Gabriel mascava uma hortelã que comprou na loja da frente enquanto esperava os outros. Foi o primeiro a chegar. Não havia tido nenhum sucesso em sua busca, mas a planta que comprou fez valer a pena.
O vendedor fez muita propaganda dela, dizendo que deixava o hálito doce, mas que ardia um pouco. Realmente desta vez o vendedor não mentiu.
Manteve-se encostado contra o muro, ignorando os olhares desconfiados que recebia de todos os cantos, o que já era esperado, sendo ele um Corvo em um ninho de coisas ilegais. Viu Nasor mais duas vezes enquanto procurava, em ambas vendia barris de hidromel para alguns dos bares. Fingiu não conhecer o homem, não desejava atrapalhar os negócios dele.
Gabriel engoliu as folhas já muito mascadas, e de impaciente, passava o peso de uma perna à outra, mas logo não foi preciso mais esperar, Michel apareceu com sua companheira e Samuel.
Pela cara de Livya, o Corvo mais velho havia sido ele mesmo com ela, e Gabriel conhecia a personalidade difícil do homem. Mas Samuel conversava normalmente com Michel.
— Gabriel! – Samuel o cumprimentou. – Não esperava te ver tão cedo.
— Não aguento ficar sem você por muito tempo – caçoou.
Samuel riu animado, e isso pareceu deixar a novata perplexa. Recostou-se na parede junto ao outro.
— Michel me deixou a par da situação.
— Entendo, e então?
— Nada bom.
— Mas nada com que não lidamos algumas vezes – disse Michel que ficou ao lado da parceira. – Conheço os dois bem o suficiente para saber de suas habilidades. Somos veteranos, afinal.
Gabriel ficou sem graça pelo elogio do colega, até mesmo Samuel não deu nenhuma de suas respostas desagradáveis.
— Acha que Bia vai topar participar, sem problemas? – indagou Michel, mas já sabia a resposta.
— Por favor, Michel – respondeu Samuel. – Ela não aguenta mais ficar parada aqui, sabe bem que ela pensa melhor com os punhos do que com o cérebro.
— Fala com tanto carinho de mim! – Uma voz à direita deles, veio cheia de malícia.
Bia vinha ao lado de Naomi, ambas de ótimo humor. Gabriel conseguiu perceber que uma das mãos da parceira estava um pouco ralada. Conhecia aqueles machucados, ela estava brigando por aí, o que não era do feitio dela, já dá outra não se podia falar o mesmo.
— Bem, estamos os seis reunidos então – disse Michel olhando o grupo.
— Seis? – indagou Bia ao ver Livya.
A reação dela foi igual à do parceiro, mas diferente do homem, ela parecia muito mais fácil de se conversar, sendo muito mais amigável ao cumprimentar a novata.
— Já fomos todos apresentados! – falou Samuel com indiferença. – Naomi te falou sobre a missão, creio eu.
— Sim, um pouco de agito! E como foram ordens de Jonas, não tem como negarmos, certo?
— Pois é.
Gabriel percebeu que Livya olhava para Samuel com hostilidade, iria perguntar sobre aquilo mais tarde, quando estivessem a sós.
— Vamos começar então – falou Naomi. – Conseguimos informações de que um dos traficantes passou por um bar aqui do Oásis chamado Momento do Viajante.
— De onde veio a informação? – indagou Samuel.
— Thomas.
— Uma pessoa desagradável.
— O sujo falando do mal-lavado – disse Gabriel.
— Independente – prosseguiu Naomi, ignorando. – Os dois que estão aqui há mais tempo chegaram a ver o bar?
Ambos os Corvos trocaram olhares, claramente pensando nos aposentos que conheciam do lugar. Foi Bia que respondeu:
— Lembro de algo assim. Ontem à noite fazia uma patrulha por aquela área. – Apontou para a esquerda onde Gabriel buscara a ambos mais cedo. – Fica no quarto andar, perto da queda da cachoeira.
Partiram guiados por Bia, chamando a atenção por onde quer que passassem, afinal tantos Corvos juntos era sinônimo de algo errado ou que haveria algo errado. Pedestres abriam espaço e alguns chegavam a correr pelos corredores.
Ser o centro das atenções não era algo que deixava Gabriel inquieto, afinal fazia parte dos Infiltradores, mas ficou com a mão sempre próxima à faca longa, presa em sua coxa esquerda.
Logo foi possível ver a primeira escadaria. Apertaram o passo subindo a madeira que rangia sob o peso e o movimento do grupo, repetindo o processo mais três vezes e chegando ao andar que Bia indicou. Ainda seguiam a mulher que disparou em direção a uma das quedas de água. O ar ficou mais úmido e logo uma corrente apareceu à frente do grupo para ajudar a andar em solo liso.
— Se não estou enganada, fica logo depois dessa – disse Bia apontando para uma casa.
