumas coisas em mente, incluindo seus negócios com Leifea, ela tentaria dar um empurrãozinho no destino.
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