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Inkognitos Vasiliev

Quando se deu conta de onde estava a claridade feriu seus olhos, o cheiro de maresia invadiu suas narinas, estava vivo, sobreviveu milagrosamente ao golpe do lorde louva-deus. Mas como? Aquela lâmina esverdeada havia o atravessado...

O teto de carvalho escuro era familiar, o Tríade? Como o trouxeram para cá rápido o bastante para que a ferida fosse estabilizada? A superfície onde estava deitado era bastante confortável, o suficiente para prende-lo alí por algum tempo, isso até sentir uma forte dor na barriga que o fez se levantar as pressas e jogar os lençóis que o cobriam de lado.

Seu exoesqueleto não estava presente, isso explicava a estranha sensação de estar pelado, seu ferimento estava enfaixado, o sangue manchava as bandagens, ainda estava molhado o que indicava que haviam sido postas recentemente.

Mas aquela não era a dor de um corte, era de uma queimadura bastante recente.

A lâmina tinha acertado um pouco abaixo do umbigo, a centímetros de qualquer órgão importante, pela sorte do Tecelão, pois alguém havia cauterizado a ferida, provavelmente atravessando uma lâmina quente na ferida.

-O senhor tem muita sorte.-O rosto sorridente de Inko apareceu sentado na cama ao seu lado.

-Se tivesse me avisado eu não precisaria de sorte.-A voz saiu rouca quando V rasgou a própria garganta tentando falar.

-Se eu dissesse que nem mesmo eu percebi que aquilo era uma ilusão, o senhor acreditaria?

-Nem por um segundo, mas falamos disso depois.-Tentou se levantar mas em um passo a ferida ardeu mais ainda o fazendo tropeçar e cair de joelhos.-Merda!

Ele teve que pressionar seu ferimento em uma tentativa fútil de amenizar a dor. Frustração e raiva, era tudo que ele sentia agora, raiva de Wallace por tê-lo enganado e raiva de si mesmo por ter caído em uma ilusão tão óbvia e perdido a chance de acabar com ele alí mesmo. Ele já devia estar longe agora.

-A Astrid surtaria se me visse assim...

-Ela surtaria muito mais se o senhor tivesse morrido, agradeça que ela não tenha que sentir tamanha dor.-V fitou aquele rosto por longos segundos, aquela gargalhada eterna, se ele não fosse um aliado, com certeza seria alguém amedrontador.

-É, acho que é melhor ver as coisas de uma maneira mais otimista, estou vivo, e é isso que importa.-Ao se levantar, várias coisas passavam por sua cabeça, mas uma em particular era mais importante.-A carta do Dracula, ainda está inteira?

-Sim, está no que restou da sua túnica.

-O que restou?-Inko apontou para um canto na sala, os trapos rasgados e sujos de sangue do que antes era a elegante túnica branca e dourada estavam espalhados pelo chão.-Mas que caralho, por acaso sabem o quanto é difícil fazer roupas com quatro mangas?

V cambaleou até o outro lado da sala quase tropeçando nas próprias patas pelo caminho, o vento que entrava pela janela acariciando gentilmente sua pele desprotegida, essas eram as únicas vezes em que ele(e qualquer outro Tecelão)se sentiam nús, quando estavam sem seus exoesqueletos.

Essa, aliás, era uma de suas maiores dúvidas, como conseguiram tirar sua segunda pele? E como tantas outras perguntas, essa continuaria sem uma resposta.

-Por sorte a capa continua intacta.-Inko observou enquanto acompanhava os passos dele.

-Pelo menos isso, quando bater um vento e ela começar a balançar eu vou ficar muito foda.

V não havia percebido que naquele instante, mesmo que só por alguns segundos, o adolecente dentro de si acabou se mostrando pela primeira vez em anos. Ele jamais mostrou interesse pelas trivialidades que outras pessoas da sua idade se interessavam, na verdade, rir e fazer piadas era algo que ele raramente fazia, e como não seriam? Quando alguém passa pelo o que ele passou, não encontra muitos motivos para sorrir.

Esse momento de saída do personagem, porém, durou apenas um pequeno instante, como uma pequena anomalia no universo, tão imperceptível que nem mesmo os olhos atentos do Dr. Inko foram capazes de captá-lo, e tão breve quanto veio, essa anomalia desapareceu assim que o Tecelão colocou suas mãos na carta ainda selada do conde Dracula.

