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As sete igrejas

- Não pode ser! – Exclamaram os dois, sem poderem acreditar que o mundo iria acabar.

- É verdade e, portanto, Deus gostava de contar com a tua ajuda, Ester, para tomar precauções.

- Como? Vais-me ressuscitar?

- Não, não é preciso. Tu não estás morta. Basta enviar-te de novo à Terra.

- Espera aí, o quê? O quê?! – Repetiu-se, gritando confusa.

- Não sei se tu reparaste, mas quando aterraste, o chão era fofo. Eu consegui enviar um anjo para criar um portal até aqui, logo antes da vossa queda.

- Então eu, o Zacarias e todos os da tribo estão vivos?

- Não. Só tu e Zacarias. Devido ao terramoto causado por Armagedom, a caverna desmoronou, matando a maior parte do teu clã. O meu objetivo era deixar-te viva, por isso salvei-te a ti e por contrapartida o teu amigo. Lamento que tantos tenham sido mortos, mas agora não há nada a fazer.

- C…Como assim o Armage..gedom causou isto? – Interrogou Zacarias, enquanto a amiga parecia estar completamente perdida.

- O Armagedom é uma cidade subterrânea que só se elevará quando o Apocalipse acontecer. Como tal está prestes a acontecer, a cidade está a ser erguida, todavia para tal é preciso abrir uma brecha na terra por onde passar. A Amazónia calhou estar imediatamente acima e sofrer as consequências.

- E não podias ter feito nada? Se me salvaste a mim, porque não os outros? Serei assim tão especial?

- Ester, tenho a certeza que tu própria sabes que és especial. Já foi um milagre Eu poder trazer-te aqui sem consequências. Seria impossível salvar o teu povo.

- Que consequências?

- Eu estaria a afetar a ordem do mundo, caso salvasse a tua tribo inteira. Todos de lá estavam destinados a morrer. Como tu e o teu amigo não afetam o futuro em grande medida, foi possível salvá-los, como Deus previra e sempre previra. No entanto, é estranho o teu amigo vir.

- Ent…t…tão, estou vivo p…por acidente?

- Sim, basicamente. Tu estavas lá à beira e foste salvo também. Mas até acho que foi melhor assim. Podes vir a ser de grande ajuda para ela. Só espero que seja a única vez que isto acontece. Ainda pretendo trazer outra pessoa, e apreciava que viesse sozinha.

- Porquê só agora? Bastava teres-me chamado mais cedo e podia ter prevenido isto. Podia ter salvado todos. – Lamentou melancolicamente. – Se o destino é o que interessa para Ti, então acho que o meu pai tinha razão. Para quê tentar curar feridas? Deus é que sabe quando é que morremos, certo? Por muito que queiramos sobreviver, toda a nossa vida depende de alguém superior. Nem sei porque é que quis melhorar as condições da tribo, não vai mudar nada.

- Percebeste isto tudo mal. O facto de a morte poder acontecer a qualquer momento, sem termos controlo sobre ela, não significa que devemos desistir de viver, pelo contrário. Dá-nos uma razão para podermos aproveitar a vida ao máximo. Não se pode desperdiçar a vossa vida, nunca se sabe quando será o seu fim. Tem que se dar uma razão ao mundo para se ser lembrado. Por isso, não, Ester, tu não podes pensar assim. Tudo aquilo que fizeste é aquilo por que serás lembrada. Teres tentado melhorar o modo de vida da tua tribo, deixará na memória dos outros uma imagem de alguém humilde, que não se importa de se sacrificar pelo bem dos outros.

- Então vivemos para sermos memórias?

- De certa maneira, sim.

- Eu não quero ter o meu pai como uma memória, eu quero tê-lo em carne e osso. Deus podia tê-lo salvo e não o fez, e, por isso, não posso confiar Nele. Não sei o que é queres que faça, mas pede a outra pessoa. Aliás pede aqui ao meu amigo, ele deve aceitar. – Afirmou, afastando-se com os olhos vidrados.

Zacarias quis ir atrás de Ester, todavia Vehulah impediu-o, afirmando:

- Não vás rapaz. Deixa-a ir. Ela precisa de algum espaço por agora, na altura certa mandarei um anjo falar com ela.

- Deves ter razão. Tu és um serafim afinal de contas… O que é que é um serafim?

- Sou um ser da mais alta hierarquia angelical, o mais próximo de Nosso Senhor, com seis asas, duas para me cobrir os pés, que não são dignos para andar perto Dele, e duas para me cobrir a cara, para não queimar os olhos ao observar a sua grandeza.

