Uma Astrid mais velha abre a porta e deixa o frio entrar, mas logo ele vai embora quando a porta se fecha. V lembra de como sua vida era fria antes dela, de como o único calor que ele sentia era a chama do ódio, mas então ela apareceu e junto trouxe um novo tipo de calor, uma chama mais forte e aconchegante que a do ódio que diferente dele não o queimava.
-Cheguei amor.
Aquela voz soou pelo cômodo, não havia melodia mais bela que aquela voz, sua hora favorita do dia era quando os dois se deitavam abraçados após um longo dia de trabalho e ele ouvia aquela doce voz sussurrando promessas de amor eterno. Ele nunca prestava muita atenção na verdade, estar em seus braços, ouvir sua voz, ter sua boca sobre a dela e simplesmente ter uma vida ao seu lado era o bastante para V.
-Como foi no trabalho amor?
A essa altura essa era uma pergunta retórica, a resposta era sempre a mesma: "O de sempre, clientes chatos, bagunça pra todo lado pra eu limpar e de quebra ainda tem o patrão que é babaca." Mas dessa vez, algo estava diferente. Astrid tinha um grande sorriso nos lábios, algo raro vindo dela em plena segunda-feira, sentou-se à mesa o observou a expressão curiosa de seu marido antes de dizer:
-Adivinha quem é a mais nova empregada do senhor Yamir?
-Mentira...-O rosto sorridente dela era resposta o suficiente.-Amor, isso é incrível!
V não se conteve, lançou uma corda de seda contra ela e a puxou para um abraço apertado.
-Amor! As panelas...
Sua preocupação vai embora quando vê que ele usava os dois braços direitos para cuidar do jantar enquanto os outros dois a abraçavam forte.
-Eu achei que sua reação ia ser justamente o contrário, a reputação da empresa é no mínimo... Duvidosa...-Astrid dizia ao se lembrar dos vários boatos sobre a maneira brutal da empresa dos Yamir de esmagar as rivais.
-E isso lá importa? Nós finalmente vamos poder nos mudar!
Essa era uma promessa que V nunca esqueceu. Até hoje ele se lembra do dia em que ela começou a procurar um emprego melhor. Os dois haviam acabado de fazer amor, V conseguia ouvir os batimentos cardíacos por estar encostado no peito dela, foi aí que ele ouviu. "Se um dia eu conseguir um emprego melhor nós vamos poder nos mudar pra um lugar melhor e aí nós podemos..." Ela nunca terminou essa frase, mas ela segurou sua mão e a repousou em sua barriga, V sabia muito bem o que aquilo significava...
Um sorriso de felicidade cresceu nos lábios da maior quando viu a felicidade dele, aqueles olhinhos dourados eram sua maior fraqueza, faziam anos que as escleras de seus olhos não eram mais negras, ver seus olhos não mais tomados pelo ódio lhe trazia uma felicidade inimaginável a ela, por isso, Astrid queria dar algo que ele desejava demais, filhos.
Os dois se mudaram e meses depois Astrid ficou grávida, seu novo emprego era com certeza muito melhor que o anterior, ela achava que conseguiria tirar a licença maternidade no antigo emprego, a empresa dos Yamir realmente era um ótimo lugar para se trabalhar, aqueles nove meses foram os mais felizes de sua vida, ver V animado para se tornar um pai a deixava tão animada quanto, ele havia se tornado ainda mais protetor durante os meses de gravides, cozinhava apenas as receitas mais saudáveis que conhecia e a incentivava a fazer exercícios sempre que podia.
-Acho que ela chutou de novo.
V baixou seu livro e lhe deu um largo sorriso, ele se sentava em uma poltrona à sua frente. Seu olhar recai sobre a barriga de sua amada, gigante. Os dois tiveram a sorte de ter um casal de gêmeos na primeira gravidez, um humano e uma MG.
A menina MG era a mais agitada e por ser uma das primeiras MGS tecelã, os dois decidiram chamá-la de Greta, que significa pérola, uma criança preciosa.
O garoto humano foi chamado de Oliver por conta de sua serenidade em comparação a sua irmã, Astrid tinha muito orgulho de ser a primeira fera a ter um filho humano do sexo masculino.
V contemplou sua vida até aquele momento, estava casado com a mulher dos seus sonhos, morava em uma casa grande e espaçosa e logo teria filhos, ele não poderia estar mais feliz...
-Isso não é real é?
Ele encarou a realidade, ele estava em uma imensidão negra, seus olhos estavam de volta ao normal... Com as escleras negras...
-É uma pena que não seja, é um futuro bonito.
Uma voz desconhecida ecoa da escuridão acompanhada de passos lentos vindo em sua direção. O dono da voz logo aparece, a pele da mesma cor que a escuridão a sua volta, um breu total, o terno negro e gravata quase se misturavam com sua pele não fosse a camisa social branca por baixo, a calça e os sapatos sociais eram denovo pretos, já seu rosto era completamente desconexo do resto, a pele da sua cabeça era o oposto do resto de seu corpo, era tão branca quanto o cabelo de V, sua boca se abria em um eterno sorriso desdentado como uma máscara sorridente de teatro, seus olhos totalmente negros e era desprovido de cabelo.
