Nas duas onzenas seguintes minha capa nova me manteve aquecido nas caminhadas ocasionais até Torrente, onde fracassei sistematicamente nas tentativas de encontrar Alys. Eu sempre tinha um pretexto para atravessar o rio: pegar um livro emprestado com a Devi, encontrar Augus para almoçar, tocar na Foles. Mas a verdadeira razão era Alys.
Kelvin vendeu o resto de meus emissores, e meu estado de humor foi melhorando com a cicatrização das queimaduras. Dispus de dinheiro para gastar com artigos de luxo, como sabonete e uma segunda camisa para substituir a que fora perdida.
Nesse dia eu tinha ido a Torrente comprar um punhado de limalha de bissal de que precisava para meu projeto em andamento: uma grande lamparina de simpatia que usaria dois emissores guardados por mim. Eu tinha a esperança de obter um bom lucro com ela.
Talvez pareça estranho eu ir constantemente comprar material para meus trabalhos de artífice do outro lado do rio, mas a verdade era que os comerciantes próximos da Academia se aproveitavam da preguiça dos alunos e aumentavam os preços. Para mim, a caminhada valia a pena se pudesse economizar alguns lumens.
Depois de terminar minhas compras, rumei para a Foles. Droch estava em seu posto habitual, encostado na porta de entrada.
— Andei ficando de olho, à procura da sua garota — informou-me.
Irritado com o tanto que eu devia parecer transparente, resmunguei:
— Ela não é minha garota.
Droch revirou os olhos.
— Certo. A garota. Alys, Alice, Alysson... seja lá qual for o nome que ela tem usado ultimamente. Não vi nem sombra dela. Andei até fazendo umas perguntinhas por aí, mas ninguém a vê há uma onzena inteira. Isso significa que provavelmente saiu da cidade. É o jeito dela. Alys faz isso pelo menor motivo.
Tentei não deixar transparecer meu desapontamento.
— Você não precisava ter se incomodado. Mas obrigado, assim mesmo.
— Não andei perguntando unicamente por sua causa — Droch admitiu. — Também tenho afeição por ela.
— É mesmo? — retruquei, no tom mais neutro que pude arranjar.
— Não me olhe desse jeito. Isto aqui não é uma competição — disse ele, com um sorriso torto. — Não desta vez, pelo menos. Posso não ser um de vocês, estudantes, mas sei ver a Lua numa noite clara. E sou esperto o bastante para não pôr a mão duas vezes na mesma fogueira.
Bastante embaraçado, esforcei-me para retomar o controle da minha expressão. Não costumo deixar as emoções desfilarem por meu rosto.
— Quer dizer que você e a Alys...
— O Radagon implica comigo até hoje por eu ter corrido atrás de uma garota com mais da metade da minha idade — disse ele, encolhendo timidamente os ombros largos. — Mas, apesar disso tudo, ainda gosto dela. Nos últimos tempos ela me lembra minha irmã caçula, mais do que qualquer outra coisa.
— Há quanto tempo a conhece? — perguntei, curioso.
— Eu não diria que a conheço realmente, garoto. Mas encontrei-a pela primeira vez, sei lá, há uns dois anos? Talvez não tanto, talvez um ano e pouco...
Droch passou as duas mãos pelo cabelo louro e curvou as costas num grande espreguiçamento, no qual os músculos dos braços transpareceram sob a camisa. Depois relaxou com um suspiro explosivo e olhou para a praça quase vazia.
— A portaria ainda vai levar horas para ficar movimentada. Que tal dar a um velho um pretexto para se sentar e beber alguma coisa? — perguntou, balançando a cabeça em direção ao bar.
Olhei para ele: alto, musculoso, bronzeado.
— Velho? Você ainda tem todos os cabelos e todos os dentes, não é? Quantos anos tem: 302?
— Nada faz um homem se sentir mais velho do que uma mulher jovem — respondeu ele, pondo a mão em meu ombro. — Vamos, compartilhe uma bebida comigo.
Dirigimo-nos ao longo bar de mogno e Droch foi resmungando enquanto examinava as garrafas:
— Cerveja embota a memória, conhaque a incendeia, mas o vinho é o melhor para os anseios de um coração ferido — disse. Fez uma pausa e se virou para mim, com o cenho franzido. — Não consigo me lembrar do resto. E você?
— Nunca ouvi isso antes. Mas o Preccam afirma que, de todas as bebidas alcoólicas, só o vinho se presta para a rememoração. Diz ele que um bom vinho faculta a clareza e a concentração, ao mesmo tempo que permite dar uma pequena coloração reconfortante às lembranças.
— É bom assim — comentou ele, vasculhando as prateleiras até tirar uma garrafa, levantá-la contra a luz e olhar através dela. — Vamos olhá-la sob uma luz rosada, certo?
Pegou duas taças e me conduziu a um reservado isolado num canto do salão.
