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O Outro Mundo

Arthur é um rapaz comum que, durante uma noite de sono, tem sua consciência transportada para outro mundo, para onde diversas criaturas, de muitos lugares diferentes, também foram transportadas há muito tempo. Neste mundo existe magia e criaturas com poderes sobre-humanos lutam pelo poder. Esse é um lugar hostil, onde um descuido pode significar a morte. Ali, a chegada desse solitário novo habitante carrega muito mais significado do que a existência de apenas mais um morador. Significa a chegada de mudança para a ordem estabelecida e agitação na magia de maneiras que podem abalar as estruturas desse planeta. É o primeiro sinal de mudança naquilo que se pensava ser imutável.

Serjento · Fantasy
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II.

Ninguém sabe ao certo como o primeiro dos humanos chegou a este mundo. Alguns afirmam que a espécie habita esse lugar desde o início. Outros afirmam que vieram dos céus, junto com a segunda frota, misturados a outras espécies. Seja como for, a verdade é que os homens estão fadados ao declínio. E são espécie de extinção, pois não surgem mais dos céus e aqueles que aqui estão continuam a se matar. Hoje numerosos, amanhã serão apenas menções em livros históricos. Sua mortalidade nesse mundo continua a ser acelerada pelo abraço quente das guerras que estão, a todo o tempo, promovendo sob este céu abençoado. Sorte das demais raças, que poderão relegar os homens a uma existência enfraquecida e a um fim inevitável.

*Bermal Sagmo – Reminiscências de um Gnomo

*

A armadura de metal pesa sobre os ombros de Thiago. Um soldado forte como ele, em outras ocasiões, não se incomodaria em carregar o peso das ombreiras de ferro ou da espada em sua cintura. Além disso, outro soldado teria depositado sua arma diretamente sobre as costas do cavalo em que está montado, porém, a ideia de se separar de sua arma parece-lhe muito arriscada. Não lembrava-se da última vez que retirara a arma da cintura no meio de uma caminhada e não seria agora, em uma estrada na orla da Grande Floresta, que faria isso. Todos sabiam dos inúmeros perigos que permeavam a Floresta que fazia fronteira com o Reino de Vivre.

Aquela floresta era o reino de criaturas tão antigas quanto o próprio Mundo. Lar de ninfas, sátiros e lupinos. Diz-se que ali pode-se encontrar dríades e bestiais. Aracnes e lobisomens. E estas eram as criaturas com as quais se podia lidar.

Para evitar cruzar a Grande Floresta, Thiago e os demais soldados saíram da capital de Fiandel, o reino ao qual pertencem, no norte do continente, contornando toda a fronteira leste com Argalya, atravessando as montanhas que separavam o reino de Markav da desolação seca do Deserto Vermelho, montados a cavalo até um dos vilarejos à beira do lago Martha, no lado Oeste do Continente. Ali, na melhor embarcação que encontraram, atravessaram o lago e compraram novos cavalos para continuar viagem. Não fosse pela existência do Deserto Vermelho e da Grande Floresta, a viagem nunca teria levado mais de um mês quase sem descanso e com o traseiro ardendo de tanto galopar. Tiveram cinco conflitos com grupos de bandidos escondidos nas estradas. E bandidos que atacam uma companhia de 30 soldados geralmente são fortes o bastante para justificar tamanha confiança.

Não bastasse a exaustão física, a perda de 6 companheiros durante as batalhas ajudou no acúmulo de exaustão mental. Tudo isso naquela rota considerada como segura, traçada por dentro dos Reinos comandados por Humanos, Elfos e Anões, os mais organizados entre as raças civilizadas.

Não fosse pela extensão tão prolongada da viagem, as perdas de companheiros de tendas e o constante temor causado pela necessária jornada por uma estrada construída na fronteira da Grande Floresta, Thiago não estaria tão cansado quando finalmente pôde enxergar o mar, no lado Oeste do continente.

A visão do mar lhe acalma e carrega consigo lembranças dos tempos em que podia ser um reles pescador junto com seu pai. Memórias da época em que a vida em família lhe permitia viver os dias tranquilamente na costa Leste, sentado o dia todo na beira do barco, vendo o pai jogando a rede e montando as varas de pesca; o cheiro do mar lhe lembra do cheiro da cozinha de casa, com a mãe preparando os peixes para armar a venda no dia seguinte, no centro do vilarejo, onde os artesãos e guerreiros e empregados de famílias nobres viriam pegar os peixes e deixar o ouro.

