Uma estátua com uma espada foi vista próxima a uma porta enorme. Nott, ao olhá-la, parou. Ele reconheceu de relance somente pela posição que está a estátua, bem como o símbolo feito no cabo. Era o Deus dos Cavaleiros, da Honra, do Orgulho e da Batalha. Aquele a quem todos os cavaleiros louvam como seu senhor e seguem, além de ter uma alta posição em sua crença, apenas abaixo dos três divinos do império. Arthorius.
A estátua era grande, do mesmo tamanho que a de Zéfira, vestindo uma armadura de cavaleiro e a espada, sem nenhum capacete. Pela figura, era possível ver seus cabelos até os ombros, seus olhos fechados e uma expressão firme e resoluta. Ele estava demonstrando comprometimento com as duas mãos no cabo e uma solidez que passava confiança.
Sua lenda era conhecida por todos os que querem ser cavaleiros ou que seguem o caminho da espada.
De origem plebeia, ele era apenas um órfão que andava pelas ruas e era desconhecido para todos, até que ajudou um nobre salvando sua vida. Ele foi retribuído se tornando um aprendiz de cavaleiro, onde começou a aprender e conhecer seu talento com a espada. Depois, guerras e inúmeras batalhas aconteceram em seu mundo, lutando contra humanos, elfos, demônios, voltando vencedor e com suas conquistas sendo espalhadas pelos quatro cantos de seu reino. No entanto, para ser um ídolo dos cavaleiros é preciso ser o símbolo que representa seus princípios, e ele o cumpriu. Lealdade praticamente estava impresso em seus ossos, pois sempre protegeu seu senhor, o filho do nobre que ajudou, e foi tanto sua espada quanto seu escudo.
De acordo com a lenda, após a morte daquele a quem serve, ele sumiu no mundo. Não se fazia ideia para onde foi ou se estava vivo.
Nott ajoelhou-se e colocou a espada à sua frente, segurando-a com a ponta para o chão. Era um gesto conhecido por eles para prestar respeito a seus veteranos, era a mais alta expressão que um cavaleiro poderia fazer. Ele não falou nada, apenas ficou assim por pouco tempo antes de se levantar e olhar para a estátua novamente.
"Quem é?" James perguntou para o sacerdote que os guiava. "Tudo bem ele fazer isso?"
"Arthorius, o Deus dos Cavaleiros." Respondeu ele. "Normalmente os cavaleiros que vêm ao templo fazem isso para a estátua.
"Oh…"
James conhecia tal deus. Por causa de seu nascimento nobre, fazia parte de sua educação ter conhecimento sobre os principais deuses que influenciam o império, bem como suas histórias e conquistas. Ele só não reconheceu, como Nott, mas sabia que Arthorius era um guia para quem persegue a honra, a lealdade e o cavalheirismo.
Embora não tenha uma forte sensação como Nott, ele ainda tinha um certo respeito por aquele a quem chamam de Deus dos Cavaleiros, embora fosse um mago.
"Quer saber um fato curioso?" Indagou o sacerdote para a dupla ao lado.
"Huh? Claro." James disse, os olhos grandes focados nos de mel do sacerdote.
O sacerdote sorriu para ele. "Há uma teoria que o senhor, na lenda de Arthorius, não era somente seu mestre, mas também seu amante. Há alguns parágrafos na história que dão a entender isso, como a parte "E ao chegar no domínio do salvado, ele conhece seu destino, o qual era deslumbrante como um raio de sol", e na parte "Com devoção, ele olhou para o mestre. Sua espada abaixada e ajoelhado. Tudo dele era dele". Mas talvez quem escreveu não queria deixar muito óbvio. Até combina com sua lenda e jornada. Um cavaleiro que apaixonou-se por seu mestre, mas ainda não abandonou seu dever, parece algo que poderia acontecer." O sacerdote disse, sorrindo para Nott. "Não é interessante?"
"Sim." James assentiu. Ele tinha curiosidade para saber se era verdade, mas sabia que não havia como confirmar.
Brandon ouviu isso e achou um pouco irônico no atual império. O Deus dos Cavaleiros, aquele a quem é muito reverenciado por muitos, principalmente cavaleiros – em sua maioria nobres –, possui um amante do mesmo sexo, o que não é bem-visto na sociedade aristocrática. Como eles se sentiriam se a teoria fosse verdadeira? Ele gostaria de saber.
"Muito." Brandon disse com a visão no deus.
"Vamos?" Perguntou, já andando em direção ao salão principal.
"Nott! Vamos." James falou alto, atraindo a atenção do cavaleiro.
O homem de cabelos castanhos guardou a espada e rapidamente seguiu o jovem mestre e seu amigo, atrás do sacerdote. Ele deu uma última olhada para a estátua do Deus com uma admiração em seus olhos, antes de seguir em frente.
Uma porta de pedra maciça, diferente de todas as de madeira que vieram antes dela, tinha mais de dois metros de altura e havia figuras esculpidas que representavam algo. Eram deuses, isso Brandon sabia. Um tigre em cima de nuvens acompanhado de raios; uma serpente-marinha no oceano e, por fim, um lobo no pico de um penhasco com floresta. Todos os três estavam em posições proporcionalmente opostas, com uma bola no centro da porta, mas partida em duas.
O salão principal foi aberto pelo sacerdote de maneira simples, com o empurrar de suas mãos, dando a impressão que era super forte, por causa do material e estrutura da porta.
"Ooooh, isso não é pesado, Sr. Sacerdote?" James perguntou impressionado. O sacerdote riu.
"Não, a porta contém o feitiço 'Leveza'."
Com o empurrão, o interior foi revelado para eles.
De piso branco, a sala se estendia por vários metros em uma forma quadrada bem espaçosa. Havia lustres presos no teto, bem como uma grande pintura circular com diversas imagens separadas por segmentos. Os vitrais que eram vistos no corredor cresceram em tamanho, tendo quase o tamanho da parede, e seus desenhos ficaram mais ricos e bem trabalhados, limpos e brilhantes. Haviam fileiras de cadeiras e uma passagem até o altar, que subia alguns centