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CAPÍTULO 38 - NOÁ LINN

O dia estava claro no país dos grandes muros. A cortina vermelha carmesim estava praticamente transparente após ser atravessada pelo brilho solar da manhã. A garota que dormia nem se importava com o sol ao lado de fora ou o horário no qual deveria se levantar.

O silêncio incomum para aquele horário da manhã dava a ela uma impressão de conforto, a qual a fez dormir novamente após despertar pela quarta vez naquela manhã.

"Está tudo tão quieto" — Foi a última coisa que conseguiu pensar antes que caíssem novamente em profundo sono.

Apenas seus pensamentos tinham voz, ela mesma não sabia exatamente como dizer palavras ou expressar aquilo que sentia. Por mais de aparentar o auge de sua adolescência, Linn não sabia exatamente o que fazer para expressar sua natureza às pessoas.

"Essa sensação…"

Linn caiu em seu sono, retornando para lembranças profundas de seu passado. Em seu corpo físico, uma voz grave e vivida disse em seu ouvido:

"Você é mesmo forte, garotinha?!"

• • • • •

— Arr!!

Despertando de repente, Linn voltou a sentir seu corpo físico.

Com olhos arregalados em sensação de confusão, observou tudo ao seu redor, percebendo em sua visão o rosto de Uzur.

"Ele está falando comigo? Porque não consigo o ouvir?"

Linn viu Uzur gesticular em sua boca diversas palavras, porém, nenhuma podia ser ouvida pela garota. Para Linn, Uzur não estava dizendo nada, ou ela realmente não podia o ouvir naquele momento.

Entrando ainda mais em sua própria confusão, ela tentou mover seu corpo, porém, também não teve controle de seu próprio movimento. A única ação gerada por sua tentativa foi uma queda, consequência da ansiedade que seu corpo sentiu após o aviso público de guerra.

Caída juntamente ao chão, Linn não pôde ser segurada por Uzur, o qual não teve reflexos para a impedir de cair.

• • • • •

— Isso é chato.

A pequena pré adolescente Linn estava sentada juntamente a uma mesa branca em meio ao grande prédio de pesquisas do país dos grandes muros.

A guerra que assolou o país e matou sua família já havia acabado, porém, o resultado não ajuda Linn a viver sua vida sem estar presa ao homem que a salvou anos atrás.

— Você sempre diz essas mesmas coisas, acho que precisa aprender mais palavras para seu dicionário pessoal.

O homem de terno e aparência experiente estava sentado a poucos metros de distância. Ele era o homem encarregado de ajudar Linn em todos os momentos após salvar sua vida.

Sua reclamação tinha destino e objetivo. Ele queria ajudar ainda mais a pré adolescente que entrava em seu estado rebelde de aprendizado.

— Você sempre diz as mesmas coisas sobre isso, idiota.

— Me impressiona sua habilidade para aprender aquilo que não presta.

O esforço dele havia sido ignorado pela garota que voltou a fazer seu trabalho sem trocar mais nenhuma palavra ou olhar em direção ao homem do outro lado da sala.

Ele, por sua vez, mantinha seu olhar preocupado direcionado para o rosto da pequena garota, a qual só era grande em tamanho, mas que carregava a mente de uma pequena criança.

— Não se esqueça das minhas dicas quando decidir viver sozinha.

— Ahn?

A fala despretensiosa do homem fez com que a garota deixasse de o provocar com seu silêncio e prestasse atenção naquilo que lhe foi dito.

— Estou dizendo que sei bem sobre suas vontades. Eu não sou seu pai ou seu irmão, porém, eu tive tempo suficiente junto a você que já consigo entender sua mente.

Respirando profundamente, Linn se levantou se sua cadeira atraindo ainda mais a atenção única do Homem.

— Você está certo, sei que me conhece bem e fico feliz por saber disso. Mas, isso não vai mudar minha decisão, na verdade, nada vai.

Andando em passos largos, Linn deixou a sala enquanto terminava sua fala em direção do homem, o qual apenas a observou sair da sala de forma despreocupada.

Soltando todo o ar de seus pulmões em direção a vasta sala vazia, Izar se levantou e caminhou em direção a mesa de Linn.

