— Em primeiro lugar, com 68 orelhas esquerdas, está a equipe da nossa querida Cassandra, liderada pela Glutona!
Ana e a Sombra fizeram uma reverência conjunta enquanto a arena era coberta de aplausos e gritos de aprovação. O sorriso da garota era de pura satisfação, embora a Sombra ao seu lado a encarasse com olhos resignados.
— Não está feliz demais para alguém que é só uma peça?
— Se eu não vencer, volto para aquelas imundas celas. Você deveria ficar feliz também, enquanto não encontrar uma forma de sair vai poder pelo menos ficar confortável.
A conversa foi interrompida pelo anúncio que se seguiu após os aplausos diminuírem. As luzes do topo da arena focaram-se em duas das duplas participantes.
— Em segundo lugar, com 50 orelhas, temos um empate entre a equipe de Lysandra, composta pela Bruxa e a novata Amanda, e os novatos sem nome de Tiberius! — O apresentador continuou, até que uma risada alta e perturbadora interrompeu o momento.
— Oh, acabei me esquecendo de uma — disse a Bruxa, com um sorriso radiante. Seus olhos encontraram-se com os de sua dupla, que a observava com um medo crescente. Com um movimento rápido e preciso, ela segurou os cabelos de Amanda, cortando sua orelha esquerda de forma limpa. Após um grito dolorido cobrir a arena, a Bruxa jogou o pedaço de carne para o apresentador.
— Aqui está, uma orelha extra! — declarou triunfante. O público ficou em silêncio por um momento, chocado, antes de explodir em mais aplausos e risos.
— Bem, parece que temos uma nova contagem! A equipe de Lysandra agora possui 51 orelhas, garantindo o segundo lugar! — O apresentador, surpreso mas mantendo sua compostura, declarou no microfone. — Em terceiro lugar, com 50 orelhas, os novatos de Tiberius! — Os dois mascarados levantaram os braços em uma saudação modesta, ainda sem que tivessem expressões visíveis.
— E em último lugar, com 45 orelhas, o Colosso!— A voz do homem ainda estava animada, mas era claro que a última colocação do Colosso era uma surpresa para muitos.
O grande homem apenas deu de ombros, quebrando a algema onde o braço ainda pendia e caminhando para o portão de onde havia saído no início da prova. Os aplausos seguiram enquanto os demais gladiadores faziam o mesmo, deixando a arena, mas cessaram após o apresentador erguer as mãos, pedindo silêncio novamente.
— Agora, espectadores, peço que relaxem por um momento. Teremos a próxima etapa começando em apenas uma hora!
***
— Parabéns, vocês duas! Fizeram um trabalho excelente! — Cassandra exclamou, removendo a corrente dos braços das gladiadoras. Sua postura confiante e braços cruzados exalavam orgulho.
— Foi um bom começo, só preciso de mais uma vitória para garantirmos uma boa colocação — Ana sorriu, ainda suada e cansada.
A Sombra manteve o silêncio, sentando-se em um banco próximo e observando a estranhamente animada interação.
— Se ganhar o primeiro lugar esse ano, podemos conversar novamente sobre seu laboratório.
— Lembre-se dessas palavras, pois vou cobrar — o sorriso da rainha mercenária parecia genuíno, e com alguns passos cansados, jogou-se em um banco ao lado de sua dupla.
— E aqueles novatos? Estranhos, não acham?
— Tiberius deve ter encontrado algo especial. Precisamos ficar de olho — falou Cassandra, franzindo a testa. — Eles ficaram sentados durante toda a prova, cortando as criaturas que passavam por eles. Não eram atacados, como se não fossem vistos.
Ana e a Sombra trocaram olhares, um acordo silencioso para manter a atenção.
— Bom, deem o seu melhor, ao menos já está quase garantido que não ficaremos na pior posição. Por sinal, não esqueci do seu pedido, pega logo esse negócio nojento e fica preparada, em breve os guardas voltam para te chamar.
Com um gesto brusco, Cassandra jogou duas carcaças felinas em cima da mesa, afastando-se da sala com passos apressados.
— É disso que estou falando! Você é a melhor, Cassandra! — gritou Ana, vendo as costas da mulher musculosa cada vez mais longe.
— Que porcaria é essa? — perguntou a Sombra, com notável curiosidade.