- Ahh! – Exclamou surpreso. – Então, nunca O viste?

- Sim, mas não da maneira que pensas. Vejo-o em várias formas diferentes, como cada uma das personalidades da Santíssima Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo. No entanto, um simples humano não compreenderia o que tal significa. – Tentou explicar, depois reparando na falta de espanto do jovem. – Não Me pareces surpreso.

- Nunca me interessei muito na religião. Só sei que acreditávamos no Senhor, que suponho que seja apenas a sua forma Pai.

- Sim, os judeus não estavam muito longe da verdade. Aliás, desde que não seja politeísta, e que amem o vosso Deus verdadeiramente, todas as religiões acabam por se basear no mesmo. Por isso, desde que aprendam a agir bem, não me importo muito acerca de como acreditam Nele

- Faz sentido. E então…

Vehulah e Zacarias tiveram uma longa conversa sobre vários assuntos religiosos. O rapaz até teve a ocasião de mudar de roupa, ou, de pelo menos vestir alguma, já que não tinha nada a cobrir o torso. Deus fez aparecer uma t-shirt de pele preta, simplesmente, fazendo tempo até que chegasse a altura certa para ir acalmar Ester.

*

A rapariga, ao afastar-se dos outros, perdeu-se na imensidão de nuvens no Purgatório. Vagueou por um bocado com um aperto na garganta e com os olhos forçados a não verter água. Quando se fartou, decidiu sentar-se por um bocado e deixar as lágrimas escorrer pela face. Não queria acreditar que o seu pai estava morto e, portanto, tentou afastar-se o máximo possível Daquele que permitiu que tal acontecesse. Ela sentiu-se furiosa perante Deus, mesmo tentando chamar-se à razão. Disse a si própria várias vezes "Deus é Deus, e só Ele sabe o que é melhor para o mundo. Se Ele deixou o meu pai morrer, foi porque era o melhor a fazer.". No entanto, não se conseguia convencer.

Lembrava-se dos momentos mais felizes que passava com o seu pai, quando ele lhe lia o Tanakh (uma espécie de bíblia judaica), quando lhe deu um bastão a comemorar o seu décimo aniversário, e quando lhe falava da sua mãe enquanto estava deitado na tenda-médica. Obviamente que juntamente com estes pensamentos vinham também os maus momentos, relembrando-se geralmente de ver o seu pai deitado por estar doente. "Já sofrera tanto e morreu instantaneamente, talvez não tenha sido tão mau.", pensou.

No entanto, por muitas memórias que tivesse, não bastava. Queria encontrar-se com ele, perguntar-lhe o que fazer. Foi aí que se revelou uma mulher no meio da imensidão. Parecia ter uma idade semelhante a ela, tendo no máximo um par de anos a mais. Tinha asas tão grandes, senão maiores, do que ela. Tinha a pele clara e graciosa e um cabelo negro e longo, ondeado até ao centro das costas. Os seus olhos azuis davam-lhe um olhar hipnótico, capaz de captar a atenção de quem quer que os vislumbre. Usava como vestimenta um vestido branco, do pescoço quase até aos tornozelos. Trazia na mão uma clava muito parecida com aquele que a rapariga tinha.

Ela aproximou-se da rapariga e disse num tom suave:

- Olá Ester, então já te sentes melhor?

- Quem és tu?

- Eu sou a anja Dana e vim aqui buscar-te para ires ver qual é o teu destino.

- Oh, okay. Eu já me sinto um pouco melhor, mas gostava… - Quis explicar até ser interrompida.

- Se te sentes melhor então vamos. Não quero estar a perder tempo aqui contigo. Toma aqui o teu bastão. Deus disse-me que era teu. – Afirmou agora num tom imperativo.

- Ei, não precisas de ser tão rude. Como eu estava a dizer, ainda gostava de ir visitar o meu pai e perguntar-lhe o que devo fazer, por isso, sua mandona, vamos fazer uma paragem antes. Mas obrigado pela minha clava. – Terminou, enrolando a clava na sua saia.

- Oh, e eu é que sou mandona. – Disse, aparentemente já enfurecida pela rapariga, adotando uma postura de superioridade. - Achas mesmo que eu vou só fazer o que queres porque me pedes? Só sou eu a vir-te cá buscar porque fui a anja mais próxima de Deus naquele momento. Por esta altura, já estaria a preparar as defesas contra a invasão do Diabo.