— Quer dizer que você conhece a Alys há algum tempo — instiguei-o, enquanto ele servia em nossas taças um vinho tinto pálido.
Droch se encostou na parede.
— Dia sim, dia não. Mais não do que sim, para ser sincero.
— Como era ela nessa época?
Ele demorou um bom tempo ponderando a resposta, dando à pergunta uma consideração mais séria do que eu esperava. Tomou um gole de vinho.
— A mesma — disse, por fim. — Acho que era mais jovem, mas não posso dizer que pareça mais velha agora. Ela sempre me pareceu mais velha do que a idade que tinha... — Interrompeu-se e franziu o cenho. — Não velha, na verdade, mais...
— Madura? — sugeri.
Droch abanou a cabeça.
— Não. Não tenho uma palavra adequada para isso. É como quando olhamos para um carvalho grande e antigo. Não o apreciamos por ser mais velho do que as outras árvores, nem por ser mais alto. É só que há algo nele que falta às árvores mais jovens. Complexidade, solidez, importância. — Parou de falar e fechou a cara, irritado. — Ao diabo se essa não é a pior comparação que já fiz.
Um sorriso se abriu em meu rosto.
— É bom saber que não sou o único a ter dificuldade para defini-la em palavras.
— Ela não se encaixa muito em definições — concordou Droch, tomando o resto do vinho.
Pegou a garrafa e bateu como gargalo de leve em minha taça. Esvaziei-a e ele tornou a nos servir.
— Ela era igualmente inquieta e rebelde. Tão bonita quanto agora, propensa a nos encher os olhos de assombro e a fazer nosso coração vacilar — prosseguiu, tornando a dar de ombros. — Como eu disse, era basicamente a mesma. Voz linda, andar gracioso, língua afiada, objeto de adoração dos homens e desprezo das mulheres, em doses mais ou menos iguais.
— Desprezo? — perguntei.
Droch me olhou como se não compreendesse minha pergunta.
— As mulheres odeiam a Alys — disse sem rodeios, como se repetisse algo que ambos já sabíamos.
— Odeiam? — repeti. A ideia me deixou perplexo. — Por quê?
Ele me olhou com incredulidade, depois caiu na gargalhada.
— Santo Deus, você não entende nada mesmo de mulheres, não é?
Em condições normais, eu ficaria espinhado com um comentário desses, mas Droch só estava sendo afável.
— Pense bem. Ela é bonita e sedutora. Os homens se aglomeram à sua volta feito veados na berra — disse, e fez um gesto atrevido. — É fatal que as mulheres se aflitam.
Lembrei-me do que Leif dissera sobre o próprio Droch não fazia uma onzena: "Ele tornou a conseguir ficar com a mulher mais linda do lugar. É de deixar a gente com ódio de um homem."
— Sempre a achei muito solitária — comentei. — Talvez seja por isso.
Droch balançou a cabeça com ar solene.
— Isso é verdade. Nunca a vi na companhia de outras mulheres, e ela tem mais ou menos tanta sorte com os homens quanto... — Fez uma pausa, tateando em busca de uma comparação. — Tanto quanto... Diabos! — exclamou, com um suspiro de frustração.
— Bem, você sabe o que dizem: encontrar a analogia certa é tão difícil como... — Fiz uma expressão pensativa. — Difícil como... — prossegui, com um gesto desarticulado, como se tentasse apanhar algo.
Droch deu uma risada e nos serviu mais vinho. Comecei a me descontrair. Há um tipo de camaradagem que raramente existe, a não ser entre homens que lutaram contra os mesmos inimigos e conheceram as mesmas mulheres.
— Ela também costumava desaparecer naquela época? — indaguei.
Ele fez que sim.
— Sem aviso, apenas sumia de repente. Ora por uma onzena, ora por meses.
— "Não há maior inconstância no voo que a do vento ou a do capricho feminino" — citei. Pretendia que fosse um comentário meditativo, mas ele saiu amargo. — Você tem algum palpite sobre a razão disso?
— Andei pensando nisso — disse Droch, com ar filosófico. — Em parte, acho que é da natureza dela. Pode ser que ela apenas tenha sangue de andarilho.
Minha irritação esfriou ainda mais ante essas palavras.
Nos tempos da trupe, às vezes meu pai nos fazia levantar acampamento e deixar uma cidade, apesar de sermos bem recebidos e de haver plateias generosas. Depois, muitas vezes me explicava seu raciocínio: um olhar furioso do guarda da cidade, um excesso de suspiros encantados por parte das jovens senhoras da cidade...
Às vezes, no entanto, ele não tinha nenhuma razão para dar. "Nós, os Therion, fomos feitos para viajar, filho. Quando meu sangue me diz para partir, sei que devo confiar nele."
— É provável que a situação dela seja responsável pela maior parte — continuou Droch.
— Situação? — indaguei, curioso.
Alys nunca falava do passado quando estávamos juntos, e eu sempre tomava o cuidado de não pressioná-la. Sabia como era não querer falar muito do passado.
