A luz da manhã filtrava-se pelas janelas altas, iluminando as paredes antigas da casa de Vicente Montenegro. O cheiro de café recém-passado se espalhava pelo ambiente, misturando-se com a poeira do tempo que parecia ter congelado ali, entre os móveis envelhecidos e os quadros que emolduravam memórias de um passado distante. No entanto, nada parecia mais distante agora do que os tempos simples de sua vida anterior.
Vicente ainda estava na sala, de frente para a janela, os pensamentos tumultuados. Ele tentava compreender o que Ernesto havia dito: seu pai, Santiago Montenegro, o homem que ele nunca conheceu, estava envolvido com uma das famílias mafiosas mais poderosas dos Estados Unidos. A revelação ainda parecia irreal, como se o chão debaixo de seus pés estivesse prestes a ceder. Ele olhou para o campo lá fora, seu refúgio de sempre, mas até o vasto horizonte parecia ter se distorcido.
— Não pode ser verdade — murmurou para si, fechando os olhos por um momento.
Quando os abriu, viu Ernesto à sua frente, como se o próprio homem tivesse saído de suas dúvidas e se materializado diante dele.
— Você tem que entender, Vicente — disse Ernesto com um tom grave. — Santiago Montenegro não era apenas um nome, ele era uma lenda. E não há como escapar disso agora. Não tem como fugir da sua história.
Vicente deu um passo para trás, sentindo uma pressão no peito, como se o ar tivesse se tornado mais denso.
— Eu... eu não quero me envolver nisso, Ernesto. — Sua voz falhou. — Eu só quero viver em paz, cuidar da minha fazenda, do meu negócio.
Ernesto suspirou longamente, como se já esperasse essa reação.
— Você não pode fugir do seu destino, Vicente. O sangue de seu pai corre em suas veias e, cedo ou tarde, isso vai te alcançar.
Antes que Vicente pudesse responder, a porta da sala se abriu com um rangido baixo. Uma figura familiar entrou, com passos firmes e decididos. Era Maria Augusta, sua mãe. Ela parecia mais velha naquele momento, a expressão marcada por algo que Vicente não conseguia compreender.
— Mãe... o que está acontecendo? — Vicente perguntou, a voz trêmula. — Ernesto está dizendo que meu pai era... era um mafioso. Como isso pode ser verdade? Eu... eu nunca soube de nada.
Maria Augusta se aproximou lentamente, seus olhos carregados de uma tristeza profunda. Ela olhou para Ernesto e depois para Vicente, com uma expressão que mesclava culpa e dor.
— Eu sabia que esse dia chegaria — disse, sua voz baixa, quase um sussurro. — Eu sabia que, cedo ou tarde, você iria descobrir.
Vicente sentiu um frio percorrer sua espinha.
— Você sabia? — repetiu, mais para si mesmo. — Por que nunca me contou, mãe? Por que me manteve no escuro?
Maria Augusta respirou fundo. Pela primeira vez, Vicente viu a mulher que sempre fora tão firme e inabalável agora tão vulnerável.
— Porque eu queria te proteger, meu filho. Eu queria te dar uma vida simples, longe de tudo isso. Mas a verdade... a verdade não pode ser ignorada para sempre.
Ela fez uma pausa, reunindo forças para continuar.
— Santiago Montenegro não era apenas seu pai. Ele era alguém temido por muitos, mas também alguém que fez escolhas... escolhas terríveis. Ele se envolveu com a máfia e, por anos, nós vivemos sob o peso desse segredo.
Vicente olhou para ela, ainda incapaz de processar o que estava ouvindo.
— Então... por que nunca me disse nada sobre ele? Você me escondeu tudo isso.
Maria Augusta baixou os olhos, a dor visível em seu rosto.
— Eu não queria que você tivesse que carregar esse fardo. Eu queria que você tivesse uma chance de escolher sua própria vida, sem as sombras do passado. Mas a vida nunca é tão simples, não é? Eu sabia que, uma hora, você teria que enfrentar a verdade.
Vicente caminhou até a mesa, o corpo pesado, os olhos fixos nela.
— Você está me dizendo que meu pai... meu pai estava envolvido com a máfia, com crimes, com morte? Ele era um monstro?
Maria Augusta ergueu o olhar, lágrimas nos olhos.
— Não, meu filho. Ele não era um monstro. Mas ele cometeu erros... e esses erros foram mais fortes que ele. Ele se perdeu nesse mundo. Quando você era pequeno, eu decidi que não iria deixar isso te atingir. Ele se afastou, mas a máfia nunca se afastou dele.
Ernesto, que até então se mantinha em silêncio, finalmente falou.
— Santiago Montenegro não era só um nome grande no crime, Vicente. Ele era parte de uma rede internacional de tráfico, lavagem de dinheiro e extorsão. Ele era o braço direito de um dos maiores chefões da máfia. Quando ele desapareceu, a máfia ficou em alerta. E agora, Vicente, você está na linha de frente, sem nem saber.
Vicente ficou em choque. Cada palavra parecia um golpe em sua mente. Ele olhou para Ernesto, depois para sua mãe.
— Eu... não posso... Eu não posso me envolver nisso. Eu não sou meu pai.
— Você não é — respondeu Maria Augusta, pegando sua mão com firmeza. — Mas o legado dele nunca vai desaparecer completamente.
— Então o que eu faço agora? — perguntou Vicente, a voz falhando.
Maria Augusta o encarou com uma expressão sombria.
— Qualquer decisão que você tomar a partir daqui, meu filho, vai definir quem você é.