Acordei naquele último dia com um sentimento misto de nostalgia e alívio. O tempo havia passado rápido, mas cada dia estava sendo aproveitado como se fosse único.
Ainda assim, havia algo de estranho no ar naquela manhã, como se algo estivesse para acontecer.
Durante o café da manhã, a mesa estava especialmente animada. O sol brilhava lá fora, anunciando mais um dia perfeito em Kyoto. Kaori estava sentada ao meu lado, entusiasmada como sempre, enquanto Seiji mantinha um sorriso nervoso e um olhar que, vez ou outra, fugia para a mesa de Yumi, onde ela conversava com algumas amigas.
Notei que ele estava mais distraído do que o normal e, quando percebeu que eu o observava, desviou o olhar, concentrando-se no prato de café da manhã como se as palavras que procurava estivessem escondidas ali.
— Tá tudo bem, Seiji? — perguntei, tentando soar despreocupado, mas com uma curiosidade difícil de esconder.
Ele olhou para mim e soltou um sorriso, mas que parecia esconder algo.
— Tá tudo normal! Sem problemas mesmo.
— ...
Ele soltou um suspiro e deu de ombros, esboçando um sorriso meio sem graça.
— Sabe, Shin... acho que... hoje vou fazer uma coisa que tô adiando há séculos. Acho que é agora ou nunca.
Eu pisquei, surpreso, mas logo entendi do que ele estava falando.
— Espera aí... sério? Vai fazer aquilo hoje?
Seiji corou e desviou o olhar, confirmando com um aceno tímido.
— É… Acho que chegou a hora.
— Hm? Que segredo é esse? — Kaori interrompeu, inclinando-se curiosa.
Olhei para Seiji, que me lançou um olhar de súplica, mas não consegui segurar o sorriso.
— Seiji tá planejando se confessar pra Yumi hoje.
— S-shin! Eu não disse que você podia contar! — protestou ele, as bochechas ficando ainda mais vermelhas.
Kaori soltou uma risada alegre, batendo palmas baixinho.
— Yumi, é? Hmm, muito bem, então! Nada de fazer isso de qualquer jeito. Que tal um ensaio? Assim você não gagueja nem se perde todo na hora H!
Ele tentou protestar, mas nós dois o puxamos para o canto do refeitório. Rintarou apenas nos observava de longe, e até Akira e Takeshi, que geralmente não ligava para essas coisas, olhava com interesse.
— Tá, mas... como é que eu faço isso? Só... chego nela e falo? — Seiji parecia genuinamente aflito, seus olhos vacilando entre mim e Kaori como se procurasse respostas mágicas.
Kaori sorriu, visivelmente empolgada para ajudar.
— Primeiro de tudo, prática! — disse ela, posicionando as mãos na cintura e assumindo uma expressão diferente, como se fosse Yumi. — Vai lá, Seiji. Diga o que você realmente sente.
Ele respirou fundo, tentando controlar o nervosismo, e olhou para Kaori, ensaiando a fala com uma expressão meio tensa.
— Y-Yumi… eu… eu gosto de você.
Kaori estreitou os olhos, fingindo desaprovação.
— Ugh, assim não tem jeito! Sem emoção, Seiji. Sinceridade, por favor! — Ela sorriu, encorajadora. — Fala como se fosse de verdade, como se não fosse ensaio.
Revirei os olhos, mas acabei rindo, e bati no ombro dele, tentando aliviar a tensão.
— Escuta, só... fala o que você sente. Nada de frases ensaiadas. Seja você mesmo, Seiji.
Ele assentiu, ainda um pouco inseguro, mas claramente determinado a tentar de novo. Depois de um instante de pausa, respirou fundo e disse com mais firmeza:
— Yumi, você é alguém incrível, e eu gosto de você… muito mais do que como uma amiga, sabe?
Kaori abriu um sorriso, aplaudindo em silêncio.
— Isso! Agora sim! É desse jeito, tá? E nem pense em recuar na última hora.
Seiji esboçou um sorriso agradecido, embora o nervosismo ainda estivesse claro no rosto. Pouco depois, o professor começou a chamar os alunos para a saída. Seiji me puxou para o lado, uma expressão ansiosa substituindo o habitual sorriso.
— Shin… você acha que tô fazendo a coisa certa? Quero dizer, se ela disser não... será que estrago nossa amizade?
Eu segurei seu ombro, tentando ser o mais sincero possível.