-É interessante que você imagine tendo uma filha MG e um humano, muito interessante mesmo.
Sua boca não se mexia quando sua fria voz soava. O homem para de falar quando se vê na mira de Orenmir. V não o daria a chance de o atacar.
-Quem é você? Por que tá mexendo com a minha cabeça?
-Meu nome não é relevante mas pode me chamar de Dr. Inko, e não tenho relação com as visões que está tendo, isso é obra do seu subconsciente, esse futuro é obra da sua mente V.-V hesitou, ele ainda não confiava naquele homem.-Mas não posso culpá-lo, qualquer iria querer uma vida feliz ao lado de quem ama.
V baixou sua espada, aquele homem não era uma ameaça. Pelo menos, não naquele momento.
-O que você quer de mim?
-Vamos por partes, eu sou de uma MB raça antiga chamada de anciões, não somos originais de Spiralla ou Annilia, na verdade fomos criados da explosão que fundiu essa dimensão com Spiralla.
-Fundiu? Se essa dimensão estivesse mesmo fundida a Spiralla os homens e MGS estariam andando livres por aí.
-De fato estariam, se fosse uma fusão completa. Acha que o fungo que transforma humanos em feras é original daqui? Claro que não, é resultado de uma fusão parcial, fusão essa que está muito próxima de ser completa.
-Então acho que o futuro que imaginei não está tão distante.-Em resposta, Inko dá uma leve risada.-Qual é a graça?
-A graça senhor V, é saber que se as coisas continuarem do jeito que estão, seu futuro não existirá. Existe uma máquina, capaz de liberar uma explosão de mana da mesma forma que o Anniliano que fundiu nossas realidades liberou, e essa máquina está nas mãos do grupo terrorista conhecido como El Clonado.
-As El Clonado!?-V estava em choque, se elas tinham uma máquina como essa, poderiam criar uma catástrofe.
-Exato, elas trabalham para ativar essa explosão e fundir as dimensões por completo.
-Por que diabos elas fariam isso? Elas querem o exato oposto.
-Essa máquina pode facilitar isso, elas acreditam que se a fusão for completa e os homens voltarem, não haverá uma rasão para coexistirmos.
-Elas acham mesmo que vão conseguir nos separar? Elas estão bem enganadas se acham que sim.
-Talvez não separem todos, a maioria das pessoas não concorda com a opinião delas, mas ainda existiram muitas pessoas que concordam, isso vai causar um grande impacto no mundo, talvez até crie uma divisão entre os dois.
-E quando é que isso vai acontecer?
-Muito em breve, talvez aconteça assim que você acordar, não tenho certeza.
-Mesmo assim, não tenho tempo para lidar com as El Clonado agora, tenho problemas demais pra lidar agora, mas se elas entrarem no meu caminho... Eu acabo com elas.
-Ficarei feliz em ajudar como puder...
Inko se aproxima e toca a testa do menor, assim que V sente o indicador do homem lhe tocando, ele acorda. O cheiro do mar invade suas narinas, ele havia dormido na cabine da capitã do Tríade, ele observou a sala e logo percebeu Inko o encarando no canto da sala.
-Só você pode me ver e ouvir, quando falar comigo as pessoas não poderam te ouvir, você sabe, pra evitar que te achem um maluco. Pode me chamar se precisar de ajuda.
-Não sei se me sinto bem com alguém me vigiando, mas se for me ajudar então eu aceito sua ajuda.-V se levanta e pega suas roupas, ainda era noite mas ele já não tinha vontade de dormir.
-É melhor não sair agora, já está acontecendo...
Sua confusão durou pouco, o navio começou a tremer.
Longe dali...
Astrid arrumava as coisas para a mudança, ela e V se mudariam assim que ele retornasse de sua missão, ela coloca caixas na sala quando o noticiário que sua mãe assistia deu uma notícia urgente:
-Fortes tremores estão sendo sentidos por todo o mundo, as autoridades não conceguem determinar a causa, a recomendação a ficar até-
A TV desliga, ou melhor, tudo desliga. A casa começou a tremer fortemente, tudo o que era eletrônico fora desligado.
-Que merda tá acontecendo.-Astrid precisou se segurar para não cair.
Os tremores duraram por mais trinta segundos e logo pararam, seus pais começaram a perguntar se ela e Gabriel estavam bem, Astrid não prestou atenção. Tinha mais alguém alí... Um homem... Humano...
-Quem diabos é você?
Ela perguntou quando seus olhos heterocromáticos se encontraram com os azuis do homem misterioso, ele parecia tão confuso quanto todos ali quando respondeu:
-Ragnar, Ragnar Heddle...
Longe dali...
V só percebeu que havia mais alguém alí quando os tremores pararam... Uma mulher... Uma MG... Tecelã...
-Quem é você?
V teve problemas para ouví-la por conta da máscara, por isso achou que houvesse ouvido errado:
-Meu nome é V...