O vento trazia consigo areia do deserto para dentro do veículo. O trio havia saído dos restos da cidade há algum tempo. Naomi dirigia com seu parceiro ao lado, Livya seguia atrás, sentada e encolhida contra o canto.
Ninguém falava nada desde que ouviram a mensagem de Grande Irmão. Os sons de osso triturados junto ao frenesi e loucura das vozes em volta, não saíam do pensamento de nenhum deles. Gabriel se sentia culpado por não ter ficado com os outros até o fim, mesmo sabendo o que teria lhe aguardado.
Livya, encolhida, apertava os próprios antebraços, deixando os dedos brancos pela força que colocava neles. Seus olhos estavam vermelhos, mas diferente do que muitos achariam, não era por causa da dor, e, sim, por raiva de ter abandonado os três para trás. As palavras vieram com força em sua boca, que as soltou:
— Covardes.
Naomi freou e uma nuvem de areia se levantou enquanto as rodas derrapavam. Passou uma mão pelo rosto para conseguir manter o controle, respondendo à outra:
— Não fomos covardes, estamos completando a missão.
— Deixamos os outros para morrer?! Deixando Michel morrer?!
— Somos Corvos e temos a obrigação de manter nossa cidade protegida. Eles nos deram tempo para conseguir buscar ajuda.
— Você não sabe como eu estou me sentindo!
Gabriel viu Naomi se virar para a outra à beira da histeria. Era possível ver as veias no pescoço de sua parceira pulsarem.
— Eu perdi três pessoas queridas hoje, garota. Então trate de calar essa boca. Eu conheço intimamente o que sente agora, e te garanto que já senti muitas vezes, então não use o seu luto para falar essas merdas.
— Naomi – Gabriel interveio, pousando a mão no ombro dela. – Calma, ela não faz ideia de tudo o que passamos. E você, Livya, sei que está com ódio, eu estou com ódio, então use cada pedacinho dele nas pessoas que merecem.
A novata aparentemente conseguiu recuperar um pouco o controle, parecendo envergonhada. Soltou os braços e sentou-se normal. Era claro o que sentia, pelo brilho assassino em seus olhos.
— Desculpa, Naomi – falou com sinceridade. – Tem razão, vamos completar essa missão. Só peço uma coisa: deixem a Irmãzinha para mim.
Naomi se virou relaxando e pegou no volante enquanto voltava a acelerar o carro, levantando mais areia e dando uma leve derrapada. O Corvo percebeu que ela concordou com o pedido da outra, mas tinha suas dúvidas. A facilidade com que a Irmãzinha matara Samuel, que era um veterano, mesmo ferido, não eram normais. Não achava que Livya daria conta, mas manteve os pensamentos para si.
— Vamos voltar para casa? – indagou Naomi.
— Achei que já estávamos indo para lá – falou Livya.
— Lembrei de uma coisa. – Gabriel se remexeu em sua poltrona. – Hylari disse que outra Cova estava sofrendo também por causa da droga. Se conseguirmos saber mais…
— Então de volta ao Oásis? – questionou Naomi, olhando para o companheiro.
— Sim – falou ele, decidido. – E caso não consigamos nada, pelo menos vamos conseguir descansar um pouco. O caminho até nossa cidade é longo.
Todos concordaram com a ideia, e assim, Naomi começou a ir rumo à cidade no deserto. O sol já brilhava no céu diurno, mas ainda era muito cedo. O rapaz sentia o cheiro desagradável de sangue e suor seco em suas roupas, as outras não estavam muito melhores.
Foi então que ele lembrou de uma coisa e levou a mão para onde sempre mantinha a faca comum. Não a sentiu na bainha presa à coxa. Ele não a havia recuperado do estômago de sua vítima mais cedo. Will iria infernizá-lo pelo descuido, isso se o visse novamente.
— Eles sabiam da gente? – perguntou Livya, enquanto balançava uma das mãos contra o vento da janela. – Que iríamos atacar?
A motorista não poderia dar uma resposta precisa, eram somente teorias que foi bolando durante o caminho. Percebeu que o rapaz ao lado também não tinha como responder. Disse à outra:
— Não posso afirmar nada, mas provavelmente estamos sendo vigiados desde a explosão do metrô.
