Jantar com o demônio

Todos exorcistas estavam boquiabertos, a cena diante deles era inimaginável, o prodígio dito ser capaz de superar Vasco Strada, um exorcista capaz de lutar e quase vencer um anjo caído, Kokabiel, em sua juventude, porém agora ele estava caído no chão cuspindo sangue e sua cabeça sendo esmagada por uma garota muito mais nova que ele, que o venceu de mãos vazias demonstrando sua superioridade.

"Você prefere que eu corte seu braço ou a perna?", as palavras de Chloe tirou a plateia de seus devaneios, não foi pelo horror de suas palavras ou por ela ter um sorriso ameaçador em seu rosto, mas pela alegria que sentiram, todos os presentes em algum momento sofreram nas mãos de Freed, principalmente as mulheres que constantemente são assediadas, "Corta o pau dele!", gritou alguém muito indignado no meio da multidão, provavelmente uma de suas vítimas, apenas a voz grossa e masculina não pode ser identificada.

"É melhor você escolher ou posso considerar dar um show ainda melhor para nossos fãs", disse a garota pressionando a espada no traseiro de Freed que não estava mais raciocinando corretamente, "Vamos facilitar, vou contar até três e se você não escolher, cortarei tudo", disse ela sentindo uma euforia tomar conta de seu corpo.

A espada na mão de Chloe não tem nada de especial, o metal é ferro, seu designer é simples, bainha de madeira sem detalhes desnecessários e finalmente o único reforço mágico na lamina é para aumentar sua durabilidade, além dela ser apenas um pouco mais afiada que uma faca de cozinha, diferente da vez em que ela cortou o braço de Yan o mais rápido e limpo possível, agora causar dor a Freed é o seu objetivo.

"Um!", ela falou em um tom mais alto, lentamente, aproveitando cada momento, o desespero, o nojo, a fragilidade, cada detalhe que o rosto de Freed disponibiliza era monitorado por Chloe, até mesmo o batimento cardíaco não passa despercebido.

"Dois!", ela seguiu o mesmo padrão vocal e aproveitou para preparar a carne antes do churrasco perfurando o braço direito e a perna esquerda do cadáver, os ferimentos são superficiais, porém graças a maldição o sangue vermelho ficou negro e um leve cheiro de podridão exalou, enquanto Freed debatia-se no chão.

"até por dentro você é podre, três!", ao fim da contagem a expressão zombeteira de Chloe sumiu revelando um olhar calmo e sereno, ela segurou a espada utilizando ambas as mãos em pose de batalha frente ao torso e a levantou sobre a cabeça lentamente e foi interrompida pelas palavras entre soluços do pedaço de merda, "a perna... hik... corta a perna...", a perda de uma perna é um cenário ruim, porém com o treinamento adequado uma prótese seria fácil voltar ao auge ao contrário de seu braço dominante que jamais teria a mesma capacidade, mesmo com uma prótese.

"Tudo bem, mas eu só perguntei por curiosidade mesmo, nunca disse que cortaria o membro de sua escolha", os lábios de Chloe tremeram por um momento por segurar a vontade de sorri, atrapalhando sua concentração, uma lâmina comum poderia facilmente quebrar ou ficar cega ao atingir um osso, a principal o utilidade de lâminas é causar cortes e perfurações, não ser usada separar membros, apesar que tendo certo grau de maestria torna-se possível faze-la facilmente.

Ao escutar as palavras dela Freed esticou seu braço direito tentando alcançar a Excalibur próxima a ele sem sucesso, facilitando o trabalho da garota, "espero que nunca esqueça de mim", falou Chloe e golpeou o braço do exorcista, três vezes até conseguir separa-lo de seu ombro deixando apenas um pedaço do antebraço pendurado que Yan rapidamente congelou para estancar o sangramento e dispersou a maldição, sendo sua criação era simples de anular.

Freed já não estava mais entre eles, pois desmaiou de perda de sangue e dor e sua vida ainda estava em perigo e Yan não iria curar ele, pois esse foi o resultado de suas ações, além de não valer a pena demonstrar um de seus trunfos tão cedo, o Peão Fênix capaz até mesmo regenerar membros superior as lágrimas da fênix que em seu potencial máximo pode reimplantar membros perdidos.

