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Capítulo 01

Talini acordou com o lindo som dos sinos Élficos tocando, um ritmo frenético que parecia se espalhar por toda a cidade.

Demorou alguns minutos para que sua mente sonolenta percebe-se o que aquele lindo som significava, nos últimos cinquenta anos, desde o dia que os antigos habitantes da cidade foram forçados a devolvê-la para os humanos, os sinos nunca haviam tocado.

Diferente dos pesados e rústicos sinos humanos no centro da cidade, usados para informar as horas, ou para convocar alguma reunião de emergência, os delicados  sinos Élficos nas torres de vigia das muralhas, foram criados para avisar quando a cidade estivesse sob ataque.

A eufonia dos sinos era acompanhada por uma cacofonia de explosões, ruídos, e gritos de desespero.

Talini se levantou do chão, onde estava dormindo, e se guiou pela fraca luz alaranjada que invadia sua casa, até a única  janela que não estava tapada por tábuas. 

A avenida abaixo estava lotada, pessoas de todas as idades corriam desesperadas para a fortaleza no centro da cidade, fugindo da coluna de fumaça e fogo que havia se tornado o portão oeste de Narakhur, silhuetas humanoides maiores do que as muralhas se destacavam contra a coluna de fumaça.

Um soldado subiu em um caixote, e colocou a mão logo acima dos olhos, tentando enxergar o fim da fila.

"Ei, VOCÊ!!" Ele apontou para um mercador vestido com pijamas de cetim que cambaleava ao tentar puxar uma enorme carroça carregada de mercadoria."DEIXE ESTAS COISAS PARA TRÁS, MESMO QUE VOCÊ POSSA LEVÁ-LAS À FORTALEZA, NÃO HÁ ESPAÇO SUFICIENTE DENTRO DOS MUROS!!"

    O mercador ignorou o aviso do soldado, e continuou a puxar sua carroça. Uma imensa bola de fogo, iluminou o céu noturno, e aterrissou em um telhado próximo, destruindo tudo em seu caminho, o mercador largou sua carroça, e começou a correr, empurrando quem quer estivesse na sua frente.

    Talini se afastou da janela, vestiu suas botas, pegou sua bolsa do chão, e guardou os poucos pertences que tinha. 

A rua foi tomada por um silêncio sobrenatural, como se todas as pessoas que a poucos segundo gritavam desesperadas tivessem se acalmado de uma única vez.

Apesar da urgência da situação em que estava, Talini não conseguiu resistir a tentação de voltar até a janela, e descobrir o que estava acontecendo.

Como se fossem uma única entidade, todas as pessoas que a poucos instantes corriam por suas vidas, tinham parado, e encarava em silêncio o que restara do portão oeste.

Um único ponto preto flutuava em frente a fumaça, Talini, assim como todas as pessoas na cidade, sabiam instintivamente que aquele ponto era uma pessoa, e que era o responsável pelo ataque, apesar da distância, e da criatura gigantesca parada logo atrás dele, o homem emanava uma aura ameaçadora, de puro poder, pura dominação, como se pudesse apagar toda a cidade sem muito esforço.

Como se nunca tivesse existido, o homem desapareceu por entre a fumaça, as imensas silhuetas se curvaram, como se estivessem pegando alguma coisa no chão e com perfeita sincronização arremessaram o mais alto que conseguiam.

Esferas brancas como osso polido tomaram o céu, ao atingirem o ponto mais alto possível, se desfizeram e, incontáveis pontinhos brancos, caindo em direção a cidade como a primeira neve do inverno.

O primeiro ponto branco, do tamanho de uma pequena carruagem, aterrissou gentilmente sobre o telhado da velha igreja, e se dividiu em oito longas patas peludas, conectadas a um abdômen inchado, e amarelado por baixo,que se estendia em um tronco humanoide feminio, seis olhos de cada lado da cabeça, pinças que pingavam veneno no lugar da boca, e longos cabelos negros embaraçados emoldurando o rosto mosntruoso..

 Aracnes, as filhas sanguinárias da tecelã

Como se estivessem acordando de um pesadelo, as pessoas na rua começaram a gritar com desespero renovado, empurrando umas as outras, e pisoteando aqueles que eram azarados o suficiente para cair no chão.

Uma das Aracnes caiu na multidão, esmagando algumas pessoas sob seu corpo, seus olhos negros brilharam com malicia.

O guarda no caixote sacou a espada, e avançou contra o monstro, uma das patas da Aracne foi em sua direção como uma lança, o homem bloqueou com a parte chata da lâmina, desviando a pata para o lado e continuou a avançar.

O rosto horrendo da Aracne se abriu em um sorriso macabro, revelando incontáveis dentes afiados as pinças, a pata que o soldado pensou ter desviado, se dobrou em uma das juntas, e o empalou pelas costas, a Aracne trouxe o corpo imovel para próximo do rosto monstruoso, e arrancou a cabeça dele com uma única mordida de suas pinças, sangue fresco jorrou sobre seu peito nú.

    Talini tinha duas opções: podia se juntar à multidão do lado de fora, e procurar abrigo na fortaleza, que provavelmente se tornaria um imenso abatedouro, ou tentar sobreviver por conta própria.

