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Carnificina

Nós corremos.

Corremos e corremos. 

Enquanto corria, eu escutava meus colegas atrás de mim. Todos atentos e seguindo por dentro da floresta que deviam conhecer desde que era crianças. Chegou em um ponto onde a fumaça ficou visível e ficamos de frente com doze imensos projetos de urso pardo. Dava para ver o sangue escorrendo em seus rostos e a pele carbonizada de cada um. Eles deviam ter sido os sobreviventes de alguma das explosões, estavam claramente fragilizados, isso era bom.

Uri gritou e avançou. encravou seu machado no peito de um e Edric pulou, acertando o mesmo no pescoço e o derrubando. Os outros onze viraram os olhares para os dois lenhadores e rugiram em uma língua quase indistinguível, mas eu entendi. Iriam os atacar ao mesmo tempo. 

Eu avancei e alguns homens foram comigo. Imitei o golpe de Edric, mas não o acertei onde estava mirando. Atingi sua perna e ela foi arrancada, lançada a vários metros de distância. Logo em seguida, lhe dei um soco mal calculado e acertei seu peito. Minha mão o atravessou e ele desabou.

Quando os que estavam comigo viram. Comemoraram com todo o ar de seus pulmões. Talvez eu estivesse além das expectativas deles e das minhas próprias. Não costumava brigar e nunca treinei de verdade. Não batia no meu irmão e nunca precisei defender ninguém. Mas, a força que mostrei era absurda. Tinha certeza que, mesmo sem qualquer tipo de preparação, conseguiria brigar de igual com campeões mundiais de qualquer arte marcial. Subitamente, tive outro vislumbre rápido dos números que saltaram da pulseira.

[Físico: 10 > 60]

Isso era bom.

Corri para enfrentar os restantes o mais rápido que pude. Apesar dos golpes com pouca precisão, eles caiam um após o outro. Escutei gritos de dor vindo de trás. Mais apareceram a nossa volta. Quando olhei, vi os Gorgons rasgando meus colegas que tentavam investir contra eles. Virei para Edric e Uri, os dois conseguiam cuidar de alguns quando lutavam juntos, mas estavam com muita dificuldade. Estávamos parados e esse era o problema.

- Homens! Avancem comigo e não virem para trás! - eu gritei para todos escutarem.

Os que estavam apavorados com os Gorgons fugiram para a minha direção e voltamos a correr o mais rápido que conseguíamos, deixando os monstros feridos para trás. O único que não podíamos perder era Uri, ele era nosso guia principal dentro da mata e, mesmo que eu soubesse a direção de onde Melvor estava, não conhecia a floresta para correr com toda a velocidade nela sem a confiança de não me perder.

Quando vi ele e Edric tentando se defender dos ataques incessantes de uma das criaturas que surgira entre as árvores. Investi e o acertei com meu ombro. O oponente foi jogado para as árvores e o som de seu corpo chocando contra os troncos se espalhou pela floresta.

A passagem até nosso objetivo foi difícil. Isso é o mínimo que eu poderia dizer. As bestas chegavam sem avisar e acabavam com dez homens antes de serem detidas. Uma delas surgiu subitamente, acertou o lado direito do meu corpo com suas garras e me lançou longe.

O golpe rasgou a manga da roupa que estava usando e fez com que parte do meu braço começasse a latejar, mas não senti sangue.

Novamente, a besta foi até mim, levantando os braços para dar o golpe "final", mas foi acertada por várias pontas de lanças e porretes nas costas vindas dos homens cansados que estavam perto de mim. O monstro deu um urro de dor, dando tempo para eu me levantar e acertar seu queixo com o impulso das minhas pernas. Ele caiu e eu olhei para os meus colegas restantes. Nossas forças foram reduzidas. Devíamos ter quase duzentos homens agora. Provavelmente esse era o melhor dos cenários, mesmo perdendo um terço dos nossos, estava esperando uma situação pior ainda. Sabia que não vimos ainda se quer 1% das forças inimigas e isso me fazia imaginar se qualquer um deles iria voltar para casa.