Livya levou a mão para a longa cicatriz que o lugar deu para ela, sentiu o calombo inchado e vermelho, mas pelo menos não doía como antes. A longa linha branca já descascava em alguns lugares.
— Fomos atraídos para a fábrica de propósito – continuou Gabriel. – Deixaram uma quantidade relativa de pessoas para nos enganar. Caímos feito idiotas.
— Mas pelo menos sabemos que a quantidade deles é muito maior do que esperávamos. – complementou Naomi. – Não teria como somente seis pessoas darem um jeito.
O ambiente pesou no veículo devido ao número de Corvos que o grupo tinha há poucas horas. Toda a loucura das vozes no amplificador ainda assombrava os pensamentos do Corvo; aquelas pessoas eram obcecadas pelo homem. Pessoas assim eram as mais perigosas.
Uma pedra escondida sob a areia fez o carro dar um pulo. Os machucados do rapaz doeram por isso. Ele deslizou a mão pelos pontos e sentiu a carne inflamada e quente. Pegou sua arma ainda descarregada e encheu sem pressa os quatro compartimentos para balas, guardou-a e logo em seguida apalpou o cinto com sua munição, sentindo que havia menos da metade.
No horizonte, já era possível ver a cerca que impedia qualquer um de entrar na Mancha. Estavam cada vez mais próximos, não demoraria até o córrego de água aparecer riscando as areias.
Livya colocou a cabeça do lado da janela, tomando vento diretamente no rosto. Não se importou com a areia que grudava nos cabelos, somente se permitiu aproveitar o ar que ficava úmido lentamente. Chegava a ser irônico voltarem para o Oásis. Quando saíram há somente dois dias, estavam tão diferentes, agora pareciam deploráveis.
— Tô fedendo – comentou Gabriel, cheirando sua camisa rasgada e com pedaços empapados de sangue.
A novata não comentou nada, pois sabia estar em estado semelhante, com a calça rasgada e uma das pernas praticamente desnudas onde foi atacada pelo aracnídeo, mas o estado de Gabriel com certeza era o pior, a camisa estava um trapo, tirando o nariz vermelho.
Somente Naomi continuava da mesma forma, exceto pela poeira e respingos de sangue que Livya sabia bem não serem dela. Um som irritante tirou a jovem dos seus pensamentos, olhando para frente.
Gabriel raspava com a pedra de amolar em sua espada curta, repetindo o processo quase em transe. Pedaços de ferro junto a resquícios de sangue seco se soltavam caindo diretamente no colo dele, que não parecia se importar.
— Perdi minha faca – anunciou o rapaz.
— Qual delas? – perguntou Naomi, indiferente ao som do ferro sendo amolado.
— A comum.
— É por isso que Will fica irritado com você.
— Sei disso – respondeu com indiferença. – Quer que eu amole sua arma?
— Eu vou fazer isso.
— Você quem sabe. – Virou-se para a jovem no banco traseiro. – Quer que eu faça para você ou prefere pegar a pedra emprestada?
Livya ficou tentada em deixar o cuidado para o outro, mas decidiu seguir o exemplo de Naomi, cuidando de sua arma. Não que precisasse de muita coisa, afinal não a usou desde o metrô.
— Se puder me emprestar, eu agradeço.
O Corvo passou a pedra negra com diversos lugares quebrados de tanto uso, para a outra, que retirou sua machadinha, alisando o fio quase perfeito, mas a afiou do mesmo jeito.
Enquanto a novata se concentrava em sua arma, Naomi já dirigia rente ao córrego cristalino. Vendo toda aquela água, percebeu quanta sede sentia. O fio d'água seguia adiante se perdendo na distância, mas era possível ver o Oásis, que de onde estavam, parecia ser um morro.
Pessoas olhavam para o veículo. Quanto mais próximos, maior o número de cabeças que seguiam o carro com olhos curiosos. Uma caravana saía da entrada do Oásis enquanto outra aguardava sua vez. Naomi dirigiu até onde ficavam guardados os veículos do lado de fora.
Um homem baixo os viu entrando. Prestes a protestar pela intromissão, percebeu que se tratava de Corvos. O veículo parou perto de uma carroça vermelha.
Gabriel se sentiu bem, pôde esticar as pernas novamente, e o mesmo valia para as duas. Deixaram o estacionamento e caminharam ao lado da parede de pedras, sendo possível ouvir o som das quedas de água, mesmo que fraco.
