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First Blood — Blue

O sussurro de Sunless rompeu o silêncio, carregado pela tensão no ar:

"Pare!"

Assim que ele falou, Nephis invocou sua espada, os dedos ágeis e precisos. Cássia, por sua vez, congelou. Sua hesitação era evidente, mas ainda assim ergueu o bastão, como se o gesto, por si só, pudesse lhe conferir alguma segurança.

A postura cautelosa de Sunless refletia a seriedade da situação. Guiando-me por seus sentidos, senti o nervosismo crescente dele enquanto o grupo de carcaceiros se movia sob o olhar de sua sombra.

Não precisei contar os monstros. Sunless já o fizera. Mesmo assim, não era difícil imaginá-los: seis criaturas, enormes e ameaçadoras.

Sua descrição seca e direta confirmou o que eu já esperava:

"Há carcaceiros no caminho à frente, seis deles. Estão se movendo lentamente na nossa direção."

O olhar de Nephis mudou, ainda firme e impassível. Após avaliar rapidamente o ambiente, perguntou com calma:

"Eles terminaram com a carcaça?"

Sunless hesitou antes de responder:

"Não... acho que não. Talvez não tenha carne suficiente para todos. Alguns devem ter saído de barriga vazia."

Nephis assentiu, os olhos cinzentos brilhando com a determinação de sempre.

"Vamos contorná-los."

Sem hesitar, seguimos pelo caminho mais próximo, mantendo uma ampla margem de distância do grupo de monstros. A atmosfera ao nosso redor parecia densa, sufocante.

O labirinto de coral nos desafiava a cada passo, e cada curva parecia nos aproximar de outro encontro inevitável com os carcaceiros.

Passamos a próxima hora desviando e mudando de direção repetidamente. Nosso progresso em direção à estátua era praticamente inexistente, e, com cada passo perdido, a frustração aumentava.

Não era apenas o tempo que escapava, mas também o sol que mergulhava lentamente no horizonte, lembrando-nos de que a noite traria o mar sobre nós — a manifestação de um grande titã.

Quando finalmente paramos para recuperar o fôlego, o silêncio foi quebrado por um murmúrio nervoso de Cássia:

"Talvez... talvez devêssemos voltar?"

Era uma sugestão sensata, mas não resolveria nosso problema. Fui um pouco firme ao responder:

"Só vai ficar mais difícil amanhã."

Os carcaceiros seriam ainda mais numerosos com o passar do tempo.

Sunless parecia inquieto, e Nephis inclinou levemente a cabeça — um gesto característico de quando ponderava uma decisão importante. Após alguns momentos, seus olhos cinzentos se voltaram para mim, buscando algo.

Talvez fosse aprovação, talvez fosse outra coisa.

Mas logo ela falou:

"Lutar."

A palavra caiu sobre nós como uma pedra, pesada e inevitável.

"Lutar? Contra dezenas deles? Você está louca?" indagou Sunless, incrédulo.

Quase sorri, apesar da tensão. Divertido com o bordão que logo se tornaria icônico.

Sabia que ele estava prestes a listar todas as razões contra a ideia, mas, mantendo a mente no que enfrentaríamos, tomei a palavra antes:

"Evitaremos os grupos grandes. Abateremos apenas os menores."

Nephis completou com a calma imperturbável:

"Se houver um ou dois deles, teremos uma chance."

Era lógico. E Sunless sabia disso, mesmo que não quisesse admitir. Eventualmente, ele assentiu, embora com relutância.

Então, Nephis voltou sua atenção diretamente para ele:

"Você estudou o cadáver do carcaceiro que matou?"

A pergunta o pegou desprevenido. Após um momento de confusão, Sunless respondeu:

"Não."

Pude ver a compreensão surgindo em seu rosto enquanto Nephis explicava os pontos fracos das criaturas: os olhos, as articulações, a conexão entre a carapaça e o torso, e, por fim, o ponto nas costas — o mais letal, mas também o mais inacessível.

Seus olhos passaram por nós enquanto ela concluía:

"Se encontrarmos apenas um, eu serei a isca, Ariandel dará suporte com seu arco, e Sunny, você o finaliza."

Vi Sunless engolir em seco antes de fazer a pergunta óbvia:

"E se houver dois?"

Nephis demorou um momento, o suficiente para que eu previsse sua resposta. Ela veio seca e direta:

"Não morra."

Típico dela.

***

Não demorou muito para que eles não tivessem escolha a não ser tentar lutar contra um carcaceiro.

Atrás deles, havia um longo trecho do labirinto sem ramificações adequadas para seguir. À frente, uma pequena clareira se abria, com apenas outra passagem que saía dela.

Quando a Estrela da Mudança determinou que lutariam na clareira, reconheci a lógica da decisão, embora o peso da responsabilidade tornasse o momento mais tenso. A rota era estreita demais para uma fuga eficiente, e o monstro nos encurralava.

Ajudei Cássia a se acomodar junto à parede do labirinto. Ela estava pálida, sua determinação enfraquecendo perante o inimigo que ela não podia nos ajudar a enfrentar.