— Essa garota me dá trabalho em dobro.

Sentando na cadeira em frente a mesa, se esforçou em terminar aquilo que Linn tinha largado em sua mesa.

• • • • •

Deitada sobre o gramado verde ao lado do prédio de pesquisas, Linn respirava controladamente enquanto segurava em sua mão direita o cristal da Defesa.

— O que será que aconteceu com ele?

Cansada de seu treinamento usando o cristal da Defesa, Linn se deitou junto a grama para que pudesse deixar sua mente distante de sua realidade complicada e pudesse pensar nos detalhes que normalmente ficavam de lado.

Naquele momento, seus pensamentos estavam alinhados em seu pai, o qual sabia ter perdido em algum momento, porém, não sabia como, onde ou quando.

— Será que ele morreu naquele mesmo dia?

Presa apenas às notícias e especulações, Linn não poderia saber nada concreto sobre o destino de seu pai. Todos os soldados que sobreviveram ao primeiro ataque invasor, foram mortos durante a segunda guerra civil do país.

— A reconquista.

Levando sua mente para ainda mais distante, Linn se lembrou do momento em que tinha se encontrado com um ser 'místico', alguém que estava além de sua compreensão de realidade e ideia de ser humano físico. Esse que ela pensava era Sora, o homem de cabelos brancos que criou o cristal da Defesa.

Como regra, todos os que tocavam no cristal pela primeira vez, tinham seu encontro imediato com o homem que criou o cristal. O objetivo do encontro é o aprendizado sobre os poderes do cristal, tornando o seu usuário capaz de usá-lo desde o primeiro momento em mãos.

Linn seguiu a regra e em seu primeiro toque no cristal da Defesa foi levada ao encontro do homem.

Isso havia ocorrido cerca de 2 anos antes de seu momento atual. Ela ainda não conseguia falar normalmente e tinha uma mentalidade ainda mais infantil que atualmente.

— Você veio aqui somente para isso? — As palavras do homem de cabelo branco ecoaram novamente na mente da garota, criando imagens reais daquele momento.

— Sim, eu só quero saber do papai.

— Tudo bem, sente-se para podermos conversar.

Estalando os dedos, ele criou um cenário de sala de repouso, colocando um sofá em cada lado do espaço em que estavam.

Sentando em um dos sofás, incentivou para que a garota se sentasse no outro.

— Me desculpe não ser exatamente o que você espera, porém, eu não sei sobre o seu pai. Faz muitos anos que recebo uma quantidade incalculável de usuários do cristal mortos, os quais nem sei mais sobre sua causa.

Respirando profundamente, o homem de cabelo branco alterou o cenário à volta dos sofás, mostrando para Linn uma imagem do mundo real durante o período de uma das guerras civis.

— Esse período é a guerra da reconquista. Nesse período todos os que foram derrotados pelos invasores se rebelaram para tomar o trono de volta para eles. Talvez esse seja o período da morte de seu pai.

Parado no sofá enquanto via o banho de sangue ao seu redor, Linn arregalou seus olhos, perdendo totalmente sua mente. Ela não podia prestar mais atenção no que o homem lhe dizia, sua mente havia desligado para todo o resto.

Lágrimas desceram do rosto da garota, trazendo para o homem de cabelo branco um sentimento de culpa.

— Me desculpe por isso. Não tomarei seu tempo aqui.

Mudando toda a realidade ao redor de si mesmo, Sora andou em direção a garota que estava sentada do outro lado da praça que era projetada como uma sala.

Tocando a testa da garota, a fez perder sua consciência, sendo transportada diretamente para fora daquela realidade.

— Esse é mais um dos casos que me farão culpado por toda a eternidade…

O olhar distante do homem se fundiu a luz branca que surgia de trás de sua silhueta, o fazendo sumir totalmente da visão dela.

Por mais de estar acordada e poder visualizar tudo, Linn não conseguia ouvir de forma clara ou criar pensamento sobre o que via ou ouvia. Era como uma hipnose que tomava sua mente por completo.

Logo, a luz branca tomou todo o espaço de sua visão, a fazendo parar de ver.

— Esse período de guerra foi durante minha tortura? Eu não faço ideia de como o tempo funciona nesse lugar!