Sente falta do tempo que precedeu a destruição de tudo isso no conflito entre Fiandel e Argalya. Antes de sua vida virar uma mistura infernal de suor, terra e sangue.

Mas a lembrança da infância quer prevalecer. E ele cavalga nas primeiras posições entre os soldados, mantendo-se o mais próximo possível da praia. Ainda falta um pouco, mas ele j�� pode ver a areia e isso quase o faz esquecer da Grande Floresta, à direita dos cavalos.

Ele vê a areia poucos metros à frente. O cavalo prefere as pedras, mas ele quer o mar.

E é por estar mais próximo da praia que Thiago é o primeiro a perceber algo colocado sobre ela. Deitado, de barriga para cima, e desacordado. No meio do nada, jogado à orla da Grande Floresta.

*

-Olá! Garoto! Você consegue me ouvir?

"Que voz é essa na minha mente?"

Som de algo pesado batendo sobre a areia. Calor. E umidade nos pés.

-Thiago? O que é isso? Encontrou algo?

"Que voz é essa?"

-Barsen, senhor, ele parece estar desacordado. Estamos longe de qualquer cidade ou vilarejo. O que ele está fazendo tão próximo da Grande Floresta? E essas roupas…

-Você já viu algo parecido com isso?

As vozes estão próximas e sons metálicos perturbam os ouvidos de Arthur. Alguém toca seu ombro e puxa sua camiseta, usando os dedos indicador e médio para esticar o material.

"O que estão falando? Eu estou com uma calça de moletom e uma camiseta branca."

-Não me recordo de ter visto esse tipo de roupas em Vivre, senhor.

-Entendido. Thiago, vá chamar a capitã. Ou a vice. Essa situação é estranha, não sei se devemos nos envolver.

-Sim, senhor!

Passos se afastam por um momento. Então algo mais pesado golpeia o chão, com som de um galope mais ligeiro.

"Talvez eu deva-"

-Você está acordado, não está? Não parece ferido. Vamos. - A voz é grosseira e de um tom profundo. - Ei! Eu disse para acordar!

Os olhos de Arthur se abrem menos em razão do chamado e mais em razão do chute que lhe é desferido na altura das costelas. O pico de dor imediatamente o desperta de seu estado de sonolência e ele levanta de um pulo. As dores anteriores ao desmaio parecem desaparecer.

-Ei! Você!

A voz que lhe chama é a mesma de antes e seu novo chamado é acompanhado por um tapa desferido contra sua nuca. Usando toda sua força para não cair, Arthur se volta para o agressor e se depara com uma figura inusitada: Quem está na sua frente está usando uma armadura de metal de um cinza fosco, ornado de diversos símbolos arredondados e azuis. Suas pernas estão cobertas por couro e, nas partes não flexionáveis, estão colocadas proteções de placas de metal, ornamentadas com os mesmos símbolos azuis. Sua cabeça está coberta por um capacete de metal, de formato angulado e fechado por todos os lados, com uma abertura para os olhos, que revela somente um brilho amarelado escondido na escuridão do capacete. A sua mão direita está segurando um machado enorme.

A imagem assusta Arthur, que recua alguns passos.

-Quem é você e o que está fazendo largado num lugar como esse? E pelas divindades, que roupas são essas?

A primeira tentativa de falar é frustrada por uma garganta engasgada. Ele tosse até sentir que o pigarro sai de seu caminho. Cospe – o outro não se incomoda com o gesto – e tenta novamente.

-Do que você está falando? Eu… Onde estou? Quem é você?

O soldado não reage bem à resposta. Devagar, leva a mão ao machado, repentinamente atento.

-Garoto, não é uma boa ideia brincar com desconhecidos. Menos ainda com assuntos como este. Acredite em mim, é melhor se responder sinceramente. Vamos lá, responda: A que reino você serve?

A situação amplifica o nervosismo de Arthur, que procura desesperadamente um meio de sair dessa situação, na qual sequer sabia como ficara preso. O soldado é muito maior que ele e, poucos metros adiante, é possível avistar um grupo de indivíduos montados a cavalo, também vestindo armaduras com símbolos azuis.

