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Capítulo 10

O touro arrastava a grande carroça de Nasor sem demonstrar o menor cansaço ou dificuldade. Vez ou outra balançava o rabo para espantar os mosquitos e moscas que insistiam em aparecer. Ambos os animais tinham seus chifres raspados nas pontas.

Usando somente as rédeas, o mercador conduzia o carro por uma estrada de terra. A cidade desaparecera havia muito tempo e eles ficaram completamente à mercê de um deserto.

Gabriel descera da poltrona e caminhava junto ao animal que mascava uma bola de grama a qual o rapaz não sabia de onde ele tinha tirado. Procurou alguma folha para mastigar, mas teve sua busca infrutífera, só havia areia.

— Eles guardam no estômago – falou Nasor.

— Oi?

— A grama que está comendo. – Riu vendo a cara de nojo do outro. – Bem, não posso afirmar isso, mas minha avó sempre me disse que o gado guarda grama no estômago e então a vomita para mastigar novamente.

— Deixa disso, não vai me enrolar com esse papinho de vendedor – retrucou Gabriel, mas ficou com a dúvida plantada em sua mente. – Sua avó também era de caravanas?

Nasor pegou um pano em seu bolso da frente e enxugou o rosto que brilhava de suor, sacudindo o tecido para espantar os pernilongos.

— Sim, nasci em uma carroça e provavelmente vou ter meu fim em uma também, e você?

— Órfão desde muito pequeno.

Com um novo abanar, Nasor percebeu mesmo que inconscientemente o que perguntou. Era de conhecimento popular que as crianças recrutadas para serem Corvos, na maioria dos casos, não tinham pais ou ninguém que cuidasse ou se importasse com elas. Recrutar não seria a palavra certa, mas, sim, obrigar.

— Desculpe por isso.

— Imagina – respondeu indiferente enquanto colocava a mão no dorso do animal, sentindo a respiração dele.

Nasor pegando um frasco de ferro que guardava embaixo do assento, o abriu tomando um longo gole e sentiu suas bochechas ficarem mais quentes do que já estavam.

— Quer? – perguntou para o rapaz.

Gabriel aquiesceu e sem nenhuma dificuldade, pulou de volta à sua poltrona, levando a garrafa à boca quase tossindo com o forte gosto de álcool.

— O que é? – indagou, passando o frasco de volta a Nasor.

— Uma bebida feita à base de mel, os Antigos chamaram de hidromel. É nossa mercadoria mais popular.

Com mais um gole, o vendedor passou mais uma vez ao rapaz que não recusou. Uma brisa fez as areias voarem em todas as direções, fazendo o animal refogar irritado.

— Essa não é uma vida ruim – falou Gabriel.

— Realmente não é, garoto.

— Deve haver os problemas com bandidos e outros, certo? Mas mesmo assim, me parece ser boa essa liberdade.

— Claro que temos problemas, mas ter Corvos juntos espanta bastante esses tipinhos.

Gritos e conversas das carroças que viam em seguida se perderam na imensidão do deserto. Crianças brincavam pelas carroças com uma bola de tecido improvisada.

— Gabriel, você é um pouco diferente dos Corvos que conheci até hoje.

— No bom ou mau sentido?

— Com certeza bom, só por falar comigo normalmente já é algo que poucos fizeram antes. – Pensou em perguntar sobre o que iriam fazer no Oásis, mas resolveu não se envolver. Nunca se envolver com os outros era uma ótima forma de não morrer.

— Estou com a barriga cheia de hidromel, conversar é bom pra tirar pensamentos indesejados. – Com um último gole, pulou novamente para fora do veículo. – Vou ver os outros.

Sem esperar por uma resposta, Gabriel andou em direção contrária a qual os carros iam e passou por um que estava amontoado por peles de animais e grandes jarros com tinta. Uma mulher mais nova que ele, conduzia os animais à frente e o cumprimentou com um balançar de cabeça que Gabriel retribuiu.

A bola veio em direção ao seu peito e ele desviou fazendo o brinquedo cair no deserto, não indo muito longe por causa da areia. Um dos garotos passou por ele irritado.

— O próximo que vai buscar não sou eu! – gritou para os outros com sua voz infantil. – Já é a terceira vez.