"Rápido levem ele para a Santa o curar, rápido!", disse um dos espectadores com um sorriso no rosto, mesmo esse sendo um momento de felicidade e euforia, ainda não poderia deixar um exorcista morrer assim. Um grupo de três homem e uma mulher carregaram Freed de qualquer jeito, tempo era um luxo que eles não tinham tempo suficiente para gastar pensando em seu bem estar, poucos souberam, mas no caminho Freed caiu algumas vezes no chão acidentalmente.

"Eles esqueceram do braço, vou levar", disse um dos homens que estavam assistindo a luta, andou em direção ao braço próximo aos pés de Chloe, "Eu disse com todas as palavras, esse braço é uma compensação", ela puxou o braço ensanguentado do chão não deixando ninguém o pegar, "Yan, você pode congelar? Quero guardar de recordação", disse ela se dirigindo ao seu mestre, usando sua arma secreta, olhos de cachorrinho e ele apenas suspirou em derrota e congelou o braço direito de Freed em uma massa de gelo transparente.

"Aqui está, volte e descanse, você se saiu bem", Yan deu o bloco de gelo para ela e acariciou os seus cabelos, antes de dar um leve beijo na testa da garota. O estado de Chloe não é grave, mesmo tendo incontáveis cortes pelo corpo deixando a roupa da garota em trapos, porém ela utilizou muito mais poder mágico que o necessário para localizar Freed e copiar a maldição feita por Yan a deixando em um estado grave de exaustão, "Legal!", disse ela acariciando seu prêmio antes de dar um selinho em Yan, "Me chame quando chegar ao céu", foram suas últimas palavras antes de desaparecer de volta a Avalon.

O corpo de Chloe é especial, sendo o de um espirito heroico, mais especificamente de um espirito heroico tendo a mais alta afinidade com espadas, além de ter sido sincronizada, ou aprisionada, na Sword Birth de Yan, por isso ela foi capaz de amaldiçoar o próprio corpo sem ser afetada pela maldição. "Quem diria, ela poderia usar a maldição assim", Yan pensou, afinal jamais poderia fazer o mesmo que ela, não por ser inferior a Chloe, mas por achar confortável, divertido e interessante utilizar armas, além de ser muito mais atraente e elegante.

"Você pode sair agora, afinal esteve observando tudo desde o início", disse Yan em direção ao vazio deixado pela destruição causada por Freed onde Chloe estava sentada próximo ao parapeito. Uma figura monstruosa surgiu, mais de dois metros de altura, corpo extremamente musculoso e careca, usando uma longa veste clerical branca, todos os presentes conheciam a figura, Vasco Strada o portador da espada sagrada Durandal que se diz ser o mais próximo de Rolland o portador original.

"buona notte, jovem demônio, meu nome é Vasco Strada, que bela luta eu presenciei", disse o senhor de dois metros de altura sorrindo, tendo o rosto com os sinais claros de idade, rugas e pés de galinha, além de ser careca. Apenas a sua mera presença é dominante, mesmo tendo uma aura de paz que o envolve, e todos os exorcistas fizeram uma leve reverência em respeito ao "ancião", menos Yan, desde o dia que resolveu dedicar-se a refinar o potencial de suas garotas sua vaidade se estendeu a elas e apesar de saber muito sobre o senhor que o estava encarando fazer uma reverência poderia sujar a imagem de Chloe.

"Boa noite, sou Yan Zollen, posso perguntar o motivo para não ter parado Chloe?", disse Yan com os olhos semicerrados observando as expressões faciais do velho, já que no início do combate, no momento que Chloe esquivou do primeiro golpe, por um instante houve uma explosão de poder quase imperceptível, porém sumiu após a esquiva, provavelmente ele não conseguiu analisar seu poder antes dela demonstrar esquivando, tudo isso sendo apenas suposição do garoto.

"Então você percebeu, era uma luta justa e ela apenas pegou algo que ele concordou em ceder quando iniciou a luta, apesar de não gostar de ver o derramamento de sangue entre semelhantes", disse o senhor demonstrando um pouco de tristeza real ao olhar para a destruição e sangue causado por duas ovelhas de Deus.

