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Capítulo Um - Inflamação.

As árvores balançam com o vento do pôr do sol. Chegava a tarde nas matas e junto a ela um ônibus popular de cor preta.

Uma placa mal pregada balança rangendo, informando aos passageiros mais atentos do ônibus que o destino final se aproximava.

Bem-Vindo a Jurumirim.

A estrada se fazia vazia. Tão vazia que talvez causasse estranhamento em alguns inexperientes com viagens para essas bandas. O motorista, no entanto se mostrava tranquilo, acostumado a realizar essa travessia constantemente sem ser incomodado.

A noite caia aos poucos à medida que o ônibus avançava na estrada sendo coberto da visão acima pelas árvores que iam se entranhando aos poucos obscurecendo a já muito obscura estrada.

A viagem não durou muito mais após a placa de sinalização. Percebendo que chegavam a um ponto de parada, alguns passageiros se puseram a observar além das janelas do ônibus, admirando a cidade a que chegavam.

Uma cidade pequena e comum de interior. Construções antigas e animais nas ruas.

Nem uma alma viva á vista.

Talvez pela atmosfera já sombria da noite que se apossava do ambiente, talvez pela pouca iluminação aparente, talvez pela ausência de pessoas à vista. Não se sabe ao certo o porquê, mas uma inquietude se instaurou dentro do ônibus.

Algo sobre a atmosfera da cidade já incomodava os passageiros mesmo de dentro do veículo.

O ônibus manobra entrando lentamente na simples rodoviária da cidade. Incrivelmente, ou não, não há ninguém para recebê-lo.

As portas do ônibus se abrem lentamente e fazendo muito barulho. Típico de veículos velhos e sem manutenção.

Alguns segundos se passam em silêncio na escuridão de fora do veículo.

E então, uma única pessoa desce segurando uma maleta preta. Vestindo-se totalmente de preto, com uma roupa que lembrava as de um padre católico. Pele clara e cabelo raspado. Um rosto cansado e olhos fundos. Pequenos brincos nas orelhas e um nariz um tanto amassado.

Este jovem pisa finalmente fora do último degrau, e as portas do veículo se fecham apressadamente.

O ônibus parte em seguida, sem cerimônia, largando para trás a escuridão e um homem sozinho.

O rapaz permanece parado por um minuto, olhando para o chão, pensativo, preocupado. 

E então, segue em direção à saída da rodoviária, que por dentro é iluminada por uma única luz, aonde encontra, finalmente, algumas pessoas. Um único homem de meia idade em um estande de venda de passagens de ônibus, e uma mulher ao lado aparentemente vendendo artigos diversos.

— Boa noite. — O jovem diz com um sorriso simpático e um leve aceno com a mão direita.

Eles não respondem. Um mero olhar desconfiado é dado de volta pelos dois. O garoto tira o sorriso do rosto por um momento e segue caminhando em direção a eles.

— Boa noite. — Ele repete.

Os dois sequer fazem menção de responder e apenas o olham diretamente no rosto.

— Hum — O rapaz limpa a garganta, um tanto incomodado. — Um de vocês saberia me informar de um local em que eu pudesse comer e passar a noite?

O homem na banca de passagens o analisa por um momento, de cima a baixo.

Um silêncio um tanto constrangedor toma o local.

— O que um padre vem fazer por estas bandas? — Ele pergunta em um tom despreocupado olhando para o rapaz por cima das pequenas lentes de seus óculos enquanto arruma alguns papéis em sua mesa.

— Sou apenas um seminarista no momento. — O rapaz responde com um sorriso curto.

— Deu pra perceber — A mulher fala com uma expressão desconfiada.

O jovem se vira para ela por um momento e a percebe olhando para seus brincos, e analisando alguns traços de seu rosto.

— Hum- — Ele limpa a garganta mais uma vez mudando seu foco de volta para o senhor. — Eu vim passar uns dias.

— Num é um costume 'passar uns dias' aqui, rapaz. — O velho diz em um tom ainda desconfiado.

— É, eu vim atender um pedido do meu reitor.

O velho tomou seu tempo analisando o rapaz com uma expressão cansada.

— Tem um bar aqui em frente. Dá pra comer e dormir lá. É o único lugar aberto até agora. — O velho diz e volta seu olhar para os papéis na mesa.

O rapaz pensa um pouco e sorri, agradecendo pelas informações. Ele sai em seguida.