— Olha, Seiji... pode ser que as coisas fiquem estranhas, mas acho que pior é nunca saber a resposta. Às vezes, a gente precisa arriscar. E, sendo você, tenho certeza de que ela vai entender. Seja honesto, e, aconteça o que acontecer, nós vamos estar aqui pra você.
Ele respirou fundo, parecendo mais determinado, e me deu um aceno confiante.
— Valeu, Shin. Tá na hora.
Saímos em seguida para um passeio pela cidade, e o último dia da viagem incluía visitas a templos, lojas e as charmosas ruas de Kyoto. O grupo andava junto, explorando cada esquina como se tentasse gravar cada detalhe da cidade na memória. O sol estava suave, e uma leve brisa acompanhava nosso caminho, trazendo o perfume das cerejeiras que começavam a florir.
Entre uma foto e outra, as risadas e brincadeiras preenchiam o ar. Kaori insistia em tirar fotos com poses engraçadas, enquanto Sora e Akira arrastava todo mundo para provar algum doce típico ou experimentar as amostras de chá verde das lojinhas locais.
De vez em quando, meus olhares também se cruzavam com os de Yuki, o que me deixava completamente sem jeito.
Apesar da animação, notei que, embora Seiji estivesse rindo e participando, havia algo em seu olhar. Era como se ele estivesse um pouco à margem de tudo, como se cada risada fosse interrompida por algum pensamento distante. E, quando ele percebia que eu o observava, disfarçava rapidamente, tentando agir como sempre.
Durante uma das paradas em frente a uma loja de lembrancinhas, Kaori e eu trocamos um olhar cúmplice antes de nos aproximarmos dele.
— E aí, Seiji, vai ser agora? — sussurrei, cutucando-o com o cotovelo, tentando incentivar.
Ele desviou o olhar, e deu um riso nervoso, coçando a nuca.
— Acho que... acho que sim. Só que... eu... — Ele engoliu em seco e fez uma pausa, a mão apertando a alça da mochila. — Não sei se tô pronto ainda. Preciso de mais uma chance pra treinar?
Kaori riu, rolando os olhos de leve e dando um leve empurrão nos ombros dele.
— Você já tá mais do que pronto! Já praticou o suficiente, e, sinceramente, se treinar mais vai acabar parecendo uma declaração de teatro. — Ela piscou e sorriu. — Só vai lá, confia em você, e fala o que sente!
Ele respirou fundo, tentando absorver as palavras de incentivo, mas ainda parecia hesitante.
— Sei lá... e se ela me achar um idiota?
Kaori deu uma risada suave e bateu levemente no ombro dele.
— Idiota? Deixa de bobeira, Seiji. Ela vai valorizar sua honestidade, isso sim. E vai ver o quanto você é genuíno. Agora, se você não for logo, vai acabar deixando essa oportunidade escapar.
Eu acenei em concordância, tentando dar-lhe um olhar de encorajamento.
— É isso mesmo. Se você não tentar, nunca vai saber a resposta. E quem sabe? Talvez ela sinta o mesmo.
Seiji respirou fundo mais uma vez, fechando os olhos por um instante. Ele parecia reunir toda a coragem que tinha. Então, abriu os olhos e deu um aceno confiante, embora ainda com um pouco de nervosismo.
— Tá bom... acho que vocês estão certos. — Ele deu um último olhar de agradecimento. — Vou indo.
O sol já começava a se esconder, espalhando tons de laranja e rosa pelo céu enquanto Seiji caminhava até o jardim do hotel. As sombras suaves das árvores e a luz dourada sobre as folhas criavam uma atmosfera quase mágica, perfeita para o que ele estava prestes a fazer — ainda que isso o deixasse cada vez mais nervoso.
Kaori e eu não conseguimos resistir e, como dois espiões amadores, o seguimos de longe, escondidos atrás de uma coluna. De lá, observávamos enquanto ele respirava fundo, hesitante, antes de se aproximar de Yumi.
Ela estava sentada em um banco de pedra, enquanto conversava com algumas amigas, quando ele se aproximou, e sua expressão suave se iluminou com a surpresa ao vê-lo.
— Yumi… será que posso conversar com você? A sós... — A voz dele saiu baixa e trêmula, mas havia uma sinceridade e uma determinação nela que chamaram sua atenção.
As amigas ao verem aquela cena, entenderam logo o que estava prestes a acontecer, e então se despediram de Yumi.
Ela assentiu, oferecendo um sorriso gentil que parecia encorajá-lo.
— Claro. Do que se trata? — perguntou, com aquele tom sereno e despreocupado.