E foi como ela disse. Era uma casa com Momento do Viajante escrito com lâmpadas normais pintadas de roxo, mas que ainda estavam apagadas pelo horário. Acima da porta havia uma placa com o desenho da taça, mas a porta ainda estava fechada, indicando que era um bar noturno. Contudo não poderiam esperar após chegarem até ali.
Michel junto a Bia, foram em direção ao aposento, e com a mão fechada, ela bateu à porta. Não houve resposta, e a mulher repetiu a ação. Foi preciso bater mais quatro vezes quando o som de passos veio junto ao som de palavrões.
— Eu já disse que abrimos depois das oito horas da noite – gritou um homem, abrindo somente o suficiente da porta para olhar o grupo. – Vocês não parecem ser fregueses.
— Bom olho, rapaz – disse Bia. – Gostaríamos de fazer algumas perguntas.
— Por que não vão se foder?! – respondeu o homem que tentou fechar a porta, mas Michel a segurou.
— Tem certeza disso? – indagou o Corvo levantando a mão e exibindo o anel.
Os olhos do homem se arregalaram por um momento. Lambendo a boca por diversas vezes e concordando lentamente, abriu a porta ao grupo. Bia sorria satisfeita, entrando e sendo seguida pelo resto.
Seguiram em direção ao balcão do qual o dono do estabelecimento ficou atrás, com o rosto pálido. Fora a prateleira com bebidas e outras oito mesas de ferro, não havia mais nada em todo o estabelecimento.
— Como chama? – indagou Naomi.
— Kleber.
— Kleber, queremos somente fazer algumas perguntas.
Gabriel se aproximou, mas não chegou a se sentar em nenhuma das cadeiras, somente apoiou as mãos na madeira, olhando fixamente o rapaz.
— Preciso saber se já ouviu falar algo sobre S.L.?
— O quê?
— S.L., já ouviu falar?
— Não!
— Kleber, você tem vários clientes, certo? – perguntou Michel, mas não esperou por uma resposta. – Se tentou nos espantar mais cedo é porque vem muitas pessoas aqui, então deve ter ouvido algo sobre isso.
— Já disse que não!
— Estou perdendo a paciência – disse Bia se levantando.
— Ok – falou Kleber na mesma hora ao ver o movimento da outra. – Só conversas sobre uma nova droga, mas nada mais do que isso.
— Não precisam incomodar o rapaz. – Uma voz rouca veio da porta, fazendo todos se virarem.
Um homem alto e com barriga avantajada, olhava de volta, seus braços musculosos e olhar frio deixavam claro que era um matador, como se já não houvesse muitos deles naquela sala.
— Quem é você? – perguntou Naomi.
— Isso não é importante, mas seis Corvos andando pela cidade e fazendo perguntas perigosas, é. – Manteve a neutralidade. – Venho aqui a pedido de Hylari. Ela quer conversar com vocês pessoalmente.
— Isso é interessante – disse Bia na mesma hora indo em direção à porta.
— Bia, de quem ele está falando? – questionou Michel, confuso.
— Da chefona de todo Oásis!
— Não é que as coisas ficaram tensas rápido? – resmungou Gabriel, pegando cinco moedas e colocando-as no balcão, diante de Kleber. – Pelo incômodo.
Seguiram o homem para fora, enquanto Kleber reclamava por serem poucas moedas.
— Você realmente não presta, Bia – resmungou Samuel, satisfeito com a parceira.
— Pois é – concordou Gabriel.
Livya olhou de um para o outro, confusa com as ofensas que foram dirigidas à colega de profissão. Com o canto dos olhos, percebeu que Naomi concordava com os dois, mas os três mantinham certo ar de aprovação.
— Como assim? – indagou Livya. – O que está acontecendo?
— Sério que não entendeu? – disse Samuel.
— Livya… – Michel disse antes que a jovem desse uma resposta atravessada ao outro. – Seis Corvos juntos é algo chamativo. Não se lembra de que diversas pessoas saíram correndo como se fugindo? É certo que estávamos sendo seguidos desde que chegamos.
— Lógico – concordou o homem que os guiava.
— A informação deve ter chegado até essa Hylari. Bia só nos usou como isca para sermos chamados por ela.
— Pra que tentar achar informações com um peixe pequeno – disse Bia olhando para trás. – Se podemos ter direto com o cardume.
Gabriel prestou atenção na novata, que pela sua postura, finalmente entendera tudo, mas não parecia satisfeita por ter sido usada. Nem mesmo ele gostou disso, mas dera resultados melhores do que o esperado.
Desceram pelo mesmo caminho de antes e se dirigiram em direção ao lago. O som ecoava forte nas paredes, e desde que começaram a acompanhar o homem, parecia que a população não mais os via ou se esforçaram muito para fingir que não tinha nada de diferente.
Seguiram por um corredor estreito entre duas construções, que dava diretamente na parede do fundo do Oásis. Seguiram por ela até finalmente ficarem abaixo da queda de água, que estava próxima a eles, deixando-os um pouco molhados. O guia parou no que parecia ser uma depressão contra a parede, e logo uma porta de ferro se abriu.