Os dois se entreolham com uma expressão desanimada quando o veem passar as portas da rodoviária.

Já do lado de fora, o rapaz finalmente observa o ambiente livremente.

Uma única estrada em linha reta com casas pequenas e comércios dos lados compreendia à quase totalidade da cidade. A iluminação amarelada e fosca provinda dos postes e as ruas totalmente vazias contribuíam para a atmosfera esquisita do local.

No céu, sem lua. Nuvens densas e carregadas. Nuvens que prometiam chuva.

Mesmo daquele ponto bem no início da estrada era possível enxergar mais ao fundo, pouco depois do fim da cidade, um pequeno morro cercado de árvores. Seu topo coberto pelas escuras nuvens que o envolviam quase que completamente, por mais que não parecesse tão alto.

Nenhuma luz lunar parecia iluminar as partes mais fundas da cidade devido às nuvens, muito menos nos pequenos bairros mais atrás das casas que ficavam na rua principal.

Olhando com atenção naquele relógio quebrado em seu pulso, o rapaz conseguiu com certo esforço deduzir que não passavam das 21 horas. Pôs-se então a andar pelas quietas calçadas em busca do local que o senhor o havia indicado, rapidamente, por medo de que começasse a chover logo.

Nas ruas, apenas alguns poucos gatos e cães. Todos quietos, no entanto.

O único som escutado na noite, além das cigarras, era da sola do sapato social do rapaz se chocando contra o chão repetida e rapidamente.

Apesar da atmosfera incerta e sombria do lugar, o rapaz não se mostrava incomodado, mas sim pensativo.

Conseguiu então encontrar o bar que estava procurando.

Lona Bar.

Parou em frente à porta, e mais uma vez olhou em volta.

Avistou assim mais à frente a antiga paróquia da cidade. Aquilo que o havia trazido até aqui em primeiro lugar.

Olhou mais uma vez para a colina e, estranhamente, sentiu uma brisa vinda daquela direção. Estranhamente seca, mesmo com o tempo nublado.

Não deu atenção.

Resolveu entrar.

O som de uma música encheu seus ouvidos, além de uma discussão sobre times de futebol entre dois homens que já pareciam bêbados.

Viu que o bar estava razoavelmente cheio, tendo em vista o quão pequeno este era.

Um homem atrás do balcão o viu entrar, e o fitou com uma expressão desconfiada.

— Missionário? Quer o que aqui macho?

— Eu gostaria de um quarto por uma noite, por favor. — O rapaz disse, fechando a porta atrás dele, e logo em seguida indo em direção ao balcão.

— É 26, e tu tem que tá fora do quarto às 7. — O homem respondeu de maneira grosseira enquanto abria uma garrafa de cerveja.

O jovem acenou e colocou sua maleta em um dos bancos à frente do balcão, a abriu e tirou o dinheiro de dentro.

Estendeu o dinheiro na direção do homem, que o ignorou por um momento, abrindo mais uma garrafa de cerveja, e em seguida entregando as duas nas mãos dos homens que ainda discutiam sobre seus times.

— Cê me deu 35. — O homem fala com um olhar de dúvida.

— Eu gostaria de uma bebida também, por favor. Suco de uva integral, se possível.

O homem conta o dinheiro de novo e sai para um quarto atrás do balcão resmungando algo.

Não demorou muito para começar a escutar o barulho de chuva caindo do lado de fora. O som das gotas que pareciam esmurrar o telhado do bar.

Olhando em volta, o rapaz observa no canto do bar uma única mesa vazia, com apenas uma garrafa de cerveja com pouco menos da metade de conteúdo e um jornal aberto e um pouco molhado abaixo da garrafa.

O homem volta dos fundos trazendo uma garrafa com um líquido roxo e sem nenhum rótulo, além de um pequeno copo de vidro.

— Toma. — Ele fala colocando os dois no balcão com uma chave e algumas moedas.

O jovem guarda a chave no bolso da calça.

— Pode ficar com o troco. — Diz pegando a garrafa e o copo.

Ele segura a maleta embaixo do braço e vai em direção à mesa vazia, se senta, colocando a garrafa e o copo sobre a mesa e a maleta no chão ao lado da cadeira de madeira.

Depois de se sentar na cadeira do canto, virado para o resto do bar, o jovem enche seu copo com o suco, e retira a garrafa de cerveja de cima do jornal que estava na mesa, e começa a folheá-lo, lendo com atenção à procura de algo.

