Qual o maior vazio que existe, o do espaço ou aquele que o homem cultiva?
Yanna ficou observando a grande nave, pintada nas cores da Mulan, a companhia líder em voos para Marte, estacionada no pátio. No brilho do sol a nave ficara ainda mais bonita, com o casco pintado na cor de cobre, parecendo um brilhante metal enferrujado. Tinha que confessar que o efeito era bonito, talvez um esforço da companhia para que todos vissem marte de uma outra forma, o que poderia ser verdade, ao menos para ela. E não era por causa do planeta, que ela já vira muitas vezes. Sempre tivera vontade de ir até lá, como qualquer ser normal fazia, mas havia algo terrível entre ela e o planeta que admirava: havia um terrível abismo. Já fizera muitas missões no espaço, mas todos bem sabiam o quanto ele a apavorava. Por toda a volta, por onde quer que olhasse, havia só o vazio, e dentro dele, à toda sua volta, planetas e luas, e sóis, e monstros imensos que poderiam destruir todo o sistema solar, e boa parte da galáxia...
Como poderia explicar o pânico total que sentira ao saber que estava flutuando no espaço, sem nada a segurá-la, a mantê-la no lugar? Qualquer impulso e ela se afundaria no nada, e de nada adiantaria se remexer e se apavorar; apenas teria que aguardar uma ajuda ou a morte. Seria como se afundar numa imensa areia movediça transparente repleta de pirilampos. Na verdade, quando estivera suspensa na profunda escuridão, soubera o que era a profunda, imensa e esmagadora solidão. Ali foi que ela entendeu, de uma forma chocante, que não era nada, como todo o seu povo orgulhoso e todo o seu planeta azul.
Olhou para o hangar e para a plataforma brilhante e extremamente limpa, e para o portal de embarque que estava piscando com insistência. Viu dois marcianos, pois que tinham que ser, todo protegidos como estavam em seus exoesqueletos, única forma de poderem se movimentar na gravidade terrestre. Filhos que demos para adoção a um outro planeta, pensou, pois que seus corpos e suas mentes estavam, a cada geração, mais alterados. Não demoraria muito e logo não mais poderiam ser chamados de humanos, e outra nação seriam, e era muito provável que explodisse uma guerra de independência.
Mas o ser humano sempre foi muito interessante, e pouco importava a forma que adquirisse, sua alma, em síntese, seria sempre a mesma.
Mas agora estavam aparecendo robôs muito diferentes, com características únicas, todas homologadas pelas leis robóticas, com o selo de "Fabricado em Marte". Como eterna apaixonada pela mente robótica não tinha como não ficar febril; tinha que ir ver pessoalmente, tinha que senti-las interagindo com o mundo e com os homens, tinha que ver sua formação e crescimento.
Suspirou desconsolada.
Novos robôs sendo construídos em Marte, e logo seria o mesmo nas luas de Júpiter e Saturno. Seu corpo se arrepiou de pânico. Por que não construíam robôs adaptados para esses mundos aqui mesmo na terra, e os despachavam para lá?, pensou desanimada. E cada vez a obrigavam a ir mais longe, a enfrentar as alturas e os vazios, que tanto pavor lhe causavam.
- Até parece que fazem isso apenas para judiar de mim – sorriu abatida.
A mulher deu um longo suspiro ao confirmar em seu bolso o mithera, a benção de remédio que a faria dormir pelo longo período da viagem.
Decidida a não pensar sobre seus receios apresentou a passagem e seu passaporte e passou pelo portão.
Mas o remédio, talvez pela excitação, não fez o efeito tão rápido quanto costumava. Seus olhos estavam bem abertos quando os vidros e boa parte do casco ficaram transparentes, para que os viajantes sentissem o verdadeiro espaço, conforme anunciava o holográfico no teto.
Yanna se segurou para não gritar, as mãos ferrenhamente agarradas ao braço do assento, o corpo todo tenso, elevando-se alguns centímetros do assento.
E lá estava ela, desesperada no banco suspenso num indescritível vazio repleto de pontos de luzes. Sua mente explodiu, porque não eram pontos, eram monstros de plasmas, sóis muitas e muitas vezes maiores que o seu pequeno sol amarelo; e planetas gasosos maiores que júpiter e terras maiores que a sua; e vidas vivendo na ignorância das outras vidas em superfícies dos pontinhos de luzes e,...
Seu corpo repentinamente relaxou e seus olhos se abriram ao descobrir algo ainda mais imenso e fantástico. Sua mente resvalou e começou a falhar, enquanto o remédio, finalmente, começava a fazer efeito. Tentou dizer que não queria dormir, que queria ver aquele vazio.
Era ali, sussurrou enquanto adormecia, era ali onde Deus vivia e era.