Numa estrada de terra batida, seguia um homem ruivo de cabelos lisos e médios, com olhos azuis como o céu do meio-dia. Vestia um terno preto e viajava ao lado de seu filho, sentado com ele no banco do condutor de uma carruagem de madeira escura, adornada com delicados detalhes em prata.
O garoto, de pele tão clara quanto a do pai, tinha os cabelos negros como a noite e olhos de um azul néon que pareciam brilhar sob a luz do sol. Vestia roupas sociais e segurava uma bolsa de couro sobre o colo. Observava a paisagem com atenção, encantado pela beleza dos vastos campos verdejantes banhados pela luz suave do dia. Sombras de nuvens deslizavam lentamente sobre a grama, enquanto os últimos montes de neve iam se derretendo sob o calor.
— Uau, papai… é lindo aqui!
— Certamente é melhor do que aquele mar de neve, não acha, Yivor?
— Sim, pai! É tudo tão colorido!
Sorrindo, o homem estendeu a mão e afagou os cabelos escuros do filho.
— Estamos quase chegando à nossa nova casa, filho… Papai te ama.
— Eu também te amo, pai! — respondeu o menino, abraçando-o com força.
A carruagem seguiu pela estrada até parar diante de uma imponente mansão, erguida ao lado de uma grande montanha. Uma vasta escadaria de pedra serpenteava em direção ao topo, como se levasse ao céu.
Yorn desceu com o filho e caminhou em direção a um homem que os aguardava. Era alto, de porte imponente, com longos cabelos pretos, barba cerrada e olhos completamente brancos. Usava um hanfu branco que esvoaçava suavemente ao vento. Ao lado dele, estava um garoto de pele parda, cabelos cinzentos e volumosos, e olhos que brilhavam como chamas. Vestia roupas nórdicas que destacavam ainda mais seu olhar vívido.
Yorn cumprimentou o homem com um firme aperto de mão.
— Yang Cho! Quanto tempo, meu amigo!
— Hahaha! Yorn, o louco da nevasca! — respondeu Yang, rindo alto enquanto pousava a mão sobre os ombros do amigo. — Você está magro... e menor. O que aconteceu?
— Finalmente encontrei paz. Consegui controlar a raiva que me consumia.
— Hmm… deixe-me adivinhar: foi ela, não foi? Depois de levar uma surra de uma mulher, qualquer homem se acalma! Hahaha! — brincou Yang, com uma gargalhada debochada.
Enquanto os adultos conversavam, o garoto de cabelos cinza observava Yivor com curiosidade, meio escondido atrás do pai. Yorn percebeu e se aproximou, colocando a mão sobre a cabeça do menino.
— Você deve ser o Falkkor. Cresceu tanto... lembro quando era só um bebê nos braços do seu pai.
— Você conhecia meu pai? — perguntou Falkkor, surpreso.
— Sim. Éramos melhores amigos — disse Yorn, puxando o garoto para um abraço apertado. — Meus sentimentos pela perda dele. Se já foi difícil para mim... imagino o quanto foi para você.
— Está tudo bem — respondeu Falkkor, forçando um sorriso. — O mestre Yang disse que eu devo ser forte como meu pai... e nunca chorar!
— Você é igualzinho a ele...
Nesse instante, Yang desviou o olhar para o menino que se escondia atrás de Yorn.
— E quem é esse garoto? Está se escondendo por quê?
— Venha cá, filho. Quero que conheça Yang e Falkkor — disse Yorn com carinho, colocando a mão nas costas de Yivor, encorajando-o.
O garoto deu um passo hesitante à frente, o rosto tímido e os olhos curiosos.
— Oi... meu nome é Yivor.
Falkkor se animou na hora, os olhos brilhando.
— Oi, Yivor! Eu sou o Falkkor. Quer ser meu amigo?
— Uh... tá bom — respondeu Yivor, um pouco assustado, mas com um leve sorriso surgindo.
Falkkor pegou a mão de Yivor e o puxou com empolgação, levando-o para longe. Yivor olhava para trás, nervoso, buscando o pai com os olhos.
— Mestre Yang! Estou indo brincar com o Yivor! — gritou Falkkor, animado.