Alguns minutos depois, um som de descarga ressoa da porta em frente à mesa em que o rapaz se sentou. Ele não dá atenção.

A porta se abre, e dela sai um homem de aparência rústica. Boné de caminhoneiro, barba por fazer, sobrancelhas grossas e roupas simples, além de um terço pendurado no pescoço.

Ele se aproxima e pega a garrafa de cerveja da mesa.

O jovem finalmente tira sua atenção das notícias, e olha para o homem com um rosto surpreso.

— Era o seu lugar? Foi mal, pensei que tava vazio. — Ele diz se levantando lentamente e largando o jornal na mesa.

— Não, padre. Pode ficar em paz. Senta aí. — O homem responde enquanto se senta na cadeira em frente dando uma golada na garrafa de cerveja como se fosse água.

O rapaz volta a se sentar na cadeira, pegando o seu copo de suco.

— Então, o senhor mora aqui? — Ele pergunta bebendo um pouco do suco.

O homem dá um sorriso soltando um pouco de ar pelo nariz.

— O senhor tá no céu garoto. Eu só tenho quarenta e dois. E não, mas passo por aqui quase toda semana. Sou caminhoneiro. — Ele diz antes de beber mais um gole da cerveja. — E xô te perguntar um negócio. Cê não é muito novo pra ser padre não?

O rapaz sorri com o comentário.

— Muito novo e acabado. Sou só um seminarista no momento.

O homem solta uma risada.

— Entendi. Nesse caso, o sen- você — Ele corrige. — sabe algo sobre o que está acontecendo na cidade?

O homem olha pra mesa de maneira esquisita por alguns segundos sem falar nada e em seguida dá mais um gole na cerveja, até perceber que já havia esvaziado a garrafa. Ele então deixa a garrafa na mesa e faz menção de se levantar.

— Eu deixaria esse negócio pra lá se fosse você meu jovem.

O rapaz franze os olhos por um momento, observando a reação estranha do homem.

Então, ele estende a mão, o pedindo para esperar, pega a garrafa de cerveja rapidamente e chama o homem no balcão, fazendo um gesto rápido para que ele traga outra garrafa.

— Você parece perturbado, senhor. Talvez eu possa ajudá-lo se souber o que lhe aflige. — O jovem fala com um rosto sério, encarando o terço no pescoço do homem.

O homem olha nos olhos do rapaz, pensa por um momento e se senta novamente com um semblante reflexivo sem se importar de ser chamado de senhor desta vez.

— Eu acabei olhando no jornal, e tinham algumas notícias sobre desaparecimentos. — O rapaz fala enchendo novamente o seu copo de suco.

Depois de algum tempo de silêncio, o balconista traz mais uma garrafa de cerveja e a deixa na mesa, junto a um copo.

O homem então põe o copo no canto da mesa e vira um gole da garrafa de cerveja.

— É... — Ele começa. — Começou mês passado. Uns mendigos sumiram do nada, de uma noite pra outra.

— Mendigos? — O rapaz pergunta com a sobrancelha franzida em dúvida.

— Isso. Não deram muita atenção por que eram sem teto. Mas aí, começou a sumir mais gente. Toda semana. De noite. — Ele levanta o rosto coçando o pescoço grosseiramente.

— E a polícia não tá investigando? — O rapaz perguntou.

— Eles vieram aqui semana passada, anotaram os nomes e juntaram uns retratos de todo mundo que sumiu. Mas como não tinham pista de nada, eles foram embora rapidinho. — O homem bebe mais um gole da cerveja. — Nada em comum entre os desaparecidos. Só os primeiros que eram todos moradores de rua. Depois disso, nada.

— Sem rastros... — O jovem reflete. — Tem certeza que isso é tudo? — Ele pergunta.

Havia percebido desde o início quando tocou no assunto dos desaparecimentos que o homem estava incomodado. Não parecia algo simplesmente devido à preocupação com os moradores que sumiram.

Ele parecia aflito.

A porta do bar range, abrindo-se. O som da chuva invade o recinto, e junto a ela, o vento. Uma brisa seca.

Estranho. Como poderia?

"Um vento seco enquanto chove do lado de fora?" Pensou o rapaz.

Uma pessoa entra deixando a porta para trás entreaberta.

