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TESTE

"Meus olhos não devem estar funcionando direito, será que é mesmo a pequena fujona quem vem aí?"

Mirra e Cadente foram recebidas com riso ao chegarem na grande clareira que havia no centro do Jardim Falante. Assim era chamado aquela mini floresta no topo da Casa dos Faladores de acordo com Cadente.

"Olá, senhora Tanarim." Cadente sorriu ao se aproximarem de uma garota sentada em uma pedra ao lado de uma pequena queda d'água. A garota também sorria amigavelmente, e se levantou para receber Mirra e Cadente, descendo da pedra em um salto.

Mirra teve de esconder sua surpresa ao perceber que, uma vez que a garota se colocou de pé na frente das duas, tanto Cadente quanto a própria Mirra tinham de olhar literalmente para cima para olhá-la nos olhos. A menina de olhos escuros e roupa simples era tão alta que nem parecia ser uma criança, mas talvez uma adolescente que havia crescido demais, o que Mirra achou ser algo inacreditável. Paradas em frente à garota, pela primeira vez depois de muito tempo, Mirra se deu conta de que ela também ainda era uma criança, algo que havia começado a esquecer desde que havia chegado em Polegarândia.

"A quanto tempo você não sobe aqui ao menos pra dizer oi, ahn?" A garota disse em tom sério, mas seus olhos alegres não deixavam dúvida quanto a felicidade que sentia naquele momento.

"Me perdoe senhora Tanarim." Cadente disse, parecendo genuinamente envergonhada. "Eu não tenho saído muito do trabalho ultimamente."

"Mas saiu agora…" Tanarim olhou para Mirra. "E isso foi por causa de uma amiga?"

Cadente sorriu, assentindo.

"Essa é Mirra." Ela disse. "Ela acabou de entrar para os Faladores."

"Amigos." Disse Tanarim, sorrindo amavelmente para Mirra e olhando outra vez para Cadente. "Me deixa feliz te ver fazendo alguns, pequena fujona."

O rosto de Cadente ficou levemente avermelhado.

"É um prazer, Mirra."

"O prazer é meu." Disse Mirra. "A senhora é uma Faladora?"

Tanarim, levantou uma sobrancelha, mas sorriu.

"Sou uma Plantadora. Mas acho que já desconfiava, não é? O que foi que me entregou?" Ela perguntou. "Minhas roupas, ou meu jeito de falar?"

"Ah…"

Mirra se sentiu meio envergonhada, percebendo que tinha sido intrometida.

"Não… na verdade eu só pensei que… por causa das luvas…"

"Luvas?"

Tanarim olhou para trás, assim como Cadente, para a pedra onde a garota havia estado a poucos segundos, e onde ainda se encontrava um par de luvas grossas e um tanto sujas de terra.

"Bons olhos." Disse Tanarim, acenando positivamente para Mirra com admiração, o que não diminuiu a vergonha da menina por ter cometido um erro logo ao conhecê-la.

"Senhora Tanarim." Chamou Cadente, olhando para a trilha de onde ela e Mirra haviam vindo. "Eu vi que a senhora teve visitas…"

"Ah, vocês também se encontraram com as pequenas cabeçudas?"

"Senhora Tanarim!"

"O que? Não é assim que eles são chamados hoje em dia?"

"Isso…" Cadente fez uma careta. "Isso é apenas um apelido pejorativo."

"Pejorativo?" Tanarim também fez careta. "Você também está querendo ser uma cabeçuda pra ficar falando igual a elas, pequena fujona?"

Cadente não pôde deixar de sorrir, então disse: "Nós nos encontramos com elas no caminho."

"Hmm." A garota fungou, fazendo uma expressão penosa. "Agora elas já devem ter saído do meu Jardim, não é?"

"Espero que sim." Disse Cadente baixinho, mas logo em seguida olhou para Mirra e Tanarim, como se acabasse de se dar conta de que havia pensado alto demais.

"Oh. Parece que o encontro não foi muito agradável pra vocês também…" Disse Tanarim, franzindo. "O que foi que elas fizeram? Se essas garotinhas acham que podem vir aqui e mexer com qualquer um… ah, mas eu vou mostrar pra essas cabeçudinhas como se ter boas maneiras."

"Não foi tão ruim assim." Disse Cadente, olhando nervosamente para Mirra, como se pudesse ler seus pensamentos.

"Eu te conheço pequena." Disse a senhora Tanarim, balançando a cabeça. "Sei que quer proteger todo mundo. Mas as vezes não tem jeito, e as pessoas não mudam quando não querem mudar. Não podemos deixar qualquer um nos atacar sem fazer nada."

"Não é… não fazer nada." Cadente parecia querer dizer mais, mas apenas suspirou. "O que elas queriam com a senhora?"

"Me atazanar, é claro. É o que acontece toda vez que alguém vem ver Maísa e ela não está." Tanarim fungou. "Aquela velha agora é a chefe de um grupo. Ela devia ficar aqui, na cidade, e não sair passeando toda vez que tem a oportunidade. Mas quem pode convencer ela de qualquer coisa?

"A Faladora está fora da cidade?" Perguntou Mirra, olhando para Cadente, que deu de ombros, timidamente.

"Saiu e deixou os problemas dela para nós resolvermos." Disse a senhora Tanarim. "Eu já disse um zilhão de vezes que sou apenas uma Plantadora e não tenho nada a ver com os assuntos dos Faladores, mas continuam me amolando com perguntas sem sentido."

"Perene veio a pedido da mestra dela?"

Os olhos de Tanarim se estreitaram ao olhar para Cadente.

