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Capítulo 6

Izamani levantou-se seguida das suas servas de muito perto. Estavam visivelmente assustadas com estas visitas que eram claramente indesejadas. Os dois Ceifadores olharam um para o outro em busca de algum tipo de telepatia súbita que os ajudasse a coordenar as ideias, mas nada veio em seu auxílio.

- Então, vocês querem a minha ajuda? - perguntou desconfiada Izamani olhando para eles, analisando-os lentamente como se eles fossem uma ameaça a ser avaliada. - Eu tenho estado aqui durante os últimos séculos e não me recordo de alguém ter vindo antes aqui pedir ajuda... estranho... muito menos chamarem-me de Mãe!

Hiro quase soltou um gemido ao levar uma cotovelada de Kado nas costelas em jeito de "exageras-te", mas não deixou transparecer o seu medo. Quando falou estava calmo e ponderou cada palavra que disse:

- Chamo-lhe Mãe pois é a mãe de toda a criação, foi a sua força que permitiu que o mundo fosse hoje o que é, nós e todos os Deuses estamos em dívida para consigo. Lamento profundamente o que lhe aconteceu. Eu não poderia ajudá-la na altura, mas pelo menos gostaria de ter ajudado a acalmar o seu ódio, a sua tristeza, a sua mágoa, perder um filho não é fácil.

- Falas como se soubesses alguma coisa sobre isso! - comentou Izanami curiosa aproximando-se.

- Não, não sei - respondeu lentamente Hiro, escolhendo cada palavra com bastante cautela - mas já vi muitas mães perderem os seus filhos. Vi a dor nos seus olhos, vi o desespero e sei que se elas pudessem trocariam de lugar com eles sem hesitar.

Parou durante momentos, o silêncio naquele momento estava a fazer a sala do trono ficar cada vez mais pequena, apertada, angustiante. Izamani permanecia de pé, mas naquele momento o seu olhar parecia tê-la levado para outro lugar, onde ela poderia ficar cativa durante algum tempo, pois no seu rosto havia traços da mais pura felicidade. A serva que tinha falado com eles em primeiro lugar chegou perto dela e chamou-a levemente, como se fosse para a despertar daquele sonho onde ela estava naquele momento.

- Senhora, por favor, temos visitas...

Sem terem percebido sequer o que tinha acontecido, no minuto seguinte a cabeça da serva estava no chão e jorrava sangue do lugar até onde á instantes tinha estado a sua cabeça ligada, o corpo caiu imóvel no chão, enquanto a cabeça rolava pela sala, com os olhos ainda abertos.

- Ai! - exclamou Kado, espantado com o que se tinha passado, tanto ele como Hiro tinham ficado chocados com o que tinha acabado de acontecer. Já as restantes servas limitaram-se a irem recolher os restos mortais como se fosse já habitual as decapitações acontecerem.

Izamani voltou ao seu estado "normal" e olhou para o que tinha acabado de fazer, encolheu os ombros lembrando as crianças quando faziam asneiras e se desculpavam dessa maneira e só depois olhou para as visitas.

- Eu já a tinha avisado para não me interromper quando penso no meu filho... pelos vistos não bastaram os avisos...- comentou virando costas a eles e indo sentar-se no trono. - Bem, eu não sei o que vocês querem, mas é melhor que o digam rapidamente, a minha paciência tem tendência a esgotar rapidamente, como puderam ver. – disse apontando para o chão, onde as servas estavam a limpar rapidamente o sangue do chão.

Kado pareceu ter acordado para a realidade, clareou a voz e por fim começou a explicar o que os levava ali.

- O meu nome é Kado, atualmente sou o responsável pelos Shinigami do Japão, o meu antigo superior deixou o seu posto ao meu cuidado para que eu ajudasse a resolver uma situação que neste momento ainda é da responsabilidade do Japão, mas em breve pode ser sua responsabilidade, e como nós queremos resolver este assunto o mais rapidamente possível, peço-lhe que nos ajude. Há alguns séculos atrás como deve ter tido conhecimento houve uma alma que foi salva em vez de ter sido colhida.

- Sim sei. - Cortou Izamani começando a ficar impaciente - Foi esse Shinigami que está contigo que a salvou. Eu sei de toda essa história, aliás pensei que já tinha sido há muito tempo solucionada.

- Infelizmente, os superiores que aqui estavam na altura não deram a devida atenção ao que se estava a passar, e por isso mesmo o submundo foi castigado. Os deuses do plano superior reuniram-se e decretaram que enquanto a alma que andava pela terra a vaguear indevidamente não fosse colhida não iriam permitir a passagem de mais nenhuma alma, quer fosse para reencarnar quer fosse para o seu eterno descanso. Por causa disso, o submundo está a ficar mais do que sobrecarregado. Se continuarmos...

- ...já entendi! Não sou assim tão lenta! - exclamou Izamani irritada. - O que eu não percebi é o que vocês pretendem de mim. Como posso ajudar?! Eu não saio daqui á séculos, como querem que vos ajude a procurar uma pessoa se ela se escondeu de todos os Shinigami?!

- Precisamos que vossa senhoria use a sua visão divina, para poder ver onde esse humano está, para podermos ir atrás dele antes que seja tarde demais.