Quando eu me virei após confortá-la, ela me parou, segurando meu pulso. Senti a tensão em seus dedos.

"Aria, você... tenha cuidado, tá?"

Sua voz era frágil — reflexo de uma preocupação genuína.

Por um momento, deixando meu olhar repousar nela. Vi além do medo, percebendo a confiança que depositava em mim.

Um sorriso surgiu em meus lábios e se refletiu em minha voz:

"Entre todos nós, Cássia, eu corro o menor perigo. Então, não se preocupe muito."

Ao me afastar, as palavras dela ainda ressoavam em meu coração.

Invoquei minha Memória — um arco longo simples, mas requintado — observando como as linhas finas e coloridas se teciam e reluziam para forma-lo. Depois, desapareci da percepção, movendo-me com discrição.

Chegamos à clareira rapidamente.

Nephis se posicionou com segurança calculada, tornando-se um alvo deliberado. Sunless, já escondido, era uma sombra à espreita, aguardando o momento certo para atacar.

Quando o carcaceiro apareceu, sua fúria era palpável. Seus movimentos eram rápidos e precisos, mas previsíveis. Assim que Nephis desviava da primeira investida e, ao mesmo tempo, cortava as juntas de uma das patas dianteiras da criatura, eu disparava.

Minha flecha atingiu o olho esquerdo do monstro, arrancando um rugido de dor e cegando-o parcialmente. Isso deu a princesa a abertura necessária para atacar a junta de outra das patas, reduzindo mais sua mobilidade.

O carcaceiro contra-atacou ferozmente, mas Estrela da Mudança já estava em movimento, conduzindo-o para onde queríamos. Ela abriu espaço, expondo uma brecha na defesa da criatura, e minha segunda flecha voou, forçando-o a virar as costas para Sunless.

Era isso. O momento que planejamos.

Sunless saltou de sua sombra com uma determinação surpreendente, usando a oportunidade que criamos. Ele escalou a carapaça do carcaceiro, ignorando o perigo iminente, e cravou sua lâmina no ponto fraco da criatura com precisão mortal.

O rugido final do monstro ressoou antes que seu corpo colapsasse, pesado e imóvel.

E... algo ocorreu em minha alma.

Minha invisibilidade desvanecera por completo após o segundo disparo, mas a batalha já havia terminado.

"Isso... foi fácil?" duvidou Sunless, sem sequer ofegar.

Para o nosso grupo especificadamente? Bem... sim.

Houve um sussurro do Feitiço.

Chequei Cássia pelo Sentido Mental. Ela ainda estava segura, encostada na parede.

Todos estávamos ilesos após o primeiro combate, e, aliviado, me permiti um suspiro antes de caminhar até ela.

***

Logo, Ariandel se aproximou do local onde a jovem angelical aguardava pacientemente o retorno deles.

Ao ouvir o som deliberado de seus passos, ela estremeceu levemente e levantou a cabeça, como se o peso de sua presença fosse uma lembrança reconfortante.

"A—Ariandel?" perguntou ela, a voz hesitando um pouco.

Antes de responder, um pensamento curioso surgiu na mente dele:

'Como seria viver sem a visão — tendo os outros sentidos aguçados? Ela deve ser capaz de perceber detalhes sobre o mundo e as pessoas, que nem mesmo elas sabem que revelam… Me pergunto, como ela me vê, em meio a tudo isso?'

Voltando-se para a realidade, Ariandel sorriu gentilmente, tentando transmitir um pouco de sua tranquilidade.

"Oi Cás, sou eu. Tudo acabou bem. Vamos."

Com um movimento leve, ela usou seu cajado de madeira para se levantar, ainda um pouco insegura, e se virou em direção a voz dele.

"Como foi exatamente… alguém se feriu?"

"Não. Eliminamos o carcaceiro com relativa facilidade. Não recebemos um arranhão sequer."

"Eu vejo… Que bom. Obrigada", agradeceu Cássia, sorrindo, com o alívio visível em sua expressão.

Ariandel, com gestos cuidadosos, tomou a mão dela, guiando-a com um toque firme e gentil.

Enquanto caminhavam lado a lado, ele não pôde deixar de se sentir um pouco estranho.

Sem memórias sobre essa nova vida além de tênues sensações, restavam-lhe apenas fragmentos nebulosos de quem ele fora em outra existência para conhecer quem ele é e o que possui.

Naquele dia em que retornou, Ariandel manteve um fio de esperança, imaginando que poderia haver algum vestígio de seu passado nos registros do Governo ou que alguém, talvez, viesse em sua procura... Mas não havia nada. Nem um indício sobre ele, nem ninguém para se preocupar com sua existência.

Para lidar com isso, ele tentava se distrair no fascínio dos poderes mágicos que agora possuía e na fantasia de um outro mundo que se desvelava diante de seus olhos.

Ainda assim, em alguns momentos, essa sensação de perda tomava Ariandel.

Enquanto a dor familiar e inevitável se espalhava pelo seu peito, ele inspirou e expirou, tentando dominar a emoção.

No fim das contas, pensou, tudo isso não passaria de uma historia distante, em algum momento...