Elohkar revelou-se um homem difícil de achar.
Tinha um gabinete no Conclave, mas nunca parecia usá-lo. Quando visitei a seção de Registros e Listas, descobri que ele só lecionava uma matéria: Matemática Improvável. Mas isso não chegou a ser útil para encontrá-lo, porque, de acordo com o registro, o horário da aula era "agora" e o local era "todos os lugares".
No fim, avistei-o por mero acaso do outro lado de um pátio lotado de gente. Usava sua toga negra de professor, o que era uma raridade. Eu estava a caminho da Iátrica, mas resolvi que preferia atrasar-me para a aula a perder a oportunidade de falar com ele.
Quando consegui atravessar a multidão do meio-dia e alcançá-lo, estávamos no limite norte da Academia, seguindo uma larga estrada de terra que levava à floresta.
— Mestre Elohkar — chamei, precipitando-me a seu encontro. — Eu tinha a esperança de poder falar com o senhor.
— Esperancinha lamentável — disse ele, sem diminuir o passo nem olhar na minha direção. — Você deveria ter metas mais elevadas. Um jovem deve inflamar-se com grandes ambições.
— Então tenho a esperança de estudar a arte de nomear — retruquei, encadeando o passo com o dele, a seu lado.
— Alta demais — ele rebateu sem rodeios. — Tente de novo. Alguma coisa a meio caminho.
A estrada de terra fez uma curva e as árvores bloquearam a visão dos prédios da Academia atrás de nós.
— Espero que o senhor me aceite como aluno — tentei de novo. — E me ensine o que achar melhor.
Elohkar parou de andar abruptamente e se virou para me olhar.
— Ótimo. Vá procurar três pinhas para mim — disse. Fez um círculo com o polegar e o indicador e acrescentou: — Deste tamanho, sem nenhum pedacinho quebrado. — Sentou-se bem no meio da estrada, fazendo um gesto de enxotar. — Vá. Depressa.
Disparei para as árvores circundantes. Levei uns cinco minutos para encontrar três pinhas do tipo apropriado. Quando voltei para a estrada, estava descabelado e cheio de arranhões feitos pelo matagal. Não se via Elohkar em parte alguma.
Olhei em volta como um idiota, disse um palavrão, larguei as pinhas e saí correndo, seguindo a estrada para o norte. Alcancei-o bem depressa, já que ele caminhava devagar, olhando para as árvores.
— E então, o que aprendeu? — perguntou-me.
— Que o senhor quer que o deixem em paz?
— Você é rápido — fez ele. Abriu dramaticamente os braços e entoou: — Eis que se encerra a lição! Aqui termina minha profunda tutelagem do A'lun Vanitas!
Dei um suspiro.
Se fosse embora naquele momento, ainda conseguiria pegar minha aula na látrica, mas parte de mim desconfiou que aquilo poderia ser uma espécie de teste. Talvez Elohkar quisesse simplesmente certificar-se de que eu estava de fato interessado, antes de me aceitar como aluno. É assim que costuma acontecer nas histórias: o jovem tem que provar sua dedicação ao velho eremita da floresta para que este o acolha sob sua proteção.
— O senhor poderia responder algumas perguntas?
— Certo — disse ele, levantando a mão com o polegar e o indicador fechados. — Três perguntas. Se você concordar em me deixar sossegado depois delas.
Refleti por um instante.
— Por que o senhor não quer me ensinar?
— Porque os Therion são alunos excepcionalmente ruins — respondeu-me em tom brusco. — São ótimos para memorizar o que precisa ser aprendido, mas o estudo da nomeação exige um nível de dedicação que gente enrolada como vocês raramente possui.
Meu ânimo se inflamou com tanto calor e rapidez que cheguei a sentir a pele enrubescer. O rubor começou em meu rosto e desceu queimando pelo peito e pelos braços. Deixou os pelos de meus braços arrepiados.
Respirei fundo.
— Lamento que a sua experiência com os Therion tenha deixado algo a desejar — respondi com cuidado. — Permita-me assegurar-lhe que...
— Pelos deuses! — suspirou Elohkar, enojado. — Um lambe-botas, ainda por cima. Faltam-lhe a garra e a força testicular necessárias para estudar comigo.
Palavras acaloradas fervilharam dentro de mim. Reprimi-as. Ele estava tentando me fisgar.
— O senhor não está me dizendo a verdade. Por que não quer me ensinar?
