LIZ
42 dias para o baile de inverno.
— Madelaine está vindo para cá.
Maya quase cuspiu essa frase, parecia até meio enojada.
— Saco.
— Oi, meninas.
Madelaine sorriu com duas das meninas da torcida lhe escoltando, uma de cada lado. Pareciam uma trindade divina: a ruiva, loira e a morena. Reparei que elas eram bonitas juntas e pensei em quantos caras já deveriam ter imaginado elas juntas num ménage.
Não vou mentir no lugar da Sina (a loira) eu bem que colocaria Ingrid K. Edwards, ela sim é um espetáculo de mulher. Não sei se já viram as coxas e o abdômen daquela mulher de perto... Eu já, incríveis.
Aí sim o ménage estaria completo.
MEU DEUS EU SOU NOJENTA!
— Quero falar com você.
Madelaine falou mesmo que eu não a tivesse respondido antes. Ainda bem que ela me tirou dessa merda de pensamentos idiotas. Bem... Vamos descartar Madelaine do ménage, ela é uma chata. Até parece que eu teria coragem de fazer algo assim, nem se tivesse a oportunidade.
Madelaine sentou perto de mim, enquanto as outras pareciam se comunicar com Maya, se bem conheço essas garotas foram instruídas a deixar minha amiga de fora da conversa.
— O que é?
— Você está muito "estranha" esses dias... — Ela foi bem sutil ao falar, quase pareceu preocupada de verdade. Suas piscadas de olho eram tão sutis me deixavam meio atraída, não precisa pensar que estou afim do inimigo, não estou, ela é atraente só isso. — Não se parece com você mesma.
Não se parece comigo? Porque não sou o eu que você conhece talvez... Só por hoje não sou. Becker nem me conhece para falar a verdade.
— Por quê? Pelas minhas roupas diferentes do habitual hoje? — Esbravejo num tom baixo, evitando chamar mais atenção para minha mesa. Acabo sorrindo com escárnio e solto em tom de brincadeira com uma mistura de ironia: — Eu sinto frio também se você não sente com esse teu fogo.
Madelaine ri forçada. Se Maya prestasse atenção na conversa com certeza ia falar: se forçar mais caga na roupa. Turner é totalmente sem escrúpulos, me admira não ter levado uma surra na escola ainda pela falta de filtro na língua.
— Não é sobre as roupas só... — Ela faz uma pausa para sorrir, eu fecho meus punhos irritada. Como posso ter achado ela atraente momentos atrás e agora quero socar o rosto dela? — Você não está indo em festas com frequência e nunca aceita o convite dos garotos...
— Eu não sei você... — Foi a minha vez de sorrir, claro que com uma ironia mais que evidente no meu rosto. — Mas tenho mais o que fazer da minha vida. Garotos não vão pagar minha graduação e muito menos festas vão me fazer conseguir boas notas para uma bolsa.
— Mas eu tenho o poder de te ajudar com uma bolsa e se você não começar a se destacar na torcida não terei como fazer isso acontecer.
Ela me ameaçou? ESSA VADIA ME AMEAÇOU. Que filha da puta!
— Isso foi uma ameaça, Mad?
Sorri para ela como se não me importasse de verdade. Pior que importa muito.
Dependo de uma bolsa para entrar numa universidade. Meus pais até tem dinheiro para que eu faça uma boa graduação, mas não quero sobrecarregar eles, ainda tenho mais dois irmãos que também vão precisar se formar.
— Não, eu nunca faria isso.
Que vontade quebrar a boca dela no soco. Vai usar a sua merda de ironia na tua casa!
Ela se levantou e inclinou o tronco para cima de mim, quase me fazendo tocar o rosto nos seus seios. Fiquei tentada a olhar para baixo, mas eu nunca deixaria de olhar em seu rosto enquanto ela tentava me ameaçar.
— Seria legal se você desse uma chance ao Ian.
Eu ri irônica e abaixei meu tom de voz para quase um sussurro, como se fosse lhe contar um segredo.
— Não posso, código de honra da amizade... Maya já ficou com ele.
Becker ficou quieta e pareceu pensar. Ela nem deve saber o que é código de honra da amizade (até porque ela nem deve ter honra e nem amizades, quem quer um demônio desses como amigo?).
— Certo. — Ela concordou fácil demais. — Mas hoje com certeza tem festa já que é sexta, se você não for vai se ver comigo.
— Uh, me ver com você? — Brinquei, tirando onda com a cara dela. — O que tem em mente? Vai me castigar?
Eu só vi que fui longe demais quando os olhos de Becker brilharam de uma forma diferente. Eu não soube identificar o que era esse tal brilho, mas fiquei com medo.
Madelaine riu. Meu nervosismo aumentou e quando isso acontece mais merda sai da minha boca.
— Eu não vou me ver com você se eu não for. — Fiz minha melhor cara de superior para ela.
Por um momento achei que ela fosse avançar em mim e o pior que eu nem tenho certeza se é para me agredir.
— Você que não apareça...