Apertando seus olhos cansados, Linn saiu de sua lembrança profunda e voltou a pensar em sua realidade atual.

Acima de sua cabeça, o sol já deixava o ambiente. Isso significava que o dia estava acabando.

— Uau, eu passei toda a tarde treinando.

Percebendo a luz laranja claro que o sol produziu, Linn sorriu. Ela estava feliz com seu esforço e resultados. Faltavam poucos passos para que ela finalmente pudesse sair da guarda de Izar e viver sozinha sem o julgamento que havia sobre o desconhecimento de sua origem.

— …

Perdendo seus pensamentos outra vez por um breve momento, pensou sobre sua liberdade e a forma como lidaria com ela.

Por seu avanço e esforço recente, era possível para ela perceber que seus passos estavam cada vez mais largos em direção a seu objetivo, o que significava o retorno do preconceito que havia sobre sua identidade e origem.

— Será que eles vão gritar comigo daquela forma quando eu estiver sozinha?

"Você não sabe nem mesmo de onde essa garota veio, porque insiste tanto nessa inútil?"

"Ela é uma muda incompetente e isso nunca mudará!"

"Se não a fizer ser produtiva aqui, você está fora!"

"Não sabemos a linhagem dessa inútil e mesmo se for como as especulações, ela só nos traria maldição. A realeza acabou, quem lidera agora é o mais forte do país!"

De repente, diversas frases de tortuta vieram de volta para a mente de Linn. Ela não estava diretamente presente em nenhum dos momentos, porém, os ouviu em alto som.

A pessoa que havia ouvido tudo de forma direta e combatido com fervor era o homem a que agora considerava Linn como filha.

"Vocês todos acham que podem falar o que quiser dela apenas por que ela não argumenta contra, mas eu posso. Calem a boca sobre o presente ou passado dela, isso não importa para vocês, vocês não tem direito de julgá-la porque decidiram ser negligentes em cuidar!"

"Se querem dar suas opiniões vazias e invejosas, não façam isso perto dela ou de mim. Não façam mal a ela se quiserem viver por muito tempo."

Essas foram as formas na qual ele a defendeu. Isso foi algo que ela também pode ouvir juntamente com as falas ruins. Por mais de não as entender totalmente, Linn sabia que o discurso dele era em sua defesa. Ele a amava e ela podia entender isso e sentir isso

Seu atual medo que pairava em sua mente relacionava seu futuro à falta do homem que lhe protegia. O que ela poderia falar em resposta às acusações durante a falta dele.

— Não sei se quero viver essa fase sem ele…

"Não se esqueça das minhas dicas quando decidir viver sozinha."

Em sua mente, Linn lembrou do rosto de seu pai e o comparou ao rosto do homem que lhe cuidava atualmente.

— Ele foi gentil, mas eu não pude retribuir no mesmo momento…

Sorrindo enquanto via a luz laranja sumir no horizonte, Linn se levantou e seguiu correndo em direção a entrada do prédio de pesquisa.

— Antes tarde do que nunca!

Ela estava determinada a agradecer a ele por tudo. Durante seu momento de pensamentos confusos e aglomerados ela tinha percebido essa necessidade.

Sua corrida estava indo além das expectativas, todo o seu treino estava tendo resultados físicos notáveis, algo que a fez sorrir ainda mais, porém…

— Ouvi você falar sobre a reconquista e me identifiquei.

— Ahn?

Linn parou de correr e principalmente de sorrir. A frente dela e da porta para entrar no prédio de pesquisas estava o homem que tanto lhe havia feito mal durante a infância. Por mais do passar do tempo, seu rosto nunca seria esquecido por Linn.

O homem, que agora estava praticamente desfigurado por completo, carregava em suas duas mãos uma corda de ferro pesada e comprida a qual tinha a experiência de anos de uso. Ele havia sobrevivido ao período de reconquista e agora pretendia se vingar.

— Está na hora de reconquistar o que era meu.

Sorrindo de forma assombrosa, mostrou seus dentes amarelados, os quais fizeram Linn recuar imediatamente.

Não havia outro caminho naquele momento, ela teria que encarar seu trauma de forma literal.