-Eu… Eu não sei o que você quer. Eu…

A mão dele está perigosamente próxima do machado em sua cintura. O capacete tenta, em vão, ocultar o brilho frio do olhar amarelado. Ele sabe que não vai conseguir passagem à força.

Correr.

Arthur se vira de um impulso e corre na direção oposta ao soldado. O oponente tinha um cavalo, mas desmontara antes de abordá-lo e a armadura pesada certamente o atrasaria em uma corrida. Enquanto se move o mais rápido que pode, ele vê, nas proximidades, árvores que divisam a costa da praia e formam a orla de uma floresta. A mata não é densa e as árvores são espaçadas, permitindo a visão de vários metros à frente. Correndo em zigue-zague, ele espera evitar algum projétil que tente atingi-lo pelas costas. Com um olhar para trás, percebe que o soldado de antes não fez menção de persegui-lo. Não importa. Precisa se afastar.

A floresta está logo ali.

Desesperado, o rapaz joga seu corpo à frente, passando em disparada pelas árvores, sentindo um broto de esperança ao se perceber pisando em pedras em vez de areia. Suas pernas não estão fracas. Nesse ritmo, poderá manter a corrida tempo o suficiente para se distanciar do soldado com o machado. Já está longe o bastante para não escutar som de perseguição às suas costas e não há sinal da presença de ninguém por perto. Apenas o som de pedras aos seus pés e do balançar das folhas nas árvores.

"Vou conseguir."

O pensamento é imediatamente respondido com um peso que lhe cai sobre as costas. Antes mesmo que possa entender sua situação, o rosto de Arthur se choca com as pedras no chão e uma mão puxa seus braços para trás, imobilizando-o.

Ele tenta gritar, mas uma mão enluvada lhe cobre a boca.

-Se deseja viver, você não deveria gritar dentro dessa floresta, garoto. - A voz em seu ouvido é feminina. - Coisas mais perigosas do que soldados armados podem nos ouvir por aqui.

A voz possui uma ameaça velada em meio à sonoridade suave. É como uma canção ameaçadora entoada por uma sílfide. Uma ordem cantada como conselho.

Ele procura forças para reagir, mas os braços que o prendem, embora finos, são mais fortes que os seus. Ele tenta jogar o corpo para os lados, mas ela usa os próprios joelhos para conter o movimento, mantendo-o com o peito colado ao chão.

Arthur se debate e o tempo passa. Segundos se tornam minutos. Ela não diz nada, apenas esperando o inevitável. Logo, ele percebe que não conseguirá se livrar e desiste dos movimentos inúteis, esperando a próxima ação dela. Algo se aproxima de sua nuca e uma respiração lhe passa um arrepio.

Os cabelos dela caem sobre o rosto dele, vermelhos como línguas de um fogo intenso. Ele, virando o rosto, vê a face dela e imediatamente é paralisado pelos olhos castanhos e redondos, donos de um foco sobrenatural. Ela possui um rosto pálido, de traçado fino. Não usa armadura, como os soldados, mas um robe negro, com um capuz que lhe cobre parte da face e dá vazão aos cachos vermelhos, que escoem sobre os ombros e saltam em direção à luz.

Ela aproxima o rosto dele, abrindo os lábios e exibindo caninos salientes. Aproxima os dentes da jugular de Arthur e usa o canto dos lábios para sorrir ameaçadoramente.

-Esse é o tempo necessário para você se acalmar? - Ele permanece paralisado. Era a resposta esperada por ela, que o ergue pelos braços, dona de uma força descomunal, forçando-o a ficar em pé. - Prazer em conhecê-lo. Meu nome é Yvanna.

-O que�� O que está acontecendo? - É o único pensamento que Arthur é capaz de transformar em palavras enquanto é levado pelo braço para fora da floresta, na mesma direção que usou para entrar nela.

-Você acaba de ser capturado. Maneira interessante de começar o dia, não acha?

*

-Comandante!

A criatura posicionada no centro do arranjo de soldados parados no meio da estrada é uma elfa. Sem desmontar do cavalo, sua postura altiva indicaria até ao mais desatento dos transeuntes que ela é quem está no comando daqueles soldados. Sua montaria está selada com uma peça ornada dos mesmos símbolos arredondados e azuis que decoram as armaduras de seus homens e a bainha de sua arma exibe linhas de ouro e prata com puro intento ornamental. Sua armadura é formada de uma cota de malha encoberta por uma peça de tecido azul que se joga sobre seu corpo como uma capa.