Foi sua última fala antes de me dar as costas e sair rebolando naquela saia curta do uniforme de torcida. Eu soltei a respiração que nem sabia estar prendendo.
— Uau, que tensão. — Maya assovia rapidamente. — Só não disse de que tipo...
Estou fodida, Maya sabe.
*****
— Que frio! — Gemi quando um ventinho passou por mim. Maya já estava a ponto de me deixar sozinha, vi ela piscando para um garoto pouco tempo atrás e fazendo um sinal de "depois me liga".
Não sou boa em flertar até porque me recuso a dar moral para qualquer ser do sexo masculino. E aparentemente eu pareço heterossexual demais para que as garotas tenham coragem de chegar em mim. Conclusão: eu não beijo ninguém. Não em festas do colégio. Na verdade, quase não beijei ninguém na vida porque não saio muito de casa (tenho séries para colocar em dia também).
Não é nada fácil fazer os garotos do colégio aceitarem que não quero ficar com eles (machos idiotas) porque todos me acham bonita (gostosa: esse é o termo usando, acho pejorativo). Então, estou constantemente inventando um namorado universitário, o que Maya não sabe é que quem espalhou os boatos fui eu mesma.
— Você vai ficar muito puta se eu for beijar aquele garoto?
Maya faz aquela voz que uso quando quero pedir algo para a minha mãe. Coloco minhas mãos no bolso do casaco (eu que não ia vir de roupa curta ou fina num frio desses) e mexo a cabeça em aceitação.
— Você nem sabe o nome dele, não é?
— Não, e isso importa? — Ela fala como se fosse o óbvio. Maya não olha para o lado do garoto numa "tática" de não demonstrar muito interesse.
— Vai lá então, ele está olhando para cá sem parar.
— Acho que nem vou precisar ir lá, é só você sair daqui. — Maya é sincera demais às vezes, podia tentar ser sutil. Acho que toda essa coisa de flertar deixa ela muito à flor da pele. — Vai procurar uma garota... Do seu clubinho para sentar ou conversar.
Clubinho na língua da Maya é a torcida.
— Eu vou sair, mas tomara que ele esteja interessado em mim e não em você para deixar de ser boba.
Estou com um pouco de raiva de Maya e toda essa vontade de enfiar a língua na boca de alguém, mas nunca iria querer que o cara estivesse interessado em mim. Quanto menos interessados melhor.
— Também te amo.
— Meu cu que ama. — Falo e Maya ri, me distancio dela. Deixo-a perto das pedras, onde estava encostada, uns dez metros da fogueira do pessoal da escola. Não fiquei mais perto porque se não seria obrigada a beber alguma coisa e não é isso que quero.
Ando em direção a outra fogueira, bem menor, mais para trás de onde eu estava. Sinto que sou observada, mas fico com medo de olhar quem me olhava, mesmo que internamente desconfiasse quem fosse.
Vejo Ingrid Edwards junto de alguns outros alunos da escola que não lembro bem. Aceno para ela quando passo caminhando, vou até determinado ponto e volto porque quero ficar perto do fogo. Sinto que vou morrer congelada (exagero) e crio coragem para perguntar para Ingrid se posso me sentar perto dela em uma canga rosa, para me esquentar já que fui abandonada pela minha melhor amiga. Mesmo parecendo desconfortável com minha presença ela tenta ser simpática.
— Então, você acha que podemos chegar às finais?
— Com certeza, com você, Madelaine e Cecília nós podemos sim.
Vi a garota latina virar quando citei o nome da integrante do nosso time de torcida: Cecília Gomez (a menina também tinha o nome de Cecília). Ingrid pareceu surpresa por eu não me incluir.
— Você também manda muito bem.
— Obrigada.
Agradeci e sorri para ela. Eu estava morrendo de vergonha por estar intrometida na rodinha de amigos dela (sei disso porque ela me apresentou todos eles de forma muito educada).
— Estou ansiosa pela competição... — Arregalei um pouco os olhos quando a irmã de Sina (a loira da torcida que ficou conversando com Maya quando Madelaine me confrontou) beijou a tal Cecília. — Será de suma importância para mim.
Eu não sei se eles não perceberam que fiquei surpresa e não quiseram falar nada pois não me conhecem ou se não perceberam que o beijo delas me deixou surpresa para caramba. Eu não fazia ideia que elas namoravam.
— Para mim também. Tudo por uma bolsa numa universalidade boa. — Ingrid seguiu o assunto e enquanto eu olhava as garotas se afastarem após finalizarem o beijo e sorriram uma para outra. — Tenho que conseguir isso de qualquer jeito...
Definitivamente eu precisava beijar alguém. Essa demonstração de afeto me fez ter inveja delas, tão livres e soltas.
— Ei, Liz. — Tudo ficou em silêncio quando a voz da Becker me chamou. Olhei para cima e ela estava de pé vestindo uma saia preta e um sobretudo verde militar. — Vem comigo.
Eu não ousei retrucar para não discutir perto de pessoas que estavam tranquilas demais para se preocupar com coisas nossas.