Ao invés de uma resposta direta, as mãos de Ana puxaram o órgão central do corpo já aberto da criatura, mordendo-o em seguida e fechando os olhos para aproveitar o sentimento de exaustão se esvaindo.
— É quase como um café, a mana deixa o corpo quase novo depois de um dia cansativo.
— Então… é daí que veio o apelido?
— Isso aí. Você também deveria experimentar, só teremos descanso antes da última prova, hoje o dia vai ser muito cansativo. Muito mesmo.
— Acho que vou passar, mas agradeço…
Dando de ombros, Ana seguiu sua refeição, preparando-se para o segundo confronto.
***
O apresentador, com uma voz imponente e animada, destacou-se entre as milhares de pessoas presentes na arena. Sua voz amplificada ecoou pelo espaço, atraindo a atenção de todos.
— Bem-vindos à segunda prova do início da temporada! — A voz cheia de entusiasmo ecoou pelo ambiente. — Decidimos trazer uma mudança interessante este ano. Inicialmente, seguiríamos com as quatro provas, mas, após vermos quais provas seriam e algumas deliberações internas, resolvemos juntar duas delas! A prova do labirinto e a prova de sobrevivência foram combinadas para criar um desafio ainda mais emocionante!
O público murmurou em excitação, confusos, mas ansiosos para ver como essa nova prova seria realizada.
— As elites terão que navegar por um labirinto mortal, repleto de armadilhas, enquanto são atacados continuamente por outros gladiadores e criaturas ferozes. As regras são simples: o time que conseguir encontrar e ativar três dos muitos artefatos mágicos espalhados pelo labirinto será o vencedor. — Ele fez uma pausa, deixando a informação penetrar nas mentes dos competidores e espectadores. — E tem mais! Qualquer gladiador que conseguir derrotar uma dupla principal ganhará uma vaga como subordinado ao chefe da equipe derrotada. Lembrem-se, não basta apenas sobreviver. Vocês precisam ser rápidos e inteligentes. Ativem os três artefatos antes dos outros times e garantam a vitória.
— Parece que será divertido — disse Ana com um sorriso confiante.
— Divertido não é a palavra que eu usaria — murmurou a Sombra, olhando para a entrada do labirinto com apreensão. — Aliás, a arena não é tão grande assim, como vão fazer um labirinto sem que fique simplesmente uma multidão caótica?
— Ah, não se preocupe, o labirinto foi uma das provas do ano passado, apesar de que ter gladiadores normais participando é bem inesperado. É uma estrutura bem impressionante, por sinal, mas muito claustrofóbica.
Os portões se abriram novamente, revelando o mesmo chão de terra batida de antes. O lugar vazio e pouco iluminado trouxe um olhar confuso para a Sombra.
— Fiquei com a mesma cara quando cheguei aqui — murmurou Ana. — Em breve deve começar…
De repente, o chão da arena começou a tremer e se mover. Blocos de pedra enormes emergiram do solo, erguendo-se para formar as paredes do labirinto. Em poucos minutos, uma estrutura imponente e complexa se erguia diante dos olhos atônitos dos espectadores e gladiadores.
O labirinto tinha quatro andares, com paredes altas e cobertas de musgo, acompanhadas de um ar úmido e carregado de tensão. Seus milhares de corredores eram estreitos e irregulares, quase não permitindo que duas pessoas caminhassem lado a lado. Pequenos drones, velozes e silenciosos, surgiram do céu, prontos para capturar cada momento e transmitir para as várias telas que lentamente giravam ao redor da arena.
— Impressionante… — sussurrou a Sombra, seus olhos arregalados.
— Eu avisei — respondeu Ana, ajustando a empunhadura de sua espada.
— Estão prontos? — gritou o apresentador. — Que os jogos comecem!
As equipes correram para dentro do labirinto, o som de seus passos ecoando pelas paredes estreitas. Ana e a Sombra seguiram juntas, movendo-se com cuidado e velocidade.
Dentro do labirinto, a atmosfera era opressiva. Os corredores sinuosos pareciam querer esmagar quem caminhava sobre eles, e muitas vezes terminavam em becos sem saída. A iluminação era fraca, proveniente apenas de pequenas tochas colocadas esporadicamente nas paredes. Os drones acompanhavam de perto os movimentos dos gladiadores, suas lentes brilhando enquanto transmitiam a ação para o público.
— Fique atenta a qualquer sinal dos artefatos — disse Ana, seus olhos escaneando o ambiente.
