Capítulo 10: Ascensão

Acordei animado. Hoje seria o dia que finalmente me recompensaria pelo esforço que fiz durante todo esse tempo. É claro, ainda há muito pela frente, mas marcos sempre são pontos importantes.

Saltei da cama e andei rapidamente em direção ao cômodo principal da caverna, era lá onde Crzeck geralmente estava. Os ingredientes que ontem estavam espalhados pela mesa, agora estavam misturados em dois recipientes. E meu mestre, estava terminando de desenhar círculos mágicos desconhecidos no chão.

─ Como estão as coisas?

─ Muito em breve começaremos. Beba a mistura que está dentro do copo.

Pensei por um momento que seja lá o que estivesse dentro daquele copo, seria gostoso. Me enganei. Aquele líquido parecia ter o gosto da própria morte, era um sabor indescritivelmente ruim. E como consequência, meu corpo tentou jogá-lo para fora tentando me fazer vomitar. Crzeck usou magia para selar minha boca e me obrigar a beber aquilo, foi duplamente ruim, porque agora tinha gosto de vômito também.

─ Se você cuspisse, seriam mais 2 meses para encontrar os ingredientes. Pare de ser criança e engole isso.

Depois de ter sentido o gosto do inferno, me encostei na parede e fiquei observando ele enquanto dava os toques finais no círculo mágico.

─ Me fala mais sobre a ascensão. Como funciona? Tem algum risco?

─ É claro que há risco. Tudo na vida tem. O mais raro, mas que acontece, é a Morte. Sobre como funciona, é basicamente um mistério. Esse é o tipo de coisa que existe há tanto tempo que ninguém sabe o porquê e só prosseguem com o uso ou então contam lendas por aí de como isso começou.

─ E você acredita em alguma?

─ Eu acredito na lógica. Estou vivo há milhares de anos, isso me levou a descobrir em parte como o nosso universo funciona e como a magia se comporta ao redor dele. Você pode se considerar sortudo, a esmagadora parte da população não faz nem ideia disso. Enfim, acredito que o universo tenha abençoado algumas pessoas com conhecimento para fazer uso das afinidades e elas passaram isso para frente.

─ Faz sentido. Outra coisa, você sempre cita o universo como uma entidade, mas e se existirem Deuses por trás disso tudo?

─ É possível. Lendas podem ser mentiras, meias verdades ou verdades que ninguém acredita. Até hoje, nunca fui capaz de entrar em contato com o que quer que exista além do universo. Prefiro acreditar que ele funciona como uma máquina.

─ Se for assim, há alguma forma de interrompê-lo ou prejudicá-lo?

Assim que terminei de falar, senti um desconforto forte no meu núcleo de mana e não entendi o motivo. Esperei alguma resposta de Crzeck mas somente o silêncio prevaleceu. Não muito tempo depois, ele se levantou e falou.

─ Está tudo pronto.

'Que estranho…'

Ignorei essa situação. Crzeck acenou com o dedo pedindo para eu ir até ele.

─ Tire suas roupas, fique somente com a roupa de baixo.

─ Mas o que?

─ Tenho que pintar você.

Achei aquela uma situação bem estranha, mas não pude rejeitá-lo. Enquanto estava de pé no meio do círculo mágico, Crzeck veio com o outro recipiente que continha a mistura dos ingredientes que ele havia pego. Usando o que parecia ser uma tinta, começou a passar pelo meu corpo, eram linhas grossas de cor escura que estavam enrolando meu corpo. Senti poder mágico nelas, provavelmente é uma parte importante do ritual de ascensão.

─ Tudo pronto. Agora, só fique parado, iremos começar.

Fiquei de pé no meio do círculo mágico e me assustei quando de repente outros três Crzeck apareceram nas extremidades redondas do círculo mágico. Os quatro sentaram de pernas cruzadas e cada um estava com as mãos mostrando algum tipo de sinal ou linguagem que eu desconhecia. Ficamos assim por quase meia hora. Graças a meditação, esse tempo não foi nada, a concentração para me manter 12 horas parado era muito maior.

─ Aguente firme.

Não entendi quando Crzeck disse isso, mas pude sentir. O círculo mágico brilhou em uma cor roxa forte, a cor foi sumindo gradualmente até se tornar um verde escuro quase preto. Uma fumaça que era quase sólida começou a subir do chão e lentamente, se agarrou a minha pele onde as linhas estavam, começando pela parte inferior do meu corpo.

Eu gritei alto assim que ela tocou as linhas que foram desenhadas nos meus pés. Eram como se um ralador de queijo e dezenas de pequenos espetos passassem e espetassem a minha perna ao mesmo tempo. Lutei muito para me manter de pé enquanto aquilo rastejava e rasgava meu corpo. Olhei para baixo tentando ver algo mas não havia sangue, e minha pele que aparentemente tinha sido danificada pela sombra, agora tinha a mesma cor dela.

As linhas que Crzeck desenhou se estendiam até meu peitoral e ombros, acabavam ali. Mas por algum motivo, assim que todas as linhas anteriormente pintadas foram preenchidas, a sombra começou a subir pela parte da frente e de trás do meu pescoço.

