O sol mal havia surgido no horizonte quando Vicente Montenegro já estava de pé, observando o movimento dos funcionários pela fazenda. As terras se estendiam até onde a vista alcançava, um mar de verde e ouro que brilhava sob a luz matinal. Era um império construído com suor, trabalho duro e uma ambição que Vicente carregava desde jovem. Ele sempre gostou de começar o dia cedo, acompanhar de perto cada detalhe, desde o manejo do gado até a colheita dos grãos. Para ele, a fazenda era mais do que um negócio: era seu legado.
Maria Augusta, sua mãe, sempre teve uma relação de zelo com a fazenda. Mas sua história com Vicente era marcada por uma sombra, algo que ela nunca quis discutir, algo que ela evitava com toda a força. Quando Vicente ainda era muito jovem, ela lhe dizia que o pai dele havia falecido em um acidente trágico antes de ele nascer. Era uma história que ela repetia sempre que ele perguntava, mas com o tempo, Vicente percebeu que havia algo de incompleto naquela versão dos fatos. Maria Augusta nunca quis falar mais sobre o assunto, sempre mudando de assunto ou se afastando para evitar que ele insistisse.
Nos momentos de mais tristeza, ele sentia que ela carregava um peso maior do que ele podia entender. Muitas vezes, ao olhar para o retrato antigo que ficava na prateleira da sala, Vicente a via desviar o olhar, o rosto dela marcado pela saudade e um vazio que não conseguia explicar. Ele imaginava que talvez fosse por causa da dor de ter perdido o homem que amava, mas nunca teve coragem de perguntar mais sobre ele. Por algum motivo, Maria Augusta parecia não querer que ele soubesse a verdade.
Naquela manhã, entretanto, havia algo diferente no ar. Enquanto Vicente supervisionava a chegada de novos insumos, percebeu um carro estranho se aproximando pela estrada de terra. Um modelo antigo, que destoava dos veículos modernos que geralmente transitavam por ali. Ele estreitou os olhos, tentando adivinhar quem poderia ser o visitante inesperado.
Um homem desceu do carro. Era um senhor de cabelos grisalhos, com um terno surrado que parecia ter sido elegante em algum momento distante. Ele caminhou em direção a Vicente com passos firmes, carregando uma pasta de couro gasta nas mãos.
— Você é Vicente Montenegro? — perguntou o homem, sua voz rouca e firme, enquanto parava à frente do fazendeiro.
— Sou eu mesmo. Em que posso ajudar? — Vicente respondeu, estudando o estranho com um olhar desconfiado.
— Meu nome é Ernesto. Eu conheci seu pai, — disse o homem, deixando um silêncio desconfortável pairar entre eles.
Vicente sentiu o coração bater mais forte. Ele nunca conheceu seu pai biológico, um assunto que sua mãe sempre evitara tocar. Para ele, aquele homem era uma sombra, uma figura distante e esquecida, um capítulo não escrito em sua vida. Mas agora, de repente, alguém aparecia do nada para trazer esse fantasma ao presente.
— Acho que você está enganado, meu pai morreu antes de eu nascer, e não era alguém que eu conhecesse — respondeu Vicente, tentando encerrar a conversa ali.
Ernesto não se abalou. Com um movimento lento, ele abriu a pasta e tirou um envelope amarelado pelo tempo.
— Seu pai deixou isso para você. Pediu que eu entregasse quando você estivesse pronto. Acredito que esse momento tenha chegado, — disse, estendendo o envelope para Vicente.
Vicente hesitou antes de pegar o envelope. Era um pedaço de papel, mas parecia pesar uma tonelada em suas mãos. Ele olhou para o homem, que já estava de volta ao carro, partindo sem mais uma palavra. Vicente ficou parado ali por um momento, olhando para o envelope como se ele pudesse explodir.
Aquele momento fez Vicente sentir um nó no estômago, uma sensação estranha que o fazia pensar que, talvez, aquela fosse a resposta para todas as suas perguntas. Seu pai. O homem que ele nunca conheceu, mas que, de algum modo, sempre esteve ali, em algum lugar distante, influenciando sua vida de uma forma que ele não podia compreender. Ele voltou lentamente para a casa principal, o envelope nas mãos, as palavras de Ernesto ecoando em sua mente.
De volta ao escritório da fazenda, Vicente se sentou em sua cadeira de couro, o envelope sobre a mesa à sua frente. Ele passou os dedos pelo lacre, sentindo a aspereza do papel antigo. Respirou fundo e abriu. Dentro, havia uma carta e uma foto. A carta era escrita à mão, com uma caligrafia firme e elegante. Ele começou a ler:
*"Vicente,
Se você está lendo isto, é porque eu já não estou mais aqui. Durante muitos anos, me mantive afastado, achando que era o melhor para você. Mas o sangue não mente, e o legado que carrego faz parte de quem você é. Meu nome é Santiago Montenegro, e durante décadas fui uma figura influente no submundo do crime organizado nos Estados Unidos. Não espero que entenda ou me perdoe. Mas há algo que você precisa saber: existe uma herança que é sua por direito, um império que construí com minhas próprias mãos. A escolha ...
Vicente largou a carta, suas mãos tremendo. Ele olhou para a foto. Era um homem alto, de terno, ao lado de um carro luxuoso em uma rua movimentada. O olhar era inconfundível: o mesmo olhar determinado que ele via todos os dias no espelho.
Ele fechou os olhos, tentando processar o que acabara de descobrir. Seu pai não era apenas um desconhecido. Ele era um mafioso, uma figura poderosa e perigosa no crime organizado. Tudo que ele sabia sobre sua própria vida parecia se desintegrar naquele instante. Seu pai era alguém de quem ele nunca ouvira falar, mas que agora parecia estar ali, em sua frente, forçando-o a olhar para o que ele nunca quis saber.
Sua mente começou a rodar, pensando em tudo que sua mãe lhe dissera sobre o passado. Ela sempre falava de um acidente, de um homem bom, que tinha morrido sem deixar vestígios, e isso nunca fez sentido para Vicente. Ele sentia que Maria Augusta sabia mais, mas o quanto ela realmente sabia? Como uma mulher tão amada por todos, tão forte e acolhedora, podia ter se envolvido com alguém tão sombrio?
Vicente fechou os olhos por um momento, a pressão crescendo em sua cabeça. Ele sentia uma necessidade urgente de ir até sua mãe, de entender a verdade que ela tanto escondeu. Ele guardou a carta e a foto em uma gaveta e a fechou com força. Levantou-se e foi até a janela, observando sua fazenda. Tudo aquilo que ele construíra com tanto esforço, agora parecia estar sob a sombra de um passado sombrio. A revelação não mudava apenas quem ele era, mas também o que ele deveria fazer dali em diante.
Ele se afastou da janela, decidido. Era hora de confrontar Maria Augusta, sua mãe, sobre tudo o que ele nunca soubera. Ele precisava entender como o homem que ela sempre dizia ter perdido tinha, na verdade, sido uma figura de poder no mundo do crime. Se ela soubesse, se ela tivesse sido cúmplice, o que ele deveria fazer com isso?
O sol ainda brilhava lá fora, os funcionários trabalhavam como qualquer outro dia, mas dentro de Vicente, algo havia mudado para sempre. Ele sabia que, a partir daquele momento, sua vida nunca mais seria a mesma.