Naomi andava mais para o meio do comboio junto de Livya, Michel e a Corva Nahara que pelo modo de agir, prestava atenção a tudo, esperta para que nada acontecesse. Mas Gabriel não conseguiu ver Ana.

Pela linguagem corporal do grupo, a conversa rendia. Livya sorria de um para o outro. Gabriel gritou para eles:

— Cadê a Ana?

— No último carro! – gritou de volta Nahara.

Passou batido por eles vendo as famílias que compunham a longa fila que era o comboio. Contou dezessete carroças no total, todas abarrotadas de produtos.

Um assovio chamou a atenção do rapaz. Viu o último carro que transportava em sua traseira carne seca com sal grosso, ali estava a garota, olhando para a imensidão do deserto enquanto balançava os pés de um lado ao outro.

Ela não percebeu a aproximação de Gabriel até que ele estivesse ao seu lado. Ela levou um susto e levou a mão ao revólver, por instinto.

— Opa! – exclamou Gabriel. – Calma, sou eu.

— O que veio fazer aqui? – retrucou irritada enquanto tirava a mão da empunhadura da arma.

— Vim ver por que está emburrada.

— Por que não cuida da sua vida?

— Mas você é minha vida. – Vendo o olhar de nojo que a garota fez, Gabriel não aguentou segurar e gargalhou com vontade. – Na verdade, só achei estranho que estivesse sozinha.

Ana se encostou na madeira às suas costas e voltou a balançar os pés.

— Cometi um erro na última missão, por isso estou sendo castigada em uma missão de transporte.

Gabriel entendia de castigos e compreendeu a irritação dela. Para comitivas comuns, Corvos iniciantes faziam as viagens, agora para aquela que havia coisas vitais à sociedade, os veteranos eram mandados.

— Já fiz muitas destas viagens, pelo mesmo motivo que o seu – falou Gabriel.

— E sua parceira?

— Oi?

— Ela não ficou com raiva de você por metê-la nisso?

— É por isso que está com essa cara? Não com a missão e, sim, com você mesma por se meter nisso? – Vendo que acertou na ferida, continuou: – Fique calma, a Naomi nunca reclamou, na verdade, era até gostoso. Agora, sua parceira irá ficar irritada se continuar com a cara fechada desse jeito.

Ana finalmente se endireitou, era como se algo tivesse saído dos seus olhos. Olhou para o colega e pela primeira vez desde que a viagem começou, esboçou um sorriso.

— Obrigada. – Deu um soquinho amigável no ombro do outro. – Você é legal.

Mas algo no horizonte chamou a atenção da dupla que parou no mesmo momento. Duas figuras vestindo mantos que tapavam o corpo todo, montados em hienas do tamanho de um cavalo os olhavam.

Gabriel soube o que era. Os nômades. Grupos de pessoas que viviam fora das cidades, e diferente das comunidades como o Oásis que tinha a própria lei, estes, por sua vez, eram pessoas movidas pelo caos, muitas vezes saqueadores e assassinos de aluguel.

Ana pulou do assento no mesmo momento encarando-os de volta. Suor escorria pelas costas dela. Gabriel, mais calmo, pulou logo em seguida ficando ao lado da garota.

— Bandidos – falou Ana.

— Provavelmente.

— Vamos dar um fim neles?

— Na verdade, lembra do que eu te disse sobre os meus castigos? Então, aprendi um meio de lidar com isso sem precisar derramar sangue.

Pegando a Magnum presa na cintura, o rapaz mirou ao céu puxando o gatilho uma vez. O som de tiro fez com que todos os outros se silenciassem por um momento.

Os bandidos partiram desesperados pelo deserto, sumindo nas dunas.

— Agora vem a parte chata – resmungou para Ana.

Passos desesperados de pessoas romperam por toda a fila de carros. Mulheres gritavam pelos filhos que corriam chorando em direção às suas mães. Não demorou para que o resto dos Corvos surgissem armados perto da dupla.

— O que houve? – quis saber Naomi empunhando sua katana.

— Alguns bandidos. – Sacudiu os braços com indiferença. – Espantei eles, apenas.

Nasor chegou pálido junto a outros homens da caravana. Seguravam pedaços de ferro.

— Viu o que eu te disse – sussurrou para Ana. – Eu me meto em situações ruins o tempo todo.