Uri continuou nos guiando e eu percebi que estávamos fazendo um desvio para ficarmos o mais longe possível do centro das forças inimigas e não sermos destroçados antes de chegarmos. Nós não estávamos atrás do inimigo e sim de Melvor, éramos a única ajuda disponível.

- Uri! Quando chegaremos? - perguntei enquanto corríamos, desviávamos das árvores e ignorávamos Gorgons que passavam.

- Em cinco minutos, senhor!

Quando ele se virou para olhar em meus olhos para falar isso, uma pata surgiu no meio da fumaça, o acertou nas costas e seu corpo caiu no chão.

A besta bufava e saliva saía de seu focinho monstruoso. Eu o observei bem. Ele estava em pé, seus olhos eram vermelhos e profundos. Não havia vestígio de pelos, mas uma pele extremamente grossa repleta de cicatrizes que combinava bem com suas dezenas de caninos bem a mostra. Um ser verdadeiramente selvagem de uma terra selvagem.

Ele também me fitava. Como se estivesse decidindo se eu era alguém perigoso ou uma presa como o homem que acabara de atacar.

Sua cabeça explodiu antes que eu fizesse qualquer coisa. Algo tinha atingido o monstro por trás.

Quando seu corpo caiu sem vida, consegui ver o rosto de Melvor. Ele estava cansado, sua testa suada e sua respiração ofegante entregava o fato que ele esteve sob muito estresse. Ou que correu uma maratona. Suas mãos estavam levantadas apontando na direção do corpo sem vida daquela criatura. Naquele momento ficou obvio a sua especialidade...

Explodir coisas.

- Onde estava? - ele disse, respirando descompassadamente.

- Abrindo caminho até você - respondi.

- Chegou mais rápido do que eu achei que chegaria.

Continuei olhando para ele. Ele estava em forma. Não imagino um senhor da idade dele correndo como eu corri.

Lembrei de Uri que tinha caído no chão e olhei onde seu corpo estava. Tinha sangue de mais. Andei até ele e o virei. Seus olhos estavam opacos e sua pele, fria. Só chegamos a tempo por causa dele, mas não poderia nem levar seu corpo ou usar meu ínfimo tempo para fazê-lo acordar com uma manobra cardíaca desesperada que, pelos ferimentos, também seria completamente inútil. Quando Edric viu seu amigo no chão e a poça que tinha se formado do sangue dele, fechou o punho e olhou para o chão. Vi seus olhos ficarem úmidos e escutei o barulho de seus dentes cerrados. 

Virei meu rosto para ver os homens que ainda estavam comigo. Sobraram pouco mais de cem. Menos da metade do que tínhamos quando começamos. Talvez porque o mínimo ferimento atrasava a corrida e os deixavam a mercê das garras e dentes das criaturas que tentavam nos perseguir.

também olhei os que acompanhavam Melvor. Se tivesse cinquenta, era muito.

- Onde está o resto do seu pessoal?

Quando fiz essa pergunta, seu cenho ficou carregado. Era um tanto obvio o que havia acontecido.

- Qual o nosso plano agora? - tentei mudar o foco da conversa para algo mais útil.

- Vamos correr para o lado oposto deles. Quero jogar um pouco mais de fogo nesses filhos da puta. - ele respondeu, mas tinha mais coisa dentro do plano.

- Tem uma caverna a alguns minutos daqui na mesma direção de onde vamos. Nossa esperança é que não encontrem a entrada dela. lá não tem saída.

Novamente estávamos correndo. Melvor, de tempos em tempos, jogava um frasco vermelho entre as árvores e escutávamos o imenso caos que acontecia nas nossas costas poucos segundos depois com a sequência de explosões.

- Gorgons não se juntam assim. - O mago dizia para mim entre um respiro e outro.

- Por que não?

- Porque são feras selvagens quase irracionais, mas é claro que até essas coisas podem ser unidas.

- Como isso é possível?

- Alguém mais forte que elas pode mostrar um caminho. Se perceberem que são mais poderosas com esse alguém no comando, um exército desse tipo pode se formar.

Melvor parou poucos segundos depois quase sem fôlego e disse:

- Estamos cercados.