Mais dois brutamontes aparecem, trocaram palavras rápidas com ele e em seguida abriram caminho.
— Vamos, ela está esperando.
Gabriel entrou logo atrás de Bia, ignorando os olhares agressivos dos homens, seguindo por um corredor esculpido na rocha, que era iluminado por lâmpadas nas paredes. Logo uma porta semelhante à da entrada apareceu.
Com algumas batidas, ela se abriu, junto ao som de pessoas e luzes coloridas. Os Corvos estavam em uma casa de jogos iluminada por neons de diversas cores. Garçons e garçonetes andavam de um lado ao outro levando bebidas, enquanto dançarinos dançavam sobre diversos palcos espalhados pelo lugar.
A mulher que Naomi vira mais cedo também estava lá, jogando um jogo estranho de dados com outros.
— Estamos agora no verdadeiro Oásis – disse Bia.
O número de seguranças aumentava à medida que entravam mais nos aposentos. Todos mantinham distância, mas os seguiam como gaviões. Gabriel reparou nas pessoas que jogavam, e pelas vestes, era claro que se tratava de gente com dinheiro ou poderosos em suas cidades. Enquanto na cidade era apostado apenas algumas moedas, agora eram sacolas, em alguns casos, mais de uma.
Outro segurança estava contra uma porta à frente do grupo, e ao vê-los abriu espaço junto a ela. Bia, que se manteve à frente do grupo durante todo o caminho, entrou antes do resto.
A sala diante deles era branca e ampla, com diversas estantes nas paredes, completamente abarrotada por papéis. No centro, havia uma mesa de mármore, algo raro de se ver. Uma mulher gordinha usando óculos de lentes grossas e um coque prendendo os cabelos pretos, lia um grande maço de folhas. Tirando a cadeira a qual estava sentada, não havia mais nenhuma no aposento.
— Andaram xeretando na minha cidade – disse a mulher, sem tirar os olhos de sua leitura.
— Você não é uma pessoa fácil de se achar – falou Samuel.
Gabriel olhou para os dois Corvos que já estavam no Oásis há mais tempo. Ambos tinham motivos ocultos para terem sido enviados ao lugar, mas guardou o pensamento para si.
— Se tem um Corvo atrás de mim, acha que me entregaria de bom grado?
— Duvido muito – retrucou Bia.
— O que querem comigo?
— Nosso objetivo mudou um pouco, Hylari – disse Bia. – Precisamos de informação.
A mulher enfim levantou os olhos da leitura, fitando o grupo lentamente, com a mão direita ajeitando os óculos que deixavam seus olhos anormalmente grandes. O interesse dela era evidente.
— Intrigante, o que posso oferecer a vocês?
— Uma droga nova. – Intrometeu-se Naomi no meio.
— Não mexo com drogas – disse Hylari ficando com a cara fechada. – Somente jogos de azar.
— Mas deve ter ouvido falar de uma nova chamada S.L. – falou Bia, lentamente.
Hylari arregalou os olhos que ficaram ainda maiores pela lente, e se debruçou sobre a mesa usando as mãos como apoio a seu queixo.
— Posso ter ouvido algo. Mas o que ganho com isso?
— Sem patrulhas de Corvos no Oásis – respondeu Bia.
Gabriel conseguiu perceber que Naomi se segurou para não falar nada. Quem poderia decidir isso era Jonas e nenhum outro, mas manteve a cara de neutralidade, com menos esforço do que o resto.
A mulher sorriu deixando óbvio que gostou da proposta, e se levantou pela primeira vez, com seu um metro e cinquenta. Andou até uma das prateleiras passando o dedo pela fileira de relatórios e pegou um meio amarelado, voltou à mesa colocando-o contra o mármore, dizendo:
— Essa droga está sendo um problema em algumas Covas, e ainda pior nas Valas. Algumas estão desesperadas caçando qualquer pessoa suspeita já.
— Alguma coisa que pode nos ajudar? – indagou Naomi que ficou pálida com a informação.
— Sim, Corva – disse Hylari de forma áspera. – Alguns dias atrás, um grupo de viajantes viu vários homens no metrô dos Antigos. Não fiquei muito interessada na hora, para dizer a verdade, afinal poderia ser um bando de bandidos comuns, mas a informação não acaba por aí, eles ouviram falar sobre sonhos lúcidos.
— S.L. – sussurrou Gabriel.
— Cheguei a mesma conclusão – concordou Hylari. – Não me atrevo a me envolver, afinal sou uma simples administradora, mas vocês, Corvos, são outra história, certo?
Encararam-se por um momento. Gabriel sentiu as mãos formigarem de empolgação, finalmente eles tinham uma pista mais concreta.
— Isso deve ser tudo. Agora vão embora – disse Hylari. – Ah, espero que cumpram a sua parte nesse acordo.
— Lógico – respondeu Bia, já saindo pela porta.
— Assim espero. Agora sumam! Seu tipinho espanta os clientes.