Ela, porém, jamais teria aceitado uma armadura de cor diferente, uma bainha tão chamativa ou uma sela tão cara. Rinlia, desde moça, era uma pessoa com mais interesse na prática do que nas aparências. Ornamentos não vencem batalhas. Aqueles que fazem a diferença são as pessoas e as armas que elas empunham. Soldados bem treinados é o que ela precisa e não de peças decorativas, nem objetos que só inspiram respeito nos tolos e desejo nos bandidos.

Porém, não foi isso que o reino lhe forneceu para a viagem até Vivre. O que lhe forneceram fora aparências e um punhado de soldados novatos que mal conseguiam lidar com bandidos de beira de estrada. A maior parte deles eram novatos que morreriam dessa maneira: Como novatos. Mas tempos de guerra se aproximam e o rei não pode dispender muitos veteranos para a acompanhar.

E, não bastassem os bandidos, agora ela tinha que aguardar que a vice-comandante de seu esquadrão terminasse de capturar algum vagabundo qualquer por causa de soldado incapaz de não se intrometer no que não é da sua conta.

A elfa balança a cabeça, fazendo com que seu rabo de cavalo balance com o movimento. Ela possui cabelos de um loiro perolado e maçãs do rosto protuberantes, complementadas por um nariz arrebitado, num rosto atraente, como é tradição dos elfos.

Ela dá ordens aos seus imediatos para que vasculhem as proximidades em busca de pistas que poderiam indicar que aquele rapaz desmaiado na areia não tinha aliados preparando uma emboscada. Chamou para si o soldado que encontrara o corpo. Era um rapaz que fora incorporado às suas forças pouco antes de iniciar a viagem: Forte e de estatura alta (para um humano), não usava um elmo, revelando um rosto quadrado e jovem, com olhos amendoados e de um tom ocre, entre o castanho e o verde.

-Seu nome é Thiago?

-Sim, comandante.

-Aquele garoto será capturado em breve. Escolha um companheiro dentre os soldados rasos e continue por essa estrada. Um pouco adiante você encontrará ruínas de um antigo vilarejo. Eu quero que você vasculhe o lugar. Depois da tempestade de ontem, podem haver criaturas mágicas na região. Quando capturarmos o garoto, montaremos acampamento para esta noite.

-Sim, comandante.

Ele parte imediatamente, deixando-a com as próprias preocupações. Não queria acampar tão próximo da grande floresta. Um acampamento por ali, durante outra noite de tempestade, poderia se tornar uma empreitada mais perigosa do que ela estava disposta a lidar.

Porém, a última tempestade tinha sido muito recente e os soldados estão desanimados depois de tanto tempo na estrada. Um último descanso é necessário antes de chegar ao destino. A jornada está quase no final, então é bom tomar cuidado para manter os aliados descansados para um eventual imprevisto final.

Da orla da floresta ela pôde ver a imagem encapuzada de sua vice-comandante. Guarda para si o sorriso que desejou exibir ao ver o prisioneiro escoltado pelo braço como se fosse uma criança.

A mulher de cabelos vermelhos e capuz entrega o prisioneiro a Barsen, o soldado mais alto e forte dentre todos os presentes. Com apenas uma mão ele imobiliza a figura do garoto, que, uma vez próximo de todos, prendera seus olhos nela e a encarava com uma curiosidade notável.

-Barsen. - Ela chama, enquanto ele usa sua mão livre para passar cordas em torno dos braços do prisioneiro. - Você disse que ele não sabe informar a qual reino serve?

-Sim, comandante. Foi o que ele me disse.

O garoto não contestou. Isso podia significar diversas coisas. Uma delas seria que o garoto não passava de um idiota. Uma outra possibilidade era a de ele ser extremamente perigoso.

-Muito bem. - Ela se dirigiu ao prisioneiro, com voz baixa, como numa confidência. - Já que você interrompeu nossa viagem, vamos conversar um pouco. Até o fim do dia, você dirá quem é de onde veio, ou eu juro pelo Panteão que separarei sua cabeça desse corpo humano que te sustenta.

*

*