Ele desviou o olhar, visivelmente tentando reunir coragem, suas mãos enfiadas nos bolsos enquanto lutava para organizar os pensamentos. Era como se cada palavra pesasse mais do que a anterior, e ele precisasse de toda a força possível para continuar.
Seiji parou a alguns passos de Yumi, e por um momento, apenas ficou ali, sem dizer nada. Ele parecia estar reunindo coragem, e a atmosfera ao redor se carregou de expectativa. O sol do fim de tarde iluminava o rosto de Yumi, criando uma cena quase irreal.
— Yumi… — ele começou, a voz baixa, hesitante. Sua mão trêmula passou pelos cabelos, um gesto nervoso, e ele desviou o olhar, encarando o chão antes de voltar a fitá-la, a sinceridade brilhando em seus olhos.
Yumi o olhou, um pouco confusa, mas esperou, em silêncio.
Ele respirou fundo, e a tensão no ar aumentou.
— Eu… eu venho tentando encontrar o momento certo para dizer isso, e... nunca foi fácil. — Ele soltou uma risada curta, um pouco amarga. — Acho que esperei até o último dia, né?
Ela piscou, surpresa, percebendo o que estava por vir.
— E-espera... você vai...
— Yumi… — Seiji falou mais uma vez, interrompendo-a suavemente. Dessa vez, ele não desviou o olhar. — Eu... eu gosto de você! De verdade. Acho que, desde que a gente se conheceu… é impossível não gostar de você, na verdade. Você sempre foi incrível, e… eu queria que você soubesse disso.
— ...
O silêncio que se seguiu era denso, pesado, enquanto ele aguardava, cada segundo parecendo se arrastar. Ele segurava a respiração, seu olhar fixo no rosto dela, esperando, talvez, por algum sinal de reciprocidade.
Yumi permaneceu em silêncio, seus olhos baixos por um instante. Finalmente, ela levantou o olhar, e seu rosto parecia um misto de surpresa e tristeza contida.
— Então era isso… — Ela começou com a voz suave, hesitante. — Eu… eu não sabia que você se sentia assim. — Ela mordeu levemente o lábio, como se estivesse tentando escolher as palavras certas. — E você é mesmo uma pessoa incrível, alguém com um coração imenso e engraçado, mas...
Ela hesitou, e, após um momento, deu um passo à frente e pousou a mão no ombro dele, o toque leve e carinhoso.
— Mas… eu só consigo te ver como um amigo. Um grande amigo… mas apenas isso.
As palavras dela flutuaram no ar, e o sorriso que se formou nos lábios de Seiji era de um sorriso triste, mas sincero. Ele assentiu lentamente, como se absorvesse cada palavra, deixando-as se acomodarem dentro dele.
— Entendi... — disse Seiji, esboçando um sorriso e fazendo o possível para soar despreocupado, mesmo que seus olhos traíssem uma grande tristeza. — Eu já sabia a resposta, mas eu só… precisava te contar, sabe? Não queria ficar com isso guardado pra sempre e acabar me arrependendo depois.
Yumi abaixou o olhar por um segundo, refletindo, antes de erguê-lo novamente. Ela o observou com um sorriso gentil, e sua expressão, embora um pouco séria, mostrava respeito pela coragem que ele teve de se abrir.
— Obrigada, Seiji. De verdade. — Ela falou em um tom suave, mas sincero. — Fico feliz que você tenha confiado em mim pra dizer tudo isso.
Seiji, que havia tentado manter a compostura até então, corou levemente. Ele provavelmente não esperava ouvir algo assim e tentou disfarçar o nervosismo, rindo de leve.
— Ah… n-não é nada demais. Acho que… era necessário, sabe? — Ele sorriu, tentando soar despreocupado, mas as bochechas ainda estavam coradas. — Só queria… seguir em frente.
Yumi assentiu, e seu sorriso se manteve, suave e compreensivo.
— Espero que você consiga — disse ela, com um tom gentil.
Eles trocaram um sorriso, e Seiji acenou de leve, os dois se despedindo em silêncio. Enquanto ela se afastava, Seiji ficou ali, sentindo o vento passar por ele. Algo dentro dele parecia mais leve agora, como se um ciclo tivesse finalmente se encerrado.
Enquanto Yumi estava quase entrando no hotel, Seiji deu um passo à frente e chamou baixinho:
— Yumi… — A voz dele era suave, mas o suficiente para fazê-la parar e se virar, com uma expressão curiosa.
— Hm?
Ele hesitou por um segundo, os olhos desviando para o chão antes de encontrar os dela novamente.