"Hmm… Parece que você sabe de alguma coisa afinal de contas, pequena fujona."

Cadente parecia um pouco envergonhada, mas continuou a olhar para Tanarim como quem precisava de uma resposta.

"Venha." Disse a garota alta, indicando a mesma pedra de onde havia pulado. Mas se sentou ao pé dela, em uma protuberância mais próxima do fio d'água.

Havia bastante espaço para Cadente e Mirra se sentarem, e foi exatamente isso o que elas fizeram. Mesmo estando em Polegarândia e não precisando de descanso, depois de subir até o topo da Casa dos Faladores e caminhar pela pequena floresta, era bom se sentar e apenas admirar a beleza do ambiente enquanto escutavam o barulho da água corrente e pios de passarinhos que elas não podiam ver.

"Ao que parece, deve ter sido mesmo aquela velha bruxa quem pediu à menina Pensadora para vir tentar achar alguma informação." Disse a senhora Tanarim quando as três já estavam sentadas. "É claro que essa garota, Perene, não disse que tinha vindo a pedido da mestra. Essa daí sabe como falar e falar, sem dizer nada no final. Uma pequena cobrinha, na minha opinião, esses cabeçudos ainda conseguem me dar nos nervos, mesmo depois de tanto tempo."

"Sobre o que ela queria saber?" Perguntou Cadente.

"Aquelas catarrentas estavam me testando." Disse Tanarim, rindo.

"Testando? Como assim?"

"Elas queriam saber o quanto eu entendia sobre…" O meio sorriso de Tanarim desapareceu enquanto a menina alta ainda falava, franzindo de repente ao olhar para Mirra e Cadente desconfiada. "Vocês também, é?"

"O que?" Cadente levantou as sobrancelhas, mas Tanarim apenas suspirou.

"Maísa disse pra eu ficar de olho e não abrir a boca, mas não sei se isso inclui você também, pequena fujona."

Tanarim falava para Cadente, mas Mirra percebeu que ela a olhava com certo receio de vez em quando, por isso disse: "Será que eu posso explorar um pouco?", o que fez Tanarim e Cadente se virarem para ela.

"Claro." Disse a senhora Tanarim de imediato.

"Ah, Mirra, eu trouxe você pra te apresentar…"

"Eu tenho certeza de que vamos ter tempo pra isso." Disse Mirra com cuidado. "Eu gostaria mesmo de dar uma olhada por aí. Vocês têm muito o que pôr em dia também. Eu volto daqui a pouco."

"Não se preocupe, Mirra. Pode ficar à vontade por aqui." Tanarim sorriu para Mirra, parecendo sinceramente agradecida, o que diminuiu um pouco o constrangimento da situação.

Cadente parecia querer protestar, mas Mirra foi mais rápida, acenando e partindo para o outro lado da clareira antes de atravessar uma parede de folhas e entrar na mata outra vez.

Ao caminhar por entre os troncos baixos e arbustos cheios, ela não pôde deixar de notar que, se Tanarim era a responsável pelo Jardim Falante, seu método de cuidado devia ser bem diferente de todos os Plantadores que Mirra já havia conhecido antes. E ela havia conhecido um bom número de Plantadores na semana em que havia acompanhado Tânia pelas plantações ao redor de Metrópole.

Diferente de todos os outros, parecia que a senhora Tanarim apenas deixava que a vegetação crescesse sem impedimento, assim como bem entendesse e com o máximo de diversidade possível.

Quanto ao motivo de Cadente chamar Tanarim de senhora, Mirra já imaginava. Assim como Tânia havia a apresentado à senhora Mil, Mirra imaginava que Tanari devia ter chegado à Polegarândia bem antes de Cadente, por isso, mesmo aparentando ser uma adolescente, sua real idade devia ser inimaginável.

Depois de algum tempo, Mirra já se encontrava deitada em meio a vegetação, com a mão estendida para um pequeno animal que parecia um coelho gorducho, mas que tinha orelhas grandes demais que se dividiam em quatro, feito as pétalas de uma flor felpuda.

O animalzinho cheirava a mão de Mirra, timidamente, isso depois de a menina o seguir por mais de vinte minutos.

"Mirra!" Chamou a voz de Cadente de algum lugar atrás de Mirra, o que fez o pequeno animal se enrolar e sair rolando pela vegetação, logo sumindo de vista enquanto Mirra suspirava. Mas acabou rindo ao se levantar, completamente suja de terra e com raízes e folhas no cabelo.

Ao voltar para a clareira, apenas Cadente aguardava por ela.

"Eu expliquei para a senhora Tanarim sobre a sua situação." Disse a garotinha. "Você é uma Faladora, então pode vir ao Jardim Falante o quanto quiser. É uma pena que não tenham camas aqui, e você pode encontrar algum animal, mas não tem nada perigoso aqui, então não precisa se preocupar."

"Isso sim é um alívio." Disse Mirra. "Obrigado por tudo, você é uma boa amiga."

"Você ouviu a senhora Tanarim." Disse Cadente, um tanto vergonhosa. "Eu não sou muito sociável, você é que é uma boa amiga."

Mirra sorriu, mas seus pensamentos haviam se voltado para Bori naquele momento.

Se ela fosse mesmo uma boa amiga ela teria ido procurar pelo garoto que poderia estar em perigo naquele mesmo instante ao invés de escolher ficar em Metrópole tentando…

Ela balançou a cabeça, sorrindo para Cadente, mesmo que em sua mente, uma frase se repetia de novo e de novo: 'Qual a diferença uma única pessoa poderia fazer para mudar a situação de um mundo inteiro?'