O som da chuva luta contra a música para tomar conta do bar.

O jovem rapaz observa a figura.

Alguém aparentemente vestindo uma capa de chuva preta toda molhada. Rosto coberto.

Esta pessoa se senta em uma das cadeiras numa mesa ao lado da porta, e em seguida põe uma garrafa de cor preta em cima da mesa.

Ninguém sequer se vira em sua direção.

O homem no balcão apenas segue abrindo garrafas de cerveja para os dois que seguiam discutindo. As outras pessoas nas mesas parecem nem sequer ter percebido que alguém havia entrado no bar.

— Só... — O homem começa a falar e para por um momento, chamando de volta a atenção do rapaz. — Humk- — Ele tosse pondo a mão na boca. — Foi mal. Teve só um caso que não virou notícia. Foi semana passada, logo depois dos policiais terem ido embora. 

Ele suspira fundo olhando para a mesa enquanto segura a garrafa de cerveja com as duas mãos. 

— Eu estava de saída da cidade à noite, parecia tudo normal. Mas, quando eu cheguei do lado daquele morro, comecei a ouvir um negócio estranho próximo do morro. Não conseg-Humk- — Ele engasga estranhamente por um momento com a voz, e limpa a garganta mais uma vez. — Desculpe, minha garganta está me matando desde a semana passada. Deve ser a cerveja. — O homem fala pegando a garrafa em cima da mesa e a virando de vez na boca, bebendo toda a cerveja que restava.

Ele tosse mais uma vez após isso.

Atrás dele, ao lado da porta, a figura com um capuz também recolhe a sua garrafa da mesa, a virando lentamente. Seu rosto ainda por ser descoberto. O capuz sequer vacilou por um momento, dando ao rapaz que o observava atentamente a um tempo nenhuma possibilidade de visualização de seu rosto.

O homem enfim volta a falar.

— Não consegui ver muito por conta das árvores na base do monte então ia seguir em frente sem prestar muita atenção a isso. Eu tava com a garganta meio inflamada esse dia, e nesse momento em específico ela coçou pra caramba, então, tirei a atenção da pista por um momento pra pegar a minha garrafa de água do lado do banco. 

Ele para mais uma vez, cruzando os dedos sobre a mesa de maneira inquieta. 

— E aí eu senti o caminhão balançar. Como se eu tivesse passado por cima de alguma coisa. Tomei um susto. Freei na hora e joguei pro acostamento. Desci num pulo de lá. Nem me preocupei que pudesse ser algum tipo de truque de ladrão, por que essas coisas não costumam acontecer por aqui. Andei na pista, prestando atenção em todos os lados, um pouco perturbado com a escuridão. Foi aí q-Hu-Humk- — O homem interrompe sua fala tendo um ataque de tosse repentino.

— Beba um pouco do meu suco. — O jovem oferece, empurrando a garrafa e o copo anteriormente colocado de canto pelo homem em direção a ele.

Ele enche o copo ainda tossindo ferozmente, e então bebe segurando a própria garganta.

O jovem observa atrás dele, novamente aquela figura aparentemente bebendo um pouco daquilo que continha na garrafa preta. Colocou a garrafa de volta na mesa, e então, virou seu rosto ligeiramente na direção da mesa do rapaz, ainda o mantendo coberto.

O rapaz então volta seu olhar para o homem na mesa que aos poucos se recompunha de sua crise de tosses.

Percebeu então, na garganta do homem, pouco acima do pomo, uma espécie de ferida. Um corte. Pardacento. Estranho.

A dúvida o tomou.

Aquilo estava ali antes?

— Você tem uma ferida no pescoço. — Disse o rapaz apontando.

— Ehrg- Eu devo ter me cortado fazendo a barba.- Caham- — Respondeu com uma voz rouca, ainda tossindo um pouco.

Tomou mais um copo do suco, e então, voltou a falar. Sua voz em um clima mais pesado. Um princípio de rouquidão. 

— Eu voltei na estrada a pé, e achei um rastro de sangue na pista que se arrastava em direção à base do monte. 

Sua fala parecia diferente, e a cada poucos segundos ele massageava um pouco o pescoço, como se sentisse um incômodo ao falar. Uma dor.