- O Diabo vem cá atacar?

- Sua intrometida, isso, por agora, não te interessa. Neste momento só tens que decidir uma coisa, ou vens comigo ter com Deus, ou ficas aqui perdida.

- Está bem, eu vou contigo. – Afirmou com um suspiro, contrariada.

Dana, parecendo ficar ainda mais aborrecida com a resposta, agarrou a rapariga pelos braços e voou numa direção, que à jovem pareceu ser aleatória. Ester começou a gritar, assustada por estar no ar a tão alta velocidade, fazendo Dana criticar:

- Podias-te calar, estou a tentar ver onde é que é o Céu.

- Tu não sabes aonde é que nós estamos a ir?!

- Achas mesmo que eu não sei? Só fiquei um pouco confusa, já que o Purgatório é todo igual.

Voaram por mais um bocado, até irem contra o que parecia ser uma parede-espelho. Atravessaram-na e entraram num local tão infinito como o Purgatório, com o chão de nuvens e céu de Universo, tendo, como diferença, tudo cheio. Dum lado estavam estruturas de cimento e vidro a flutuar no ar, e do outro florestas, desertos e aldeias. No centro situava-se um grande trono dourado, com um templo de safira e diamante por trás.

Ester ficou fascinada com o que via. Nunca vira nada parecido na sua vida, nem nos seus sonhos. Estava a ser levada pelo seu fascínio, enquanto pairava até ao trono dourado. Aterraram as duas e, ao reparar nelas, Zacarias foi ter com Ester. Ele ficara à espera com o serafim, que começou por lhe dizer:

- Então, finalmente chegaste. Sentes-te melhor agora?

- Um bocadinho, acho eu. Ainda queria ir ter com o meu pai, ver se resolvia este dilema emocional, mas esta anja idiota trouxe-me até aqui.

- Ei! – Exclamou imediatamente Dana. – Trago-te até aqui e é assim que me chamas. Nem sei porque é que não saí imediatamente.

- Está bem, desculpa. A anja Dana foi simpática o suficiente para me deslocar cá.

- Oh! – Zacarias olhou para a anja e pôde vislumbrar a sua beleza. Apaixonou-se quase imediatamente, chegando à sua beira. – Olá Dama. O meu nome é Zacarias, mas isso não interessa. Tu és a mulher mais bela que eu alguma vez vi. Os teus olhos de cristal, os teus lábios de rubi, tu és…

- Deixa-me adivinhar, sou como um anjo. – Comentou jocosamente.

- Tiraste-me as palavras da boca. – Disse, olhando-a diretamente nos olhos.

- Olha rapaz, em primeiro lugar o meu nome é Dana, não Dama. Em segundo, os anjos não podem ter relações porque somos completamente devotos a Deus, e só ele.

- Ah, o amor proibido. Só torna as coisas mais excitantes.

- Nem sei porque estou a tentar. – Dirigiu-se agora ao trono. – Vehulah, trouxe-lhe a rapariga como me pediu. Onde é que devo ir agora?

- Eu já te digo, deixa-me só explicar a missão à rapariga.

Ester ficou surpreendida pela reação do amigo pela anja, mas achava que ela merecia. Ela própria passara pela mesma experiência quando era mais nova. A conversa continuou:

- Ester. Tu sabes porque és especial?

- Sim. Sou a única na minha aldeia que consegue ver demónios.

- Exato, e a razão para tal prende-se com a tua relação divina. Tu és a 1.ª testemunha.

- A sério? Ha ha. Pelos vistos sou melhor do que tu. – Afirmou, dirigindo-se ao rapaz.

- Pois, pois. Lembra-te só de quem te derrotou naquele combate.

- Mmhh. – Zangou-se a rapariga, lembrando-se depois de uma pergunta. – Vehulah, como assim sou a primeira testemunha?

- Tu já deves ter lido no Tanakh sobre eles. Está escrito que farão frente a qualquer inimigo que lhes faça frente, por qualquer meio que for preciso. Que serão temidos por toda a Terra e por todo o Céu.

- Sim, acho que me lembro de alguma coisa. Espera aí, não é uma besta que os mata no fim?

- Eu prometo não deixar que tal aconteça. Mas, voltando ao assunto principal, a tua missão. O Apocalipse não tarda vai começar e, para tal, será preciso fazer alguns preparativos. Um dos maiores problemas quando o Apocalipse começa centra-se no facto de todo o mundo começar a acreditar nele como o salvador, tratando-o como um Deus. Isto acontece, principalmente, devido à influência das sete igrejas na Turquia.