Na parte da frente, seguiram duas linhas grossas que pintaram a parte frontal da minha bochecha e pararam logo embaixo dos meus olhos. As outras duas linhas subiram pela minha nuca até chegar à parte onde era o paralelo da testa, então, elas rodearam minha cabeça até se fecharem completamente na parte da frente. Protuberâncias ficaram visíveis em minhas têmporas e logo dois chifres levemente curvados e apontados para frente cresceram. E por fim, a sombra desceu. Ela se conectou com a parte de baixo e fechou totalmente os meus olhos.

Não entendi o que estava acontecendo, mas quando a sombra saiu dos meus olhos, eu estava em um lugar onde tudo e nada existia ao mesmo tempo. Pelo canto de olho, você podia ver tudo, mas ao focar sua visão, nada existia. Passei algum tempo tentando encontrar algo para me situar, mas não consegui. Logo, uma voz aterrorizante soou ao redor, ela parecia vir de todos os lados.

~ Consegue me ouvir, criança?

─ S-sim. Onde estou? Quem é você?

~ Sou um emissário. Ela pediu para que eu lhe desse uma mensagem.

─ Ela? Ela q…

~ Calado. A partir da sua ascensão, você irá oficializar seu contrato com a Morte. Ela deposita a fé dela em você, não a decepcione.

Ouvi essa conversa quieto e pensativo.

'A Morte deposita a fé dela em mim? O que eu sou? O que ela quer?'

Fui expulso daquele espaço. Pra falar a verdade, eu nunca saí de onde eu estava. Aquilo parece ter sido uma projeção dentro da minha mente.

'A Morte pode desejar, então ela é um ser físico?'

Fiquei perdido em meus pensamentos enquanto Crzeck terminava o ritual, que havia dado certo. Gradualmente as sombras verdes escuras começaram a desaparecer se fundindo com a minha pele.

─ Aconteceu algo que não era pra acontecer.

─ Como assim? Ah, e falando nisso….

No momento que tentei contar a ele o que aconteceu, minha garganta parecia ter dado um nó. Minha voz não queria sair de jeito nenhum.

─ Durante todo meu tempo de vida, nunca vi as sombras tomarem decisões próprias. Aconteceu algo?

Eu fiquei calado. Uma aura estranha estava no ar, foi igual ao momento que perguntei algo que o Crzeck não podia me responder. Acredito que ele tenha pegado o recado, ele se virou e andou até a mesa, pondo sobre ela o recipiente que continha a tinta.

─ Tudo bem. Variáveis sempre se comportam de formas imprevisíveis.

─ Mestre, o que são essas linhas que quase me comeram vivo?

─ Elas são a sua forma mortal. Sente-se, tenho que te contar uma história.

Me sentei em uma das cadeiras que estavam na mesa.

─ Há muito tempo atrás, quando a nação do norte ainda era poderosa, existia uma academia de magos lá. Inclusive, foi onde me formei. Eles ensinavam as artes das sombras no geral, como a afinidade da Morte, o Vazio, a Sombra, o Veneno, entre outras. Naquele tempo, já existiam as rixas de sempre entre a Lua e o Sol, mas o nosso povo nunca se preocupou em participar disso, eles só queriam viver e proteger a própria terra.

─ Você pode se perguntar, "mas por que nós não compramos briga na mesma intensidade que os fanáticos solares?" Justamente por sabermos, em parte, sobre a verdade do universo. Até onde tínhamos conhecimento, não existiam Deuses, eles nunca se mostraram, como poderíamos acreditar? Então para nós, a verdade era o que enxergávamos e sentíamos.

─ Uma coisa que tínhamos que eles não possuíam, era a nossa forma mortal. Como as artes das sombras sempre foram coisas relacionadas à Morte ou coisas perigosas no geral, geralmente dois terços dos alunos morriam na ascensão. Mas se eles sobrevivessem, estariam em posse da forma mortal, que é aquilo que estava em volta de você. A partir de agora, você poderá ativar voluntariamente essa forma.

─ Assim que ela é ativada, sua mana aumenta, sua regeneração de mana aumenta, sua força física aumenta, a conexão com sua afinidade fica mais profunda e seus feitiços serão mais fortes. E também, conforme você mata e coleta almas, além dela aumentar de tamanho, os efeitos anteriores são amplificados pelo poder das almas.

─ Imagino que se pergunte como nós praticamente fomos extintos mesmo sendo superiores aos solares, o que acha?

Não consegui pensar em uma resposta. Intervenção divina, talvez?

─ Um semi-deus. Ou pelo menos era assim que ele se chamava. Por causa dele, perdemos a guerra e nosso país foi enfraquecido drasticamente. Os vitoriosos destruíram todas as academias e proibiram as artes das sombras, e daí foi pra pior. Hoje, se existem cinco usuários da arte das sombras é um número grande. Sou o Lich Crzeck, sobrevivente da segunda grande guerra divina. Infelizmente, Deus, ou o Universo, nunca chegou a nos abençoar com uma pessoa que pudesse bater de frente com aquele homem, é por isso que te digo, não se mate em vão tentando lutar contra Vrarian.

Escutei tudo calado, por fora eu parecia sério, mas estava boquiaberto por dentro. Quem diria que essa seria a história oculta do meu país? Isso só me fez queimar ainda mais de raiva.

'Cuidado? Eu juro que serei o primeiro humano a derrotar um semi-deus.'