— Encarei aquela mata densa e olhei de volta pro caminhão. Resolvi seguir o rastro, e aí, quando já estava na entrada da mata e ainda não tinha visto mais nenhum sinal de qualquer coisa viva ou morta, foi que eu comecei a ouvir. Um som estranho que eu não conseguia perceber o que era. Era algo assim- Humk- como se alguém falasse enquanto coça a garganta.

Ele parece sentir algo na garganta de novo, pois para por um momento engolindo em seco, antes de massagear a garganta levemente e seguir falando.

O jovem também sente um incômodo quando uma brisa seca sopra em sua direção.

A porta do bar ainda estava um pouco aberta.

Ele engole um pouco de saliva para tentar aliviar o incômodo na garganta.

O jovem fita a figura mais ao fundo mais uma vez com os olhos semicerrados.

Parecia um murmuro. Algo baixo, como se sussurrasse.

— E aí eu segui o som, e poucos passos à frente eu vi. Era um homem deitado de bruços. — O homem volta a falar, sua voz rouca e um tanto pesarosa. — Lembro de sentir um nó na garganta à medida que me aproximava dele, como se um buraco crescesse no meu pescoço. Não conseguia acreditar que tinha atropelado alguém. Agachei ao seu lado e tentei virá-lo. Ele tremia e continuava fazendo aqueles sons estranhos. 

O jovem dividia a sua atenção entre prestar atenção no que o homem à sua frente o contava e tentar descobrir o que a figura mais ao fundo murmurava. Não conseguiu fazer o segundo, então se contentou em manter o foco no primeiro.

— A visão que tive quando o virei foi horrível. Seu rosto estava pálido, os olhos fundos e esbugalhados e a boca- — O homem arregala os olhos por um momento e o jovem o percebe respirando um tanto profusamente e franze um pouco os olhos. Ele leva as mãos ao pescoço mais uma vez. — A boca dele estava toda queimada, em carne viva até os dentes dele pareciam ter derretido. O pescoço dele também estava queimado mas estava ainda pior. Era um buraco como se queimado de dentro pra fora, todo pr-Kaham- todo preto e podre. A pele em volta ainda se mexia e eu pude ver umas cor-Kuhum- — Ele tosse, tirando a mão do pescoço. 

O jovem arregala os olhos. O corte antes pequeno no pescoço do homem agora estava grande e ia do topo do pescoço à base. Envolta dele não mais simplesmente escurecido. Estava preto. A ferida parecia aberta.

— A pele do pescoço se –Kohrhk- mexendo enquanto ele fazia aquele barulho bizarro e aí eu comecei a ouvir ma--Korgh- E aí-Humk- eu comecei a ouv-Kaham- — O homem sofre outro ataque de tosse.

O rapaz abre a boca, preocupado, e se levanta da cadeira.

O corte parece se mexer. Espasmos. A pele se mexe como se quisesse abrir. Um líquido estranho começa a sair dali.

Um líquido preto.

O jovem dá a volta na mesa correndo e o segura pelo ombro.

Os olhos do homem estão assustados, a tosse só piora. Antes seca, agora num baque molhado saindo de sua garganta. Um líquido preto começa a vazar do corte. Viscoso como lama. O homem se desespera e seus olhos reviram.

O jovem se vira para o resto do bar.

As outras pessoas no bar já se aproximavam com um olhar assustado.

É então que ele percebe. A mesa ao lado da porta. Vazia.

A porta arreganhada. Um vento seco invade o bar mais uma vez.

Ele corre em direção à porta e rapidamente pula para o lado de fora olhando para todas as direções.

Nada além da noite, chuva e de uma forte ventania.

As gotas caiam do céu direto no seu rosto. Seus ombros molhados subiram com um suspiro forte.

A noite o convida a voltar para o bar.

O jovem ouve um som estranho vindo de dentro e volta. Todos cercam a mesa em que ele estava.

Ele se aproxima e olha por cima do ombro de um dos homens do bar.

No chão um homem com olhos esbugalhados e fundos, lábios pretos e dilacerados, e uma perfuração na garganta. A pele enegrecida em volta e por dentro do buraco parecia dançar e querer se abrir ainda mais.

Suas cordas vocais, agora à vista, tremiam de maneira estranha e nojenta, espalhando ainda mais daquele líquido preto e lamacento em volta da garganta, produzindo um som único.

No peito do homem, suas mãos segurando a cruz que antes jazia em seu pescoço.

O jovem leva as mãos ao pescoço mais uma vez, o sentindo coçar.

 

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