— E as criaturas? — perguntou a Sombra.
— Elas virão, mas felizmente as lutas por aqui costumam ser individuais.
Enquanto avançavam, ouviram os sons de luta ecoando pelos corredores. Gritos de dor e o clangor de espadas se chocando encheram o ar, lembrando-os constantemente do perigo ao redor.
De repente, um grupo de criaturas saltou de uma abertura oculta nas paredes. Eram bestas pequenas e grotescas, com garras afiadas e olhos brilhantes. Vendo as duas mulheres, dispararam em sua direção de imediato, agarrando-se às paredes e ao teto em ágeis movimentos.
— Você não disse lutas individuais?
— Na próxima calo a merda da minha boca, agora só corre! — gritou Ana, levantando a espada para interceptar o ataque da primeira besta. A lâmina cortou o ar com um som agudo, cravando-se profundamente no crânio da criatura.
A Sombra seguiu o exemplo, movendo-se com rapidez e precisão. Sua espada bastarda desceu em um arco mortal, partindo uma das bestas em dois.
— Continue se movendo! Não podemos parar! — ordenou Ana, empurrando a Sombra adiante enquanto despachava mais uma criatura com um golpe certeiro.
Elas correram pelos corredores estreitos, o som dos pequenos monstros seguindo-as de perto. Ao virarem uma esquina, deram de cara com um beco sem saída. Ana bufou frustrada e procurou por qualquer saída alternativa.
— Por aqui! — gritou a Sombra, apontando para uma pequena abertura na parede oposta a onde estavam, grande o suficiente para que ambas passassem se rastejassem.
— Vai! Eu seguro elas! — Com movimentos fluidos, Ana lutou para segurar as criaturas que as perseguiam enquanto a Sombra se arrastava pela abertura. Uma vez que a Sombra estava do outro lado, ela a seguiu rapidamente, sentindo as garras das bestas rasparem suas costas enquanto escapava por pouco.
— Bom, para nossa sorte parecem hesitantes em atravessar e dar de cara com nossas lâminas, parece que não são totalmente estúpidas — disse a garota enquanto tentava sentir a profundidade das feridas nas costas. — De qualquer forma, fique de olho, vou ativar essa belezinha aqui.
Com as armas firmemente em mãos, a Sombra assentiu em concordância, atenta a novos movimentos vindos dos arredores. Inesperadamente havia um pedestal no centro da sala na qual chegaram. Sobre o pedestal, um artefato arredondado brilhava intensamente com uma luz etérea.
— A ativação é algo complexo?
— Na verdade não, é bem anti climático. Só preciso pressionar isso aqui por quinze segundos — em meio a resposta, Ana abriu um pequeno compartimento escondido em meio a intensa luz. Nele, um botão vermelho estava posicionado, tirando um pouco da magia da ocasião.
Em pouco tempo, a luz brilhou ainda mais intensamente, sinalizando sua ativação. Dois artefatos restavam.
A equipe de Cassandra continuou a explorar os corredores do labirinto, atentas a qualquer sinal de perigo. As passagens eram cada vez mais apertadas, forçando-as a caminhar em posições levemente diferentes.
De repente, ouviram passos apressados atrás de si. Viraram-se rapidamente e se depararam com dois homens altos, ambos com expressões ferozes, prontos para atacar.
— Parece que temos companhia — murmurou Ana, levantando sua espada.
— Vamos acabar com isso rapidamente — respondeu a Sombra, assumindo uma postura de combate.
Os gladiadores avançaram, suas espadas cortando o ar em direção às mulheres. O primeiro golpe foi desajeitado, facilmente evitado por Ana que deu um passo para o lado e contra-atacou com um movimento preciso, desarmando o oponente com um golpe rápido no punho.
— Isso é tudo que você tem? — zombou a garota, antes de desferir uma estocada rápida, perfurando seu oponente e voltando para a postura em um piscar de olhos.
Enquanto isso, a Sombra enfrentava o segundo gladiador. Ele tentou um golpe de cima para baixo, mas a Sombra bloqueou com facilidade, girando a espada em um movimento fluido que desarmou seu adversário. Com um chute rápido, ela o derrubou no chão.
— Vocês deviam ter ficado fora disso — disse a Sombra, olhando para os gladiadores caídos com desdém.