— A gente… ainda pode ser amigos?
Um sorriso gentil se espalhou pelo rosto dela, seus olhos brilhando com uma suavidade que parecia tocar ele mais do que qualquer resposta poderia.
— Claro que sim, Seiji — respondeu, com um tom de voz sincero. — Isso não vai mudar.
Ela deu um último aceno de cabeça antes de continuar seu caminho, deixando-o parado ali.
— Amigos... — murmurou para si mesmo, enquanto olhava para o chão.
Kaori e eu, ainda escondidos, trocamos olhares, sentindo a profundidade daquele momento, e me vi admirando a maturidade dele. Mesmo com o coração partido, ele, naquele momento, parecia genuinamente em paz com a sinceridade que tinha acabado de compartilhar.
Assim que ele começou a voltar, saímos de trás da coluna, nossos sorrisos encorajadores prontos para receber aquele que acabava de enfrentar um dos momentos mais difíceis da sua vida.
Ele parou ao nos ver, e por um segundo parecia vulnerável, mas logo voltou a exibir seu sorriso de sempre, como se quisesse nos convencer de que estava tudo bem.
— E aí, que tal? — perguntou ele com uma leve risada. — Agora posso adicionar "rejeição oficial" ao meu currículo. Será que isso me dá pontos extras?
Kaori riu, dando um leve empurrão nele.
— Vai sim, pelo menos alguns pontos em "coragem" você ganha com certeza! — respondeu ela, piscando. — Não é qualquer um que tem coragem de fazer o que você fez hoje.
Ele riu, balançando a cabeça.
— É, acho que sou meio masoquista, então… se eu sobreviver a isso, sobrevivo a qualquer coisa! — Ele deu de ombros com um sorriso despreocupado, mas seu olhar fugiu brevemente para o chão antes de encontrar os nossos novamente. — Valeu, pessoal. Juro que estou bem. É sério. Quer dizer… a vida é cheia de "nãos" antes de um "sim", né?
Eu dei um tapinha nas costas dele, reconhecendo que ele estava usando o humor para disfarçar a tristeza que ainda sentia por ter sido rejeitado.
— É isso aí, Seiji. E você teve a coragem de ir lá e falar. Essa foi a parte difícil. — Tentei mostrar que, mesmo que estivesse fingindo, nós estaríamos com ele o quanto fosse preciso.
— É, cara, a parte difícil foi conseguir! A parte fácil agora vai ser aguentar essa fome até o jantar! — disse ele, voltando a si de repente, e Kaori e eu rimos, aliviados pela leveza que ele trazia.
O céu já começava a escurecer enquanto voltávamos ao hotel para a última noite. No jantar, ele estava especialmente barulhento, brincando com Akira e entrando nas provocações de Kazuki e Takeshi, rindo alto e falando mais do que o normal. Embora eu soubesse o peso que ele carregava, ele parecia, ao menos, um pouco mais em paz.
Depois do jantar, nos reunimos para conversar e rir como sempre fazíamos, relembrando os melhores momentos da viagem.
Kaori, em um momento de provocação, cutucou meu ombro com um sorriso travesso.
— E aí, Shin? Quem sabe agora é sua vez de ter um momento de coragem? Talvez um coração esteja esperando por você, hein?
Senti meu rosto aquecer com a provocação dela e desviei o olhar, tentando parecer despreocupado.
— Não vou cair nessa, Kaori. Alguém tem que manter o juízo nesse grupo, tirando o Rintarou, claro.
— Juízo? — Seiji riu, sem perder a chance. — Pra quê isso, Shin? Se tem uma coisa que aprendi hoje é que juízo não traz muita emoção!
Kaori riu junto com ele, e vi o olhar dela se suavizar ao encarar Seiji.
— Seiji, você realmente sabe transformar tudo em uma boa piada — ela disse, com um toque de carinho na voz, apertando o ombro dele. — Mas, sinceramente, você foi muito corajoso hoje. De verdade.
Ele deu uma risada, fazendo uma pequena reverência com a mão no peito.
— Se não posso ganhar o coração dela, pelo menos levo os aplausos do público, né? A vida é curta, meus amigos! Melhor rir do que chorar.
O sorriso que ele deu parecia ser sincero, apesar de tudo que ele tinha passado naquele dia. Seiji podia não ter conquistado o coração de Yumi, mas enfrentou seu próprio medo e saiu fortalecido de alguma forma.
E, para ele, aquela coragem e leveza já eram uma vitória.