Haviam centenas de bestas em nossa volta. Os quase cento e cinquenta homens que continuavam conosco estavam pálidos. Edric andou lentamente na minha direção até ficarmos um do lado do outro.

- Yan, o que vamos fazer?

Fiquei em silêncio. Eu não sabia. 

As criaturas avançaram. Seis delas foram em minha direção. Segurei firme minha espada e corri de encontro a elas. Fui atingindo diversas vezes por várias direções diferentes. As garras tentavam rasgar minha pele e eu revidava atacando loucamente o que estava a minha frente.

Vi relances de carne sendo fatiada e ossos quebrando quando eu os atingia com minha lâmina. Percebi que mais Gorgons estavam se aglomerando na minha frente. Eu chutei o que estava mais próximo e ele empurrou os outros que estavam atrás. Um espaço de metros foi aberto a minha frente para eu poder ver a situação sem ser acertado imediatamente por outra besta.

 Meus colegas estavam sendo dizimados. fomos absorvidos pelos números enormes de feras que estavam a nossa espreita. Procurei rapidamente por Melvor e só o que encontrei com meus olhos foi seu distinto terno verde jogado. 

Também me fiz procurar Edric. Vi um dos monstros com sua cabeça entre os dentes e sangue escorrendo de seu pescoço.

Os Gorgons voltaram a investir contra mim. Voltei a sentir suas presas tentando perfurar minha carne enquanto eu tentava me livrar de seus golpes com minha espada. Meu sangue estava pulsando enquanto eu os atingia e rasgava seus corpos com o fio da minha arma.

Não estava pensando em nada, só conseguia sentir o fedor da morte e o impacto de cada um dos meus golpes que nem sempre acertavam onde eu queria.

Não sei quantos minutos se passaram. Minha espada havia se partido em duas há muito tempo e eu só contava com meus braços para me defender.

Em algum momento eles pararam de investir contra mim e abriram espaço. Eu estava cercado por aquelas feras. Sozinho no meio de inúmeros monstros e encharcado de sangue que não era meu. Haviam centenas de arranhões no meu corpo e a minha cadência cardíaca estava fora de ritmo. Vi o rosto daqueles animais. Agora eram bem diferentes daquele que eu observei atentamente antes, o que matou Uri. Eles não estava verificando se eu era ou não uma presa. Eles já tinham a resposta deles.

Entre a multidão surgiu um que era maior. Dizer que era maior era tentar ser engraçado. Os outros eram metade do tamanho deste. 

Ele tinha marcas brancas ao redor do corpo que me lembravam tatuagens tribais. Seus dentes eram de prata e os olhos eram de um vermelho ainda mais profundo.

Este começou a andar em minha direção. Percebi que estava exausto, mas eu ainda conseguia levantar os punhos e isso era o suficiente. 

O provável líder rugiu para mim. Eu compreendi o que queria dizer. Ele queria lutar e esmagaria meu crânio se eu tentasse fugir.

Então ele veio e me atingiu com seus braços do tamanho de um tronco. O impacto me fez ser lançado e cair entre corpos de vários cadáveres de Gorgons. Vi as marcas dos meus punhos neles. Eu não tinha percebido, mas, além das árvores, do circulo que tinham formado em minha volta e desse enorme monstro que acabara de me acertar com suas garras, eu só via os corpos do exército dessas criaturas espalhados pelo chão. Dezena de centenas deles.

Eram tantos que eu não pisava mais no chão, mas em seus membros e carcaças espalhados. Uma verdadeira pilha de monstrengos sem alma ou raciocínio, só o mais puro instinto de caçar e matar, mas que agora estavam mortos. E eu os tinha matado.

O líder veio novamente ao meu encontro. Ele mostrou os dentes e eu acertei um soco com toda a força que me restava no meio do espaço aberto da sua boca. Ele fechou a mandíbula, mordendo o meu pulso e estilhaçando a pulseira que me fora dada.

Uma onda de energia imediatamente me arremessou e levou embora meus sentidos. A ultima coisa que vi foi o buraco vago onde ficava a cabeça daquele monstro enorme e o baque de seu corpo no chão.