Ana balançou a cabeça, um sorriso irônico nos lábios. Sem perder mais tempo, as duas continuaram pelo labirinto. Cada passo era calculado, cada corredor explorado com cautela, enquanto buscavam o próximo artefato.
— Espero que os próximos sejam mais desafiadores.
— Não subestime o labirinto, a quantidade de artefatos é bem menor que a de elites, então no fim todos acabam se concentrando no último andar. Quanto mais nos aproximamos do objetivo, mais perigoso se torna — respondeu Ana, mantendo a guarda alta. — Acho que devemos estar nos aproximando de algo… aquela sala é realmente estranha.
Seus dedos apontavam para um arco que levava a uma sala escura. Era maior e mais alta do que as outras, com várias correntes cobrindo o chão e as paredes, e terminadas com suas pontas penduradas em uma grade no teto. As ligas de aço balançavam suavemente, emitindo um som metálico que ressoava pelo espaço.
— O que é isso? — perguntou a Sombra.
— Deve ser um mecanismo para subir para o próximo andar — respondeu Ana, caminhando em direção às correntes. — Fique atenta, pode haver armadilhas ou outras surpresas desagradáveis.
— Se você sabe disso, não faz mais sentido buscarmos outro lugar?
— Não vai ser muito diferente do que quer que tenha aqui.
Enquanto conversavam e exploravam a sala, perceberam que algumas correntes eram mais longas e robustas, claramente destinadas a serem escaladas. Ana agarrou uma delas, testando sua resistência antes de se pendurar.
— Vamos. Precisamos ser rápidas.
A Sombra assentiu e agarrou outra corrente, começando a subir ao lado de Ana. O movimento aumentava o eco já constante na sala, aumentando a sensação de urgência.
Quando estavam a meio caminho, um ruído perturbador chamou a atenção de ambas. Uma enorme centopeia, com um exoesqueleto escuro e olhos brilhantes, deslizou silenciosamente entre as correntes, enrolando-se nos elos como se fizesse parte deles. Seu corpo sinuoso e suas muitas patas se moviam com uma graça perigosa, e suas presas gotejavam um viscoso líquido escuro.
— Cuidado! — gritou a Sombra, levantando sua arma.
O inseto atacou com uma velocidade impressionante, tentando morder Ana, que conseguiu desviar por pouco. A Sombra golpeou a criatura, mas sua casca era dura como metal, e a lâmina não conseguiu penetrá-la.
A centopeia se voltou para a garota pálida, suas presas mortais prontas para atacar. Aproveitando a distração, Ana desferiu um corte em direção a cabeça da criatura, fazendo-a recuar momentaneamente. No entanto, ela se recuperou rapidamente, movendo-se ainda mais furiosamente entre as correntes.
— Tem que haver uma maneira de pará-la! — exclamou a Sombra, desviando-se de mais um ataque.
— Não podemos perder tempo aqui! Apenas suba rapidamente — gritou Ana.
Com esforço redobrado, a Sombra começou a se lançar para cima, enquanto Ana usava todas as suas habilidades para manter o repugnante monstro ocupado.
Finalmente, a Sombra alcançou a abertura no teto, puxando-se para cima com força. Olhando para a escuridão abaixo, viu Ana lutar com todas as suas forças. Golpes precisos e desvios rápidos marcaram a luta intensa entre a mercenária e a centopeia.
— Ana, vamos! Eu te puxo! — A Sombra estendeu a mão, gritando.
Com um último esforço, Ana desferiu um golpe que fez a centopeia recuar o suficiente para lhe dar uma abertura. Agarrando-se à corrente e imitando os movimentos que havia visto, começou a lançar-se para cima, deixando de lado qualquer preocupação com a segurança, pegando a mão estendida pouco antes de um novo ataque chegar às suas pernas.
As duas se jogaram no chão, respirando pesadamente. A sala abaixo ecoou com o som frustrado do monstro, incapaz de segui-las.
— Isso foi por pouco — disse Ana, respirando pesadamente. — Mas parece que realmente estamos com sorte hoje, há um segundo altar!
Sem perder tempo, a garota correu ao local, já preparada para apertar o botão, quando de repente foram ouvidos passos rápidos se aproximando. Com uma virada brusca, viram a Bruxa, com seu sorriso sádico, também correndo em direção ao artefato, seguida pelos novatos de Tiberius.
— Mas que merda, eu só precisava de quinze segundos! — murmurou Ana, puxando a espada da bainha.