Lá estavam eles novamente, na entrada do Oásis, movimentado com todos os tipos de pessoas e produtos, que não imaginavam o que o trio passara até aquele momento. Naomi foi na frente, indo direto em uma casa que parecia vender suco de frutas amassadas na hora, deixando os outros dois para trás.
— Como vocês conseguem? – Livya quebrou o silêncio.
— O quê? – respondeu o rapaz.
— Agirem como se nada tivesse acontecido.
Os olhos de Gabriel se perderam em algum lugar além, junto a um sorriso triste que veio a seus lábios. Entendia o estranhamento da outra e respondeu:
— Há muito tempo, uma pessoa me disse algo sobre ser um Corvo. Quer ouvir? – Vendo a outra concordar, ele continuou: – Você se acostuma. Sim, eu sei que é cruel dizer isso, mas um dia, todo Corvo entende essas palavras.
Pessoas passavam fitando a dupla, com curiosidade, o que não era de estranhar, afinal duas pessoas cobertas por sangue e rasgadas chamariam a atenção de qualquer um. Livya digeriu as palavras do outro enquanto assistia Naomi no terceiro copo, cheio de um líquido amarelo.
— Fez bem em ficar quieta quando Naomi perdeu a paciência mais cedo – emendou Gabriel.
— Ela me deu medo.
— Ah, não podia descrever melhor.
Terminando o quarto copo, Naomi pagou o vendedor, saindo de volta para a rua apinhada de gente. Foi fácil achar ambos, eles se destacavam, mesmo naquele emaranhado de corpos, juntando-se. Andaram até um dos becos para conseguir planejar o que fazer.
— Hylari já deve saber que chegamos a uma hora dessas – constatou Naomi.
— Sim – concordou Livya.
— Isso vai facilitar as coisas então – emendou Gabriel. – Vou falar com ela.
— Vou junto – protestou sua parceira, e pela reação da novata, ela compartilhava da opinião.
— Às vezes você parece esquecer, Naomi. Eu sou um Infiltrador, falar é o que eu faço.
Ambas trocaram olhares, mas acabaram cedendo de forma fácil, deixando explícito ao rapaz que desejavam descansar ou comer algo logo, mas ele não conseguia pensar em nada disso, a lembrança do corpo de Samuel embrulhava seu estômago. Prosseguiu.
— Sabemos onde ela fica, então isso vai adiantar um pouco nossas vidas, e enquanto eu vou tentar descobrir alguma coisa, as duas poderiam arrumar algo para comer e um quarto.
Ninguém reclamou sobre seus papéis no plano. Na verdade, as Corvas pareciam ansiosas para partirem em busca de uma cama. Gabriel se viu sozinho rapidamente quando as duas foram em direção às escadarias que levavam aos andares superiores.
Voltou à rua movimentada seguindo o fluxo, indo para os pés da queda d'água, com o barulho cada vez mais forte. As luzes estavam todas apagadas, pois o sol brilhava com força no céu, o que era meio decepcionante. Ele preferia a cidade em seu ambiente noturno.
Grandes pedaços de carne rodavam sobre o fogo em espetos de ferro, e homens apostavam suas moedas jogando dardos. O cheiro fez Gabriel tentar passar longe da casa, mas não foi eficaz, uma multidão se socava para dentro do estabelecimento.
Espremeu-se entre os corpos, ouvindo xingamentos e vozes indignadas por não conseguirem um pedaço. Ao sair do outro lado, sentiu um alívio inundá-lo. Uma garrafa quebrando ou pessoas saindo no soco eram as coisas mais comuns.
O ar estava mais úmido que antes junto ao urro das quedas de água. Segurando-se em uma corrente que era própria para ninguém escorregar no solo liso, Gabriel chegou à parede do fundo, seguindo seu caminho em direção a um homem que parecia estar parado à toa no meio do nada.
Levando a mão para a faca presa em seu cinto, o segurança seguiu o intruso, aproximando-se sem perdê-lo por nenhum momento de vista. O rapaz que estava diante dele parecia um vagabundo qualquer, todo rasgado.
— Melhor ir embora – falou o segurança.
— Vim ver Hylari.
— Não tem ninguém aqui com esse nome – respondeu o brutamontes, estreitando os olhos e puxando um pouco sua lâmina para fora. – Vou dizer mais uma vez, é melhor ir embora.