O que quer que estivesse escrito ali, era muito importante, Dracula não escreveria a um mortal se não fosse. Ao abrir a carta porém, uma pequena mensagem foi o que encontrou, palavras tão simples e tão complicadas ao mesmo tempo: "Annilia foi o começo e o fim, o sangue de inocentes mancha sua terra, o tirano Ezequiel ainda ronda aquele lugar amaldiçoado. Não deixe que escondam a verdade, pois essa história foi o fim de milhões, e muitos outros milhões verão seu fim se a verdade não vir a tona."

-Ezequiel? Um tirano?-Inko conhecia aquele nome, mas vê-lo associado a tirania...

-Quem é Ezequiel?-V achou pertinente perguntar, aquela carta parecia mais um aviso do que uma simples mensagem, e se Dracula lhe disse para encontrar a verdade, quem seria ele para desobedecer?

-O rei de Annilia, a criatura que descobriu o segredo do abismo.

-Dracula disse que ele era um tirano, mas na versão que ouvi ele era um rei benevolente, em qual das histórias devo acreditar?

-Eu... Eu não sei...

-Não sabe? Você parecia saber bastante sobre todas as três dimensões, por que logo agora você parece tão confuso?

-Tudo que eu sei eu li nos registros, existem arquivos intermináveis na máquina das El Clonado, é de lá que tirei todo o meu conhecimento.

-Como teve acesso à máquina Inko? Ela não está escondida no esconderijo das El Clonado?

-A máquina é formada por duas cápsulas, uma delas extraí mana e a outra armazena, mas pra que toda a energia seja armazenada de maneira segura alguém deve servir como catalisador e é aí que eu entro, meu corpo está agora na cápsula armazenando quantidades exorbitantes de mana.

-Então você está ajudando o inimigo?

-Não voluntariamente, elas não sabem que meu corpo está na máquina e até que alguém me tire de dentro dela a máquina vai continuar a usar me usar, a única coisa que posso fazer nesse estado é me comunicar com quem está lá fora.

-Por que não me contou isso antes?

-O senhor nunca perguntou.-Inko respondeu dando de ombros.

V ponderou por algum tempo, isso explicaria como Verônica sabia de toda aquela história, mas se nem mesmo ela sabia da verdade, alguém devia ter escrito essas informações e pintado Spiralla como a raíz de todo mal propositalmente, o que fazia concluir que o próprio Ezequiel construira aquela máquina em alguma trama maior e se Inko está na máquina...

-Quem você é realmente Inko? Como posso saber se você é realmente confiável?

-Nem mesmo eu sei senhor V, eu não tenho memória alguma de quem eu era antes de estar naquela máquina...

"Um dia eu simplesmente acordei lá dentro sem memória alguma, no frio, na neve, fui desenterrado junto com a máquina a vinte anos atrás por uma equipe científica russa, eles me levaram para um laboratório onde começaram a fazer experimentos na máquina, o líder da pesquisa era um homem chamado Inkognitos Vasiliev, ele foi o primeiro a descobrir a minha presença na máquina. Nós conversamos todos os dias, ele me ensinou tudo o que sabia sobre a magia e prometeu que me tiraria de lá, os anos foram se passando e cada vez mais eles avançavam na pesquisa para me tirar de lá, eu já tinha me tornado amigo de todos alí, sabia seus nomes, suas histórias de vida, eu me importava com todos eles e em especial o Inkognitos, ele era meu melhor amigo.

Um dia, todos eles pareciam mais agitados do que o normal, começaram a queimar documentos, apagar arquivos e destruir os computadores de maneira frenética, eu perguntava o que estava acontecendo mas nenhum deles me respondeu, foi então que eu escutei o som de tiros e gritos de pavor, Inkognitos apareceu na sala coberto de sangue e segurando uma arma, ele estava cambaleando até mim, ele colocou a mão ensanguentada na cápsula antes de dizer: Aconteça o que acontecer, não deixe que descubram que você está aí dentro.

A sala foi invadida e os tiros continuaram, um a um, eu vi meus amigos sendo mortos sem poder fazer nada, até que só Inkognitos sobrasse, sentado ao pé da minha cápsula, perdendo muito sangue e apontando sua arma para uma das invasoras que se aproximava, eu ouvi ela dizer: Me conte o que tem na máquina e eu mando cuidarem dos seus ferimentos.

Ouvi um disparo, mas não foi direcionado a nenhuma delas, mas sim a ele mesmo, Inkognitos Vasiliev tirou a própria vida para que as El Clonado não me descobrissem, no final, elas me levaram mesmo assim, enquanto eu era forçado a olhar os cadáveres dos meus amigos sem poder fazer nada a respeito, sem poder gritar, sem poder lutar contra elas..."

V ouviu Inko contar tudo sem dizer uma única palavra, ao final, mesmo estando abalado, tudo o que ele conseguiu proferir foi:

-Sinto muito...