— Hahaha! Proteja o garoto, Falkkor! E cuidado para não se machucarem! — respondeu Yang com um sorriso largo.
— Pai, me ajuda! — pediu Yivor, assustado, a voz tremendo.
— Calma, filho, vai ficar tudo bem. Estarei te esperando dentro de casa — respondeu Yorn, tentando acalmá-lo com um sorriso tranquilo.
Os dois garotos se afastaram, sumindo entre os campos, enquanto Yorn e Yang se voltavam para a carruagem.
— Não se preocupe, Yorn. Falkkor está apenas empolgado... raramente tem a chance de brincar com outras crianças aqui na vila.
— Yivor nunca teve amigos. Acho que será bom pra ele.
O clima, antes leve, mudou levemente quando Yang perguntou em tom mais sério:
— Esse garoto... ele é dela?
— Sim.
— E ela? Para onde foi?
— Ela voltou. Disse que está tudo um caos por lá... a irmã dela não consegue governar sem arrumar briga — respondeu Yorn, com um tom cansado.
Yang soltou uma risada abafada.
— Você e Allgur sempre foram dois malucos. Não é à toa que eram inseparáveis.
— Enfim... vamos continuar essa conversa lá dentro. Preciso descarregar as coisas da carruagem. Pode me dar uma mão? — sugeriu Yorn.
— Com certeza, meu amigo. A carruagem é bonita... e os cavalos também. Aposto que foram caros.
— Um pouco. O restante do dinheiro será pra começar o vinhedo... e contratar trabalhadores.
— Para o leste daqui fica o vilarejo Valmyr. Você pode encontrar gente boa lá.
Juntos, os dois começaram a descarregar a carruagem, enquanto conversavam. Depois, seguiram para dentro da casa, prontos para retomar suas rotinas.
Enquanto isso, Falkkor levava Yivor até uma grande árvore solitária no centro do campo, ao lado da estrada que levava ao pequeno vilarejo.
— Vamos, Yivor! Mais rápido! — gritou Falkkor, puxando-o pela mão.
— Espera, Falkkor... eu não consigo correr tão rápido... tô cansado!
Ofegantes, os dois chegaram sob a sombra acolhedora de uma grande árvore e se jogaram na grama. Falkkor foi o primeiro a se recuperar, escalando um galho com agilidade.
— Haha! Ganhei! Você é muito lento, Yivor... precisa treinar esse corpo magrelo aí — provocou ele, rindo do alto do galho.
— Era uma corrida?! Você só saiu me puxando do nada, depois saiu correndo e me largou pra trás! Como eu ia saber?
— Hm… tem razão. Mas foi divertido, vai.
— Fala por você aí em cima... eu tô morto — respondeu Yivor, se deitando na grama, exausto.
— Então, Yivor... você tinha muitos amigos lá em Kyork?
— Não… eu e meu pai morávamos numa floresta afastada da cidade. Ele era dono de uma serralheria, e as pessoas só iam até lá pra buscar madeira... então eu nunca conheci ninguém da minha idade.
— Poxa, que solitário. Eu conheço algumas crianças do vilarejo. Inclusive tem uma garota linda de quem eu gosto… mas eu quase não vou lá. — disse Falkkor, balançando-se tranquilamente no galho. — Seu pai não parece lenhador… pela carruagem, parece ser bem rico.
— Ele sempre teve bastante dinheiro. Então já tô acostumado com esse tipo de coisa.
— E a sua mãe? — perguntou Falkkor, descendo do galho e sentando-se ao lado do amigo.
— Nunca conheci... ela foi embora quando eu ainda era um bebê.
— A minha também. Foi meu pai quem me criou… até pedir para o mestre Yang cuidar de mim antes de morrer.
O clima ficou mais calmo e silencioso. Yivor se sentou, colocando uma mão reconfortante nas costas de Falkkor.
— Meus sentimentos…
— Obrigado. Mas não se preocupa, já faz tempo. Nem sinto mais tristeza — respondeu Falkkor com um sorriso firme. Então, de repente, levantou-se e apontou para o céu com entusiasmo. — Vou realizar o sonho dele! Ter várias esposas!