— Que chatice – respondeu Gabriel. – Achei que estava com paciência para isso. Só me deixe passar logo.
O Corvo se aproximou casualmente, fazendo com que o segurança desembainhasse sua arma, mas antes que pudesse entender qualquer coisa, ele estava contra a parede, com a própria faca contra o pescoço.
— Só chame Hylari logo.
A porta se abriu e apareceu o homem que os havia recebido antes. Ele pareceu não se importar com a situação do companheiro de profissão. Acenou para Gabriel, que por sua vez, soltou o homem.
— Hylari vai lhe receber.
— Obrigado – respondeu Gabriel, entrando.
Esfregando a mão contra o pescoço, o homem olhou para seu parceiro e perguntou:
— Quem era esse?
— Um Corvo.
O segurança ficou pálido e guardou a arma com a mão trêmula. Já tinha visto Corvos e nunca deu nada para eles.
— Ele não parece com um – disse, ressentido.
— Melhor prestar mais atenção a detalhes se quiser viver nesse nosso ramo. Os olhos deles eram frios e sem brilho. – Uma nova figura vinha lentamente, chamando a atenção do segurança, que alertou o colega. – Hoje, pelo jeito, vai ser movimentado.
Deixando os dois para trás, Gabriel entrou novamente no coração do Oásis, onde havia bebidas exóticas e jogos valendo quantias absurdas de moedas. Todos pareciam chocados ao verem um Corvo, fazendo um silêncio anormal em todo o lugar. A porta ladeada por dois seguranças, abriu-se, e pela abertura, Hylari o esperava enquanto arrumava seus óculos.
Gabriel disparou para onde a outra o aguardava, fechando a porta atrás de si e a encarando. Mesmo sendo baixa e nenhum pouco ameaçadora, a mulher o fuzilava.
— Você está terrível – pontuou Hylari. – Pelo jeito, a pista que eu tinha era real.
— Preciso saber de uma coisa. – Cortou Gabriel. – Lembro da conversa anterior que tivemos, você disse que uma Cova estava sofrendo com a S.L., qual era?
— Não conversei com você, e, sim, com aquela Corva de olhos claros. Bia, se não me engano. Onde está ela? – A velha viu algo no rosto do rapaz, obtendo sua resposta. – Entendo. Claro, posso dizer, mas ter Corvos entrando no meu estabelecimento atrapalha e muito meus negócios.
Uma resposta atravessada subiu de forma avassaladora para a boca de Gabriel, mas então surgiu um disparo junto à gritaria e mais disparos. De trás da porta, sons de desespero junto à correria, encheram o pequeno aposento em instantes.
Hylari, com os olhos arregalados, abaixou-se no mesmo instante atrás de sua mesa. Gabriel, por sua vez, saiu da sala se deparando com o desespero.
Na entrada, uma mulher extremamente magra, usando roupas curtas e imunda por vômito e outras coisas que o rapaz não conseguia imaginar, atirava em todos, sem nenhuma discrição. A figura usava somente uma calcinha branca, suja por urina e fezes, seus cabelos caíam em diversos lugares da cabeça, ocasionando grandes falhas.
Os disparos cessaram quando a estranha figura viu Gabriel e abriu um sorriso, mostrando os dentes amarelos e outros faltando. Toda a situação parecia ser algo surreal para o Corvo, que fitou a arma dela surpreso. Como alguém naquele estado conseguiria um revólver? Indagou consigo mesmo.
Mas o tempo para pensar parecia quase nulo. O que antes eram ataques aleatórios, agora se focaram totalmente nele. Assim, o som dos tiros reverberou pelo local junto aos gemidos dos feridos.
Gabriel se jogou para frente, correndo de cabeça baixa, praticamente mergulhando atrás de uma mesa. As balas faziam moedas voarem junto à madeira, e puxando sua Magnum, ele contou mentalmente os disparos, sabendo quando o pente ficaria vazio.
Um breve momento de paz foi a deixa para o contra-ataque. Levantando-se somente o necessário, atirou contra a porta, mas a outra parecia esperar por isso. Ela se moveu com agilidade para um pequeno palco, onde havia uma dançarina morta em cima. E começou a troca de tiros, fazendo até mesmo o urrar da cachoeira parecer uma música de ninar.