— Bem, ela não tem família nem meios de sustento. Não tem velhos amigos capazes de tirá-la de um aperto, se surgir a necessidade.
— Também não tenho nenhuma dessas coisas — resmunguei, já meio alterado por causa do vinho.
— Há mais do que uma pequena diferença nisso — retrucou Droch, com um toque de censura. — O homem tem inúmeras oportunidades de construir seu caminho na vida. Você arranjou um lugar na Academia, mas, se não o tivesse feito, ainda teria outras opções. Que alternativas tem uma jovem bonita e sem família? Sem dote? Sem casa?
Começou a contar nos dedos:
— Ela tem a mendicância e a prostituição. Ou ser amante de um grande senhor, o que é uma fatia diferente do mesmo pão. E sabemos que a nossa Alys não tem índole para ser tida e mantida, nem para ser concubina de ninguém.
— Há outros trabalhos que se pode fazer — objetei, também começando a contar nos dedos. — Costureira, tecelã, criada...
Droch bufou e me lançou um olhar de nojo:
— Ora, vamos, guri, você é mais esperto que isso. Sabe como são esses lugares. E sabe que uma moça bonita e sem família acaba sendo tão explorada quanto uma prostituta e recebendo menos pelo aborrecimento.
Enrubesci com essa recriminação, mais do que me aconteceria normalmente, já que sentia os efeitos do vinho. Ele estava deixando minha boca e a ponta dos dedos meio dormentes.
Droch tornou a encher nossas taças.
— Ela não deve ser desprezada por ir para onde o vento a leva. Tem que aproveitar as oportunidades quando as encontra. Se tem uma chance de viajar com um sujeito que gosta do seu jeito de cantar, ou com um comerciante que espera que sua carinha bonita o ajude a vender sua mercadoria, quem pode censurá-la por levantar acampamento e sair da cidade? E, se ela joga um pouco com seus encantos — prosseguiu, encolhendo os ombros largos —, não vou desprezá-la por isso. Os jovens cavalheiros a cortejam e lhe compram presentes, vestidos, joias. Se ela vende essas coisas para ganhar dinheiro com que viver, não há nada de errado nisso. Os presentes lhe são dados livremente, e ela pode fazer deles o que bem entender.
Droch cravou os olhos em mim e continuou:
— Mas, o que ela há de fazer, quando um cavalheiro toma liberdades demais, ou quando se zanga por lhe ser negado aquilo que ele considera ter comprado e pago? Que recurso tem ela? Sem família, sem amigos, sem posição. Sem escolha. Nenhuma alternativa senão entregar-se a ele, mesmo a contragosto... — o rosto de Droch se entristeceu — ...ou ir embora. Partir depressa e procurar outras paragens melhores. Por acaso é de admirar que seja mais difícil por as mãos nela do que numa folha carregada pelo vento?
Balançou a cabeça e baixou os olhos para a mesa.
— Não, eu não invejo a vida dela. E não a julgo — acrescentou.
O discurso parecia tê-lo esgotado e ele fez um ar meio constrangido. Não levantou os olhos ao falar:
— Apesar disso tudo, eu a ajudaria, se ela deixasse — declarou. Olhou-me de relance e me deu um sorriso tristonho. — Mas ela não é do tipo que admita dever nada a ninguém. Nem uma moedinha. Nem um fio de cabelo — concluiu.
Deu um suspiro e verteu em partes iguais as últimas gotas do vinho em nossas taças.
— Você me fez vê-la sob um novo prisma — comentei, em tom sincero. — Sinto vergonha de não ter percebido por mim mesmo.
— Bem, levei vantagem em relação a você — disse Droch com simplicidade. — Eu a conheço há mais tempo.
— Mesmo assim, eu lhe agradeço — afirmei, erguendo a taça.
Ele fez o mesmo.
— À Alicent — disse. — A mais encantadora.
— À Alys, repleta de alegria.
— Jovem inflexível.
— Luminosa e pura.
— Sempre buscada, eternamente só.
— Tão sábia e tão tola. Tão alegre e tão triste.
— Deuses dos meus pais — rogou Droch, reverente —, conservem-na sempre assim: imutável, inacessível à minha compreensão e protegida dos perigos.
Ambos bebemos e baixamos nossas taças.
— Deixe-me pagar a próxima garrafa — pedi.
Isso reduziria a linha de crédito que eu vinha acumulando lentamente no bar, mas me descobri gostando cada vez mais de Droch, e a ideia de não lhe retribuir a gentileza me era irritante demais para considerar.
— Pelos rios, pedras e céus — praguejou ele, esfregando o rosto. — Não me atrevo. Mais uma garrafa e acabaremos cortando os pulsos no rio antes que o sol se ponha.
Fiz sinal para uma das moças que serviam as mesas.
— Bobagem. Só vamos passar para uma coisa menos sentimental que o vinho.