- O que é que é a Turquia?

- Pois, esqueci-me que vocês nem sabem o que é um globo. – Disse para si próprio, falando de volta para eles. – Faz parte da Ásia Menor, mas é demasiado complicado para explicar agora, portanto vou continuar.

Estas sete igrejas foram, a certa altura, umas das mais importantes e, por isso, têm a capacidade de o serem novamente. Supostamente, no dia do Fim, demónios ocuparão o que resta destes locais, e tentarão fazer tudo o que podem para espalhar a sua fama e a sua crença em Lúcifer. Infelizmente, o Diabo preparou-se para o pior e adiantou-se. Já invadiu uma igreja e deve ter na mira as outras seis. Eu preciso que tu vás a estes locais e, com os poderes que te irei dar, as ilibes de seres maléficos e as defendas de ameaças futuras.

- Como é que eu estarei em sete sítios ao mesmo tempo?

- Tu não precisas de estar lá para defendê-las. Eu enviarei alguém de confiança contigo para fechar as brechas para o Inferno. Com elas fechadas de vez, nenhum demónio quererá sequer dar um passo nas igrejas. É aqui que tu entras Dana.

- Eu!?

- Sim. Eu quero que tu vás com Ester para protegê-la. Como tu pedias constantemente por um pouco de ação, pensei que esta seria a perfeita ocasião para tal. Irei conceder-te o ritual divinal, uma vez que és dos anjos mais fluentes em oratórios. Confio que darás um bom uso a isto.– Ela começou a brilhar, como se a sua graciosidade tivesse aumentado.

- Mas… - Dana ainda ia tentar contestar a decisão. Impediu-se a si própria, uma vez que se dirigia ao representante divino, e não pretendia contrariar a sua vontade. – Está bem V. Farei como quiser.

- De certeza que não têm um anjo mais competente a vaguear por aí? – Questionou jocosamente a Ester, sendo imediatamente interrompida por Zacarias:

- Estás louca? Isto é a melhor das opções possíveis e nem te atrevas a estragar-me isto.

- Oh, Zacarias, pretendes juntar-te a esta missão? – Interrogou o serafim.

- Claro. Pensei que isso era óbvio. N…Não que O queira ofender senhor. Desculpe.

- Não te preocupes Zacarias, já estava à espera. Tu podes ir com Ester desde que me prometas que não a atrapalhas.

- Vou tentar, senhor.

- Ainda bem. Se está tudo tratado então, Ester, deixa-me entregar-te o meu dom.

- Espere só um bocado. Ainda queria falar com o meu pai antes de sair.

- Eu não sei se será possível. O teu pai está neste momento dentro do seu mundo de sonho. Só se sai de lá, quando chega a hora da segunda morte.

- Segunda morte? Não, esqueça, não interessa. Eu quero ir ter com ele e, se ele não pode sair, então entro eu lá para dentro.

- Acho que não percebeste. Se entrasses lá, só sairias quando morresses. Não posso deixar que tal aconteça.

- Então eu não vou nesta missão. – Disse a rapariga de braços cruzados.

- Está bem! – Declarou ele, quase a irritar-se. – Fazemos assim. Se tu conseguires defender todas as igrejas com sucesso, faço um milagre e podes ir ter com o teu pai. Por isso, aproxima-te do trono que deves encontrar o terço com o dom, e começamos já a demanda.

- Se tu não queres fazer aquilo que te peço da minha maneira, então eu não faço da tua. Eu decido o meu próprio destino, e não deixarei que me leves de mão até ao meu perecer. Zacarias, vamos às sete igrejas sem o tal terço!

- Eu não permito tal desrespeito pelas minhas ordens! – Gritou Vehulah já furioso.

- Lamento então. – Disse, caminhando em direção à anja. – Dana, leva-me a uma das igrejas. Vamos acabar com isto o mais rápido possível, para não teres que te chatear mais com isto. Sem os meus poderes, poderás ser tu a heroína deste cenário. Terás toda a ação e reconhecimento que mereces na tua vida. – Dana até ficou surpreendida e satisfeita pela oferta, retorquindo:

- Está bem. Viagem até Filadélfia.

- Não se esqueçam de mim! – Exclamou o rapaz correndo e saltando para cima delas, no momento em que se teletransportaram para a Filadélfia.