Trabalhava rápido com os dedos para encher sua arma sempre que esvaziava. Gabriel se mexia sempre tentando ter alguma vantagem sobre a outra, mas ela parecia copiá-lo de forma eficaz, ficando quase em um impasse. O menor dos erros seria a morte.
Algo chamou a atenção dele quando os ataques pararam de vir em sua direção. A munição da outra havia acabado, e se aproveitando disso, saiu pronto para terminar o combate, mas deteve seu dedo contra o gatilho.
Com uma espada curta semelhante à de Gabriel, a mulher usava um homem como escudo humano, escondendo-se de tal forma que era impossível acertá-la sem matar o sujeito.
Gabriel teria de usar o corpo a corpo. Guardou a arma enquanto desembainhava sua espada. A mulher pareceu satisfeita jogando o refém de lado e disparando em direção ao rapaz, rápido o suficiente para ele não ter como puxar a Magnum novamente.
O golpe desceu com força sobre a cabeça de Gabriel, que o bloqueou sentindo todo o braço vibrar com a pancada. Um movimento estranho com o braço o fez perceber que uma nova lâmina voava em sua direção. Usou uma finta para esquerda, escapando de outra espada curta.
A mulher segurava uma arma em cada mão. O Corvo sentiu ódio de si mesmo por não ter recuperado sua faca, pois naquela situação ela seria essencial. Segurou a empunhadura com ambas as mãos, preparando-se para os golpes que desceram sobre si.
Eles vieram por todas as direções e com força, e Gabriel teve somente de se defender sem parar, mas não eram ataques aleatórios, todos tinham técnica.
A ponta de uma das lâminas perfurou o ar, mirando o estômago dele. Gabriel deu um passo para o lado, fazendo a arma perfurar o vazio onde sua barriga estava havia menos de um segundo. Usando a força embutida no ataque, a mulher se permitiu jogar para a frente e levantou o outro braço traçando um semicírculo no ar.
Dessa vez, Gabriel não teve como desviar e desceu a arma em direção oposta à da outra, fazendo ambas se chocarem no ar com o som de ferro. A mulher perdeu um pouco o equilíbrio, dando tempo suficiente para ele se recuperar e repetir o ataque, frisando decepar o pescoço da adversária. Novamente a mulher fez um movimento estranho, quase como se seu corpo fosse mole, e colocou ambas as espadas formando um "X".
O impacto mal surtiu efeito na defesa. Ele estava prestes a recuar quando o chute acertou seus pontos. Gabriel usou a força do golpe para se distanciar com caretas de dor, lutando para respirar e sentindo o sangue escorrer pelo antigo ferimento.
Ele percebeu que alguma coisa não estava certa. Era como se a mulher não tivesse limitações no modo de se mexer, então uma ideia veio à sua mente. Libertou uma das mãos da arma. Agachando-se e ignorando as fisgadas, pegou uma garrafa que rolava pelo chão. Ainda se levantando, arremessou perfeitamente o vidro em direção ao adversário, focando em seu rosto, e correu logo em seguida.
Batendo a garrafa que estourou no ar, ela viu o rapaz se aproximando, preparando-se para dar um corte letal em seu pescoço.
Estava prestes a atacar quando o som de disparo e corpo da mulher sendo jogado para o lado com um buraco nas costelas, cessou seu avanço. Confuso com o que acabou de acontecer, viu Hylari segurando uma espingarda na porta de sua sala.
— Não é só os Corvos que sabem se defender! – bradou a mulher miúda, segurando a antiga arma que esfumaçava pela ponta.
Sentindo as pernas balançarem pelo cansaço, Gabriel se apoiou em uma mesa. Recuperando o fôlego, prestou atenção ao corpo caído de sua antiga oponente, e algo chamou a atenção na mão dela, fazendo-o se aproximar no mesmo instante. Seu coração pareceu parar quando percebeu.
— Que merda está acontecendo? – perguntou-se Gabriel.
Hylari se juntou a ele logo em seguida, ainda segurando a arma apontada para o corpo sem vida. Ela não entendeu por um momento sobre o que o outro falava, mas então viu.
— A situação é mais perigosa do que parecia inicialmente – sussurrou a velha.
Novos disparos e gritos encheram a cidade. Gabriel soube que suas parceiras também estavam sendo caçadas.