Enquanto falavam repararam que Izanami estava de novo pensativa, mas não era como antes, estava a pensar para si mesma, e estava furiosa com as conclusões que estava a tirar.

- Vocês disseram que os outros lá em cima juntaram-se e decretaram esse tal de castigo é isso?! - disse ela exasperada. Kado engoliu em seco antes de responder.

- Sim vossa majestade.

- Então quer dizer que Izanagi também lá esteve?!

"Agora é que está tudo estragado!" - foi a primeira ideia que veio à mente de Hiro. Kado por sua vez pareceu ter tido uma ideia brilhante, pois Hiro conseguiu ver um leve sorriso nos seus lábios.

- Sim, vossa majestade, ele é que deu a ideia para que houvesse esta punição. - Lentamente na mente de Hiro apareceu um vislumbre da ideia que Kado tinha tido.

"Ele só pode estar desesperado, ao ponto de estar a querer que ela nos ajude só para se vingar do ex-marido, ela nunca vai cair nessa, e mesmo que caia nunca teremos a garantia que ela a meio não mude de lado...Aí sim, seriam as nossas cabeças a rolar no chão."

Kado estava com o ar mais inocente que o mundo dos mortos o tinha ensinado a pôr, e Izamani estava completamente fora de si. As servas já tinham todas saído de perto dela com medo de perderem as suas cabeças, e estavam cada vez mais perto da porta da cela, para o caso de terem mesmo de fugir. Ela tinha mudado completamente de feição: os seus olhos eram agora um foco de luz intensa e no rosto dela notavam-se as veias devido á sua ira.

- Vocês estão a dizer que como se já não bastasse ele ter assassinado o meu filho ele teve esta vil ideia?! Ajudarei no que for necessário!

- Iniciaste uma guerra, satisfeito? - perguntou Hiro a Kado o mais baixo possível para não ser ouvido.

- Cada um faz o que pode! - respondeu logo Kado olhando para Izanami com um sorriso vitorioso. - Com ela do nosso lado, vai ser muito fácil encontrar quem deixaste fugir, e teremos a vida facilitada.

- Achas mesmo que isto vai correr bem? - perguntou Hiro enquanto Izanami decapitava uma por uma as suas servas como se se tratasse de pétalas de uma flor.

- Tem de correr, porque se isto não resultar, vamos ser nós a pagar. - disse Kado, agora mais sério olhando para Hiro.

Izanami deixou apenas duas servas, segundo ela eram as mais antigas, que estavam habituadas a servi-la (segundo Kado, as mais antigas para ela eram apenas as que tinham sobrevivido mais tempo sem terem a cabeça arrancada).

Depois de ter acabado o seu ataque de fúria e ainda com as roupas cheias de sangue das vidas que tinha tirado, Izanami estava mais calma, o seu rosto já tinha voltado ao estado normal, e estava mais racional.

- Disseram que precisam que eu use a Visão. Mas perdi parte dos meus dons quando vim para este lugar. Ele quis assim, não sei se foi da revolta, ou do desgosto, mas deixou-me aqui às portas da morte, sem qualquer meio de sobrevivência. Tive sorte, Susanoo teve pena de mim e acabou por me ajudar sem ele saber. Amaterasu ajudou também, restaurando o meu rosto, para eu não ter de conviver com aquele rosto hediondo o resto da eternidade. Com o passar dos séculos fui recuperando a minha força, alguns dos meus dons estão a regressar aos poucos, mas a Visão não é um deles.

- Perdão pela minha ignorância majestade, mas que dom é esse? - perguntou Hiro curioso.

- A Visão, é um dom que me permitia em segundos saber a localização de qualquer que fosse o ser. Normalmente não necessitava de o usar, usava apenas em último caso.

- Mas porque é que o tiraram?

- És burro? - perguntou incrédulo Kado de repente esquecendo-se que estava na presença de uma Divindade. - Se Izanami tivesse ainda o poder da Visão conseguiria sempre saber onde ele estava, todos os seus passos! Achas que isso seria bom para ele?!

- Primeiro, não sou burro. Tu esqueces-te que eu estive a viver durante dois séculos com aqueles humanos por conta da punição que recebi, tiraram-me as memórias, tudo, parte da minha "vida" eu não me recordo. Por isso é normal eu não me lembrar de algumas coisas como por exemplo o dom de sua majestade!

- Irás ter de volta as tuas memórias, não te preocupes. - disse inesperadamente Izamani. Tanto Kado como Hiro ficaram boquiabertos a olhar para ela, como se esperassem a continuação do que ela tinha dito, mas ela manteve-se serena, a olhar de novo para o vazio.

- Então como é que vamos conseguir encontrar esta pessoa?! - perguntou passado algum tempo Kado começando a fazer contas à sua vida.

- Simples. Se eu recuperar o meu dom tudo irá correr bem.

- Se me permite a questão majestade, e como vamos fazer isso?

- Indo até quem me pode devolver o dom...

Lentamente, a resposta foi-se formando, juntamente com um gemido na boca de Hiro: ir falar com Izanagi não estava nos planos de ninguém e um confronto entre os dois irmãos nunca iria acabar bem.

- Vamos em frente então! - disse cheio de entusiasmo Kado visivelmente pronto para ver o circo pegar fogo.