Yan não interrompeu e esperou pacientemente Vasco retornar sua atenção a ele o que não demorou muito, "Jovem, você é impressionante, me notou mesmo eu tendo me revelado apenas por um curto período de tempo, nosso senhor deve estar orgulhoso de sua escolha", disse ele ainda triste, mas um pouco esperançoso pelo futuro que o escolhido de Deus poderia guiar a todos, ele lentamente aproximou sua mão direita em direção a cabeça de Yan e acariciou o mais delicadamente possível para não feri-lo, visto que a mão dele é maior que a cabeça do jovem, Yan se encolheu ao sentir que poderia ser violado a qualquer momento, não é uma sensação boa ser acariciado por um velho que acaba de conhecer, ainda mais dentro de uma igreja.

"Você pode parar?", Yan disse criando uma espada muito pequena, um pouco maior que uma agulha, para espetar a mão do senhor que o estava acariciando, porém a mesma quebrou ao entrar em contato com a pele dele, "Hoho, faz muito tempo que ninguém me faz cócegas", riu o velho e retirou sua mão. Yan estava chocado, apesar de ser uma espada simples, o material base da projeção era aço reforçado inúmeras vezes e o ver sendo quebrado tão facilmente não era algo que pudesse ser aceito facilmente, ferindo seu orgulho, um pouco, existiam materiais muito melhores em seu arsenal, sendo um deles os originais da armadura do Archer que foi memorizado.

"Que tal tomarmos um chá? Miguel vai demorar um pouco para aparecer, fui informado que Gabriel largou os seus deveres e foi visitar um dos orfanatos do vaticano depois de receber um chamado diretamente de Serafina", disse ele acariciando uma barba imaginaria, "Vamos?", repetiu o convite e apontou para uma área não destruída para sentarem.

"Claro, mas pode me dar suco? Não gosto de Chá ou Café���, Yan o seguiu em direção a mesa e sentou-se em uma cadeira ao contrário do ancião que sentou de pernas cruzadas no chão, por causa de seu grande físico poucos assentos poderiam ser usados por ele sem quebrar ou mesmo incomodar por ser muito pequeno. Não demorou para um atendente vir atender em ambos fazerem seus pedidos, com Yan pedindo um suco de laranja e surpreendentemente um hambúrguer e Vasco apenas o de sempre, um chá de ervas medicinais.

O serviço do vaticano era muito mais rápido que muitos Fastfood mundiais o hambúrguer que Yan pediu ficou pronto em menos de cinco minutos, a aparência comum do hambúrguer era decepcionante, porém o aroma apimentado fez o garoto salivar, principalmente pela fome, haja vista que passou o voo todo dormindo e não teve chance de lanchar por causa da piada vergonhosa de Miguel.

"Então você queria falar sobre algo específico?", Yan perguntou curiosamente, não é todo dia que um dos humanos mais poderosos existentes estava livre para conversar com um demônio. O velho refletiu por um tempo apreciando sua xícara de chá antes de olhar seriamente nos olhos de Yan, "sane a dúvida de homem que está em seus últimos dias de vida, qual a sua opinião sobre nós humanos?", perguntou ele, e no fundo de seus olhos poderia ser visto um leve brilho de juventude, algo que apenas uma criança que descobriu algo novo poderia demonstrar.

"Os humanos", Yan iria falar sinceramente os pensamentos que vieram a sua cabeça, mas foi interrompido por Vasco, "Reflita um pouco antes de responder, gostaria de algo sincero", a voz rouca e lenta dele fizeram as palavras carregarem um peso invisível que forçou Yan a realmente refletir sobre o assunto durante alguns minutos.

"Eu não me importo com os humanos, eles são apenas uma raça fraca e inútil que serve de gado para demônios que estão certos em fazer uso de um lixo ainda pior que a gente para diversão", disse Yan com um rosto sério e decidido, não havia mentiras em suas palavras ou dúvida em sua voz, pela primeira vez ele disse algo sem se importar em manter a relação de paz com a igreja.

"Humanos destroem seu próprio planeta apenas por ganância, são burros e não consegue eleger lideres decentes, incapazes de conviver em sociedade sem criar conflitos desnecessários, são piores que nós demônios, o mundo provavelmente seria um lugar melhor sem a existência deles", Yan nem percebeu que em algum ponto o copo em sua mão quebrou e o sangue escorreu lentamente, sujando a mesa com suco e sangue.