Está escuro. A paisagem é sombria e etérea. Não há árvores, nem grama, rios ou lagos. Não há sol, nem lua, estrelas ou auroras. Há apenas uma paisagem desértica e cinzenta, mas que não é seca, nem quente ou fria; na realidade, acredito que tais sensações não podem ser mais percebidas.
É escuro, mas não tanto, pois há uma claridade, tal como se fosse uma noite de lua cheia – a lua, entretando, não está presente.
Aparentemente, este é o caminho para O Abismo; o mistério de nossa existência. Uma mulher acompanha-me como guia, e, ao chegarmos em um determinado local cuja aparência é mais etérea que as paisagens vistas outrora, ela diz, calmamente, para que eu pare meus passos e escute-a.
—Eis aqui a entrada para teu futuro. À existente inexistência, ou inexistente existência. À existência – ou inexistência – etérea. O esquecimento e a lembrança, a perdição e a realização, a felicidade e a tristeza, a companhia e a solidão. O que segue é como e com quem vagará, por este mundo estranho e misterioso; o deserto etéreo.
Olhei bem para a mulher. Ela usa um capuz preto. Seus cabelos são negros, seus olhos de cor violeta, e seus lábios, estranhamente, também possuem tal cor.
Pergunto a ela:
—Não pode caminhar junto? Sentirei-me perdida caso caminhe sozinha. Aqui não há ninguém que eu conheça, nem que possa ajudar-me, certo? Poderia, então, caminhar junto a mim?
Olhando-me nos olhos, ela dá um leve sorriso fechado.
—És curiosa, não? Certamente, és curiosa. Ora, caso pudesse eu caminhar, já não teria seguido tal trilha? Se pudesse eu entrar, não teria já entrado? Se pudesse eu andar junto a ti, ou junto a qualquer um, já não estaria eu andando por tal lugar?
—Então, você não pode, não é?
—Sim, não posso.
—Por qual motivo? Por que não pode caminhar junto a mim?
—Ora, querida menina, nunca contaram-lhe que a curiosidade mata?
—Não faz diferença, afinal, não devo mais temer a morte.
—Oh, tens razão, não deves. Não há motivos, não mais. Então, por seres uma figura intrigante, irei responder-lhe: Não posso, pois aqueles que, por conta própria, para O Abismo caminham, não podem jamais pôr se quer um dedo adentro. Nem mesmo a ponta de minhas unhas podem neste lugar adentrar.
Ela aponta uma pedra para mim, e diz para que eu veja. Na pedra, estão escritas as seguintes palavras:
"Este é O Abismo. O lugar mais misterioso de toda existência, e de todos os que existem. O lugar onde vagam aqueles cujo estado não pode ser mais definido por palavras como "existência", tampouco "inexistência". Entretando, há indivíduos que por ele não podem caminhar: AQUELES QUE, POR CONTA PRÓPRIA, CAMINHAM AO ABISMO, jamais poderão adentrar-lhe; passarão sua existente inexistência como guias àqueles que por ele devem adentrar. Estes, que com seus próprios pés e mãos, caminharam até aqui, com seu espírito desejando entrar, não poderão pisar, nem saber o que há por trás de tal passagem."
Olhando novamente a mulher, com tristeza em meu rosto, digo que sinto muito, mas o que ela faz é agir com indiferença:
—Não há a necessidade de empatia. Já ouvi muitos lamentos. Além disso, não há necessidade de lembrar-me do quão miserável é meu estado. Apenas caminhe, entre em tal passagem, e caminhe novamente.
Passo pela tal passagem; o que ocorre a partir de agora é irrelevante, afinal, é apenas minha existente inexistência, ou inexistente existência. Porém, mesmo assim, eu gostaria de lembrar de como cheguei até aqui.