Yivor arregalou os olhos, fazendo uma careta de desaprovação.
— Meu pai disse que isso não é certo… que a gente deve amar apenas uma mulher. Isso aí é safadeza.
Falkkor deu uma risada e colocou a mão no ombro de Yivor.
— Então eu sou safado, hehe.
— Pelos deuses... tomara que você realize seu sonho.
— Obrigado… mas mudando de assunto, o que você gosta de fazer, Yivor?
— Eu gosto de ler, principalmente sobre os aventureiros! Sou fascinado por eles — disse Yivor, empolgado. Ele abriu a bolsa de couro, puxando um livro com capa envelhecida, os olhos brilhando. Falkkor sentou-se ao lado, curioso, enquanto ele continuava: — Aqui, olha! Esses são os Nove Cruz de Platina, os aventureiros mais poderosos do mundo!
Ele apontou para uma ilustração no livro.
— Este aqui é conhecido como A Muralha Divina. Dizem que é um homem alto, fortíssimo, e carrega um escudo de ouro, um artefato sagrado forjado pelo próprio deus Troamir!
Falkkor observava o entusiasmo do amigo, rindo baixinho.
— Mestre Yang já me contou sobre os artefatos divinos. São incríveis… e perigosos.
— Sim! As lendas dizem que eles foram criados pelos próprios deuses — Yivor folheou mais algumas páginas. — Aqui, A Tormenta Negra, um velho que controla relâmpagos negros e invoca tempestades monstruosas. Depois temos A Fornalha Maldita, um dragão negro que queimou um exército inteiro com uma única magia!
— Uau... não sabia disso tudo — comentou Falkkor, cruzando os braços atrás da cabeça e olhando para o céu.
— A Eremita da Inexistência, essa é minha favorita. Dizem que ela cortou uma montanha inteira com um único golpe… e a fez desaparecer do mapa!
— Essa é sinistra mesmo — respondeu Falkkor, franzindo o cenho.
— Lua Carmesim, a primeira humana a fazer um pacto com um lorde demônio. Ela virou uma criatura sugadora de sangue... um vampiro.
— Ugh... sinistro demais.
— E essa aqui… La Santa Muerte. Uma necromante que vive no norte de Brazenfell. Dizem que ela consegue invocar esqueletos gigantes… mas ninguém sabe muito sobre ela.
— Necromancia me dá arrepios… coisa macabra.
— Nem sempre — disse Yivor, pensativo. — Dependendo do ponto de vista, a morte pode ser algo... bonito.
— Essa foi profunda — comentou Falkkor, impressionado.
— Agora essa aqui: A Víbora de Prata. O veneno dela matou um dragão em segundos. E esse outro… Lampião, também de Brazenfell. Falam que ele foi mandado para Hellven, mas os próprios demônios o expulsaram de lá de tão poderoso que é.
— Que doideira... esse aí parece uma lenda.
— Todos têm medo dele. Ele já entrou direto como Platina. E por fim, o Caçador das Chamas. Ninguém sabe o gênero ou o rosto dele. Só que já matou mais de quarenta dragões.
Falkkor franziu a testa e se calou por um instante, seus olhos ficando mais sérios.
— Não gostei desse último — murmurou. Havia algo no tom dele… uma inquietação velada.
Ele olhou para Yivor, o brilho nos olhos agora um pouco mais sombrio.
— Yivor… se eu te contar um segredo, promete que não vai ter medo?
— Prometo. Pode confiar em mim.
Falkkor respirou fundo, desviando o olhar para longe, hesitante.
— Yivor, eu…
De repente, um grito rompeu o silêncio.
— SOCORRO! Alguém me ajude!
Os dois se levantaram num salto e correram até a beira da estrada. Lá embaixo, uma carruagem sombria deslizava pela trilha. Era feita de metal escuro, adornada com cruzes douradas, com grades pesadas cobrindo as janelas. Dois guardas em armaduras reluzentes, com o mesmo símbolo da cruz no peito, conduziam os cavalos.
De dentro da carruagem, o grito de uma criança ecoava, presa entre as grades.