    Não tinha a menor chance do lado de fora, e mesmo que sua casa, a velha sede da guarda Élfica, com a aura aterrorizante que emanava, lhe oferecesse alguma proteção sabia que não demoraria muito para que as aracnes a encontrassem.

    Ela pegou a bolsa, e correu escada abaixo, se guiando na escuridão absoluta que tomava o restante do predio apenas pela memória.

    A cidade inteira estremeceu, Talini se agarrou a uma coluna para evitar que caísse,e esperou o tremor parar.

    Uma rachadura surgiu no teto, se estendendo até uma das paredes, as tábuas que cobriam as janelas se soltaram, e Talini se viu cara a cara com uma Aracne diferente das outras, além de estar completamente vestida, seus cabelos eram brancos como o resto de seu corpo, e seus olhos negros brilhavam com uma inteligência que faltava em suas irmãs, a criatura enfiou as patas pelo buraco deixado pelas tábuas, e as forçou para o lado, a argamassa começou a ceder.

    Talini correu até um dos cantos do salão, e se ajoelhou, procurando freneticamente no chão pela portinhola que a levaria para o subterrâneo.

 Ela olhou para a janela, a criatura havia alargado o buraco da janela, e mais da metade de seu corpo estava do lado de dentro, tentando espremer o restante  pela abertura.

Talini sentiu o toque gelado de metal em sua mão, e puxou com todas as suas forças, mas a porta do alçapão não se moveu.

A Aracne atravessou a parede, e se aproximou lentamente de Talini, saliva misturada com veneno escorreu pelos cantos de sua boca.

A cidade estremeceu novamente,  o chão sob as patas da aracne, rachou para todos os lados, e antes que a criatura ou Talini pudessem fazer alguma coisa, desmoronou.

********************

    Veles tinha perdido as contas de quantas vezes tinha tido aquele mesmo sonho. Estava de costas para a montanha sagrada, a sua frente, o mundo estava em chamas, montanhas de corpos queimavam como uma grande oferenda ao deus do submundo.

Veles inspirou o cheiro de carne queimando, e olhou para o céu, enojado com sigo mesmo por ter se acostumado com aquele cheiro, com o som de infinitas vidas sendo destruídas por suas mãos.

Uma luz azulada dividiu a parede de chamas carmesins formando uma passagem grande o suficiente para que centenas de soldados marchando em formação conseguissem atravessar.

Veles se levantou, sacudiu a poeira e as cinzas de suas roupas, e encarou seus novos inimigos, conseguia ver a expressão aterrorizada do jovem elfo na primeira fila, a pesada lança prateada tremendo em suas mão.

Tristeza e resignação tomaram seu coração, mais uma vez tomaria as vidas de jovens guerreiros, assistiria a luz deixar seus olhos, enquanto o desespero  de assistir seus companheiros caírem um por um os levassem a loucura, Veles sentiu um sorriso se formar em seu rosto, tão insano que o próprio deus da guerra se assustaria.

A formação se dividiu para os lados, tentando cercá-lo.

Podia odiar o que estava prestes a fazer, mas uma parte sua estava tão acostumada com toda aquela violência, que ansiava pelo confronto, pela matança, além de que  não podia deixá-los passar, não podia permitir que ninguém tocasse a montanha, até que tudo estivesse terminado.

Veles se moveu, e antes que o jovem elfo com a lança nas mãos percebesse o que estava acontecendo, separou a cabeça do resto do corpo do guerreiro ao seu lado.

Veles acordou com o barulho de uma pedra se arrastando sobre outra, olhou ao redor de sua cela escura, até encontrar uma pequena rocha, não maior do que um ovo de passarinho.

Prazer surgiu em seu peito, a pequena rocha havia se movido meio centímetro para a direita, a primeira mudança que tinha acontecido nos cinquenta anos desde que seus captores o abandonaram.

Ao longe Veles conseguia ouvir o delicioso som dos sinos élficos tocando, se juntando com os gritos desesperados daqueles que morriam, se tornando uma linda melodia, ele sorriu, o mesmo sorriso ensandecido que dera naquele campo de batalha, o primeiro sorriso verdadeiro que tinha dado nos últimos dois séculos.

Uma gargalhada cruel cresceu em seu peito, sacudindo todo seu corpo, e as corrente que o prendiam.

Poeira e pequenas pedras se soltaram do teto, caindo no chão como flocos de neve, uma enorme rachadura surgiu na pedra, se estendendo para todos os lados, até que tudo veio abaixo, toneladas de rocha, madeira, argamassa e feitiços caíram com um barulho ensurdecedor.

A cela caiu em um silêncio pesado, e por alguns minutos nada aconteceu, até que a pilha de escombros se moveu, uma jovem de cabelos loiros platinados na altura dos ombros se levantou, bateu a poeira das roupas, e olhou ao redor, até que seus olhos verdes como as florestas Élficas do leste se focaram nele.

 Veles sentiu seu coração parar, só para voltar a bater acelerado, tomado de uma esperança que nem sabia ser capaz de sentir, atrás da Jovem, uma imensa criatura com a pele branca como osso também se levantava, seus olhos negros brilharam enfurecidos, as afidas pinças em sua boca pingaram veneno.

Finalmente, alguém que poderia acabar com seu sofrimento.