— Pela mesma razão por que não quero um cachorrinho! — Gritou Elohkar, agitando os braços no ar como um lavrador que tentasse espantar corvos de um campo. — Porque você é baixo demais para ser nomeador. Seus olhos são verdes demais. Você tem a quantidade errada de dedos. Volte quando for mais alto e houver encontrado um par decente de olhos.
Encaramo-nos por um bom tempo. Por fim, ele deu de ombros e recomeçou a andar.
— Está bem. Eu lhe mostro por quê.
Seguimos pela estrada para o norte. Elohkar foi passeando, catando pedras e atirando-as nas árvores. Pulava para arrancar folhas de galhos baixos, fazendo a toga de professor inflar-se de um jeito ridículo. A certa altura, parou e ficou imóvel e atento por quase meia hora, contemplando uma samambaia que balançava devagar ao vento.
Mas prendi firmemente a ponta da língua entre os dentes. Não perguntei para onde íamos nem o que ele estava olhando. Conhecia uma centena de histórias sobre garotos que desperdiçavam perguntas ou desejos por falarem demais. Restavam-me duas perguntas, e eu pretendia fazer com que valessem.
Por fim saímos da floresta e a estrada se transformou numa trilha que atravessava um vasto gramado em direção a uma enorme construção. Maior do que a Artificiaria, tinha linhas elegantes, cobertura de telhas vermelhas, janelas altas, portais em arco e pilastras. Havia fontes, flores, cercas vivas...
Mas alguma coisa não estava muito certa. Quanto mais nos aproximávamos dos portões, mais duvidava de que aquela fosse a propriedade de um nobre. Talvez isso tivesse algo a ver com o projeto dos jardins, ou com o fato de que a grade de ferro batido que circundava os gramados tinha três metros de altura e era impossível de escalar, para meu olhar treinado de ladrão.
Dois homens de expressão séria abriram o portão e seguimos pela trilha que levava à porta de entrada. Elohkar me olhou.
— Você já ouviu falar do Refúgio?
Abanei a cabeça.
— Tem outros nomes: Ninho de Gralhas, Aluadouro...
O manicômio da Academia.
— É enorme. Como... — parei antes de fazer a pergunta.
Elohkar sorriu, ciente de quase ter me pego.
— Jeremias — disse, chamando o homem corpulento parado à porta de entrada. — Quantos convidados temos hoje?
— À recepção pode fornecer-lhe a contagem, senhor — respondeu o homem, com mal-estar.
— Dê um palpite — insistiu Elohkar. — Aqui somos todos amigos.
— Vinte e três? — disse Jeremias, encolhendo os ombros. — Cinquenta e três?
Elohkar bateu com o nó do dedo na porta de madeira grossa e o homem correu para destrancá-la.
— Quantos mais poderíamos acomodar, se fosse preciso? — perguntou-lhe Elohkar.
— Outros 150, facilmente — informou Jeremias, empurrando a porta para abri-la. — Creio que mais, numa emergência.
— Viu, Vanitas? — disse o Mestre, piscando o olho para mim. — Estamos preparados.
O vestíbulo era imenso, com janelas altas de vitral e teto arqueado. O piso era de mármore, polido até brilhar como um espelho.
Fazia no lugar um silêncio sobrenatural. Não consegui compreender. O Manicômio Vista do Mar, em Notrean, tinha apenas uma fração do tamanho desse, mas soava como um bordel cheio de gatos furiosos. Podia-se ouvi-lo acima do barulho da cidade a mais de 1 quilômetro de distância.
Elohkar dirigiu-se a passos lentos a uma grande recepção onde havia uma jovem em pé.
— Por que não há ninguém do lado de fora, Nia?
Ela lhe deu um sorriso sem graça.
— Hoje eles estão muito agitados, senhor. Achamos que vem uma tempestade — disse, e retirou um registro da prateleira. — E também estamos entrando na Lua cheia. O senhor sabe como isso afeta as coisas.
— É claro que sei — concordou Elohkar, que se agachou e começou a desamarrar os sapatos. — Onde puseram o Whet desta vez?
A moça folheou algumas páginas do livro.
— Segundo andar à direita, 289.
Elohkar se levantou e pôs os sapatos no balcão.
— Cuide deles para mim, sim?
Nia deu-lhe um sorriso inseguro e assentiu com a cabeça.
Engoli outra porção de perguntas.
— A Academia parece ter uma despesa enorme aqui — comentei.
Ele me ignorou e subiu uma ampla escada de mármore, apenas de meias. Depois entramos num corredor comprido e branco, ladeado por portas de madeira. Pela primeira vez ouvi os sons que esperaria num lugar daqueles. Gemidos, choro, um tagarelar incessante, gritos, tudo muito vago.
Elohkar deu uns passos correndo, soltou-se e deixou os pés deslizarem pelo piso liso de mármore, com a toga de professor esvoaçando às suas costas. Repetiu o procedimento: alguns passos ligeiros, depois um deslizar comprido, com os braços abertos para manter o equilíbrio.
Continuei caminhando a seu lado.
— Acho que os professores poderiam encontrar outros usos mais acadêmicos para a verba da Academia.
Elohkar não me olhou.
Passo. Passo, passo, passo.
— Você está tentando me fazer responder a perguntas que não formulou — deslizar. — Não vai funcionar.
— O senhor está tentando me induzir a fazer perguntas — assinalei. — Parece justo.
Passo, passo, passo. Deslizar.
— Então, por que diabo você se incomoda comigo, afinal? O Kelvin gosta muito de você. Por que não atrela sua estrela à carroça dele?
— Creio que o senhor sabe coisas que não posso aprender com mais ninguém.
— Coisas como o quê?
— Coisas que quero saber desde a primeira vez que vi alguém chamar o vento.
— O nome do vento, foi isso? — disse Elohkar, erguendo as sobrancelhas. Passo. Passo. Passo, passo, passo. — Isso é complicado. — Deslizaaaaaar. — O que o leva a crer que sei alguma coisa sobre chamar o vento?
— Um processo de eliminação. Nenhum dos outros mestres faz esse tipo de coisa, portanto, deve ser da sua alçada.
— Pela sua lógica, eu também deveria ser o encarregado das danças serenianas, de bordados e costura e do roubo de cavalos.
Chegamos ao fim do corredor. No meio de uma escorregadela, Elohkar quase derrubou um sujeito grandalhão e espadaúdo que carregava um livro de capa dura.
— Mil perdões, senhor — disse o homem, embora obviamente a culpa não fosse dele.
— Herik — disse Elohkar, apontando-lhe um dedo comprido. — Venha conosco.
O professor seguiu à frente, atravessando vários corredores menores, e acabou chegando a uma porta pesada de madeira, com um painel de correr na altura dos olhos. Abriu-o e espiou o interior.
— Como ele está?
— Calmo — disse o grandalhão. — Acho que não tem dormido muito.
Elohkar experimentou o trinco e, com expressão carrancuda, se virou para o homem de ombros largos.
— Você o trancou?
O homem era uma cabeça mais alto que Elohkar e provavelmente tinha o dobro do peso, mas o sangue sumiu de seu rosto quando o mestre descalço lhe lançou um olhar furioso.
— Eu não, Mestre Elohkar. É...
Elohkar o interrompeu com um gesto ríspido.
— Destranque a porta.
Herik se atrapalhou com o molho de chaves, enquanto Elohkar continuava a encará-lo.
— Raldin Whet não deve ser confinado. Pode entrar e sair quando bem entender. Nada deve ser posto em sua comida, a menos que ele o peça especificamente. Vou responsabilizá-lo por isso, Herik Galibo — disse Elohkar, cutucando-lhe o peito com seu dedo comprido. — Se eu descobrir que o Whet foi sedado ou contido, eu o farei correr nu pelas ruas de Torrente, de quatro, e o montarei feito um pôneizinho cor-de-rosa. — Tornou a fuzilá-lo com os olhos. — Saia daqui.
O sujeito se afastou o mais depressa que pôde, sem propriamente sair correndo. Elohkar virou-se para mim.
— Você pode entrar, mas não faça barulhos nem movimentos súbitos. Não fale, a menos que ele fale com você. Se falar, mantenha a voz baixa. Entendeu?
Fiz que sim e ele abriu a porta.
O cômodo não era como eu havia esperado.
Janelas altas deixavam entrar a luz do sol, revelando uma cama ampla e uma mesa com cadeiras. Todas as paredes, o teto e o piso eram acolchoados com um grosso tecido branco, que abafava até os ruídos mais leves do corredor. As cobertas tinham sido tiradas da cama e um homem magro, de uns 30 anos, embrulhava-se nelas, aninhado contra a parede.
Elohkar fechou a porta e o homem miúdo se encolheu um pouco.
— Whet? — disse baixinho o professor, chegando mais perto. — O que aconteceu?
Raldin Whet levantou a cabeça, com um olhar de coruja. Um gravetinho de homem, estava de peito nu por baixo do cobertor, o cabelo em completo desalinho, os olhos redondos e arregalados. Falava baixo, com a voz meio embargada.
— Eu estava bem. Estava indo bem. Mas toda aquela gente falando, cachorros, as pedras do calçamento... Não posso ficar perto disso agora.
Whet encostou-se ainda mais na parede e o cobertor escorregou de seus ombros ossudos. Levei um susto ao ver um guildre de chumbo pendurado em seu pescoço. O homem era arcanista diplomado.
Elohkar assentiu com a cabeça.
— Por que você está no chão?
Whet olhou para a cama com pânico nos olhos.
— Vou cair — disse baixinho, com a voz entre o pavor e o constrangimento. — E há molas e ripas. Pregos.
— Como está neste momento? — perguntou Elohkar, com delicadeza. — Quer voltar comigo?
Náãâáãáãooo — fez Whet, soltando um gemido de desamparo, desesperado, espremendo os olhos e puxando o cobertor para si. Sua voz fina e rachada tornou o apelo mais desolador do que se ele tivesse berrado.
— Tudo bem. Você pode ficar — disse Elohkar, baixinho. — Eu volto para visitá-lo.
Ao ouvir isso, Whet arregalou os olhos, agitado.
— Não traga o trovão — implorou. Esticou a mão fina para fora do cobertor e agarrou a camisa de Elohkar. — Mas preciso de um apito-de-ponta e de pelagem azul, e de ossos também — acrescentou, em tom urgente. — Ossos de tendão.
— Eu os trarei — garantiu-lhe Elohkar, fazendo sinal para que eu saísse do quarto. Saí.
Ele fechou a porta atrás de nós com uma expressão tristonha.
— O Whet sabia no que estava se metendo quando se tornou meu guildeiro — comentou, começando a andar pelo corredor. — Você não sabe. Não sabe nada da Academia. Dos riscos envolvidos. Pensa que este lugar é a terra das fadas, um parque de diversões. Não é.
— Tem razão — rebati. — É um parque de diversões, e todas as outras crianças estão com inveja porque eu brinquei de "seja banido do Arquivo e chicoteado até sangrar" e elas não.
Elohkar parou de andar e se virou para mim.
— Ótimo. Prove que estou errado. Prove que pensou bem nisso: por que a Academia, com menos de 1500 alunos, precisa de um manicômio do tamanho do palácio real?
Minha cabeça disparou.
— A maioria dos estudantes vem de famílias abastadas. Tem vida fácil. Quando eles são obrigados a...
— Errado — disse Elohkar, com indiferença, e continuou a percorrer o corredor. — É por causa do que estudamos. Da maneira como treinamos a mente a funcionar.
— O senhor está dizendo que as cifras e a gramática enlouquecem as pessoas — comentei, tomando o cuidado de formular a frase em tom de afirmação.
Elohkar parou de andar e escancarou a porta mais próxima. Gritos de pânico irromperam pelo corredor:
— ...DE MIM! ESTÃO DENTRO DE MIM! ESTÃO DENTRO DE MIM! ESTÃO DENTRO DE MIM!
Pela porta aberta vi um rapaz se debatendo contra as tiras de couro que o prendiam à cama pelos pulsos, cintura, pescoço e tornozelos.
— À trigonometria e a lógica diagramática não fazem isso — afirmou Elohkar, encarando-me.
— ESTÃO DENTRO DE MIM! ESTÃO DENTRO DE MIM! ESTÃO DENTRO... — continuaram os gritos, num cantochão1 ininterrupto, como o ladrar interminável e disparatado de um cão na madrugada. — ...DE MIM! ESTÃO DENTRO DE MIM! ESTÃO DENTRO DE MIM! ESTÃO...
Elohkar fechou a porta. Embora eu ainda pudesse ouvir vagamente os gritos através de sua grossa espessura, o quase-silêncio era espantoso.
— Sabe por que chamam este lugar de Ninho de Gralhas?
Abanei a cabeça.
— Porque é para onde você vai quando matraqueia feito gralha em seu delírio.
Deu-me um sorriso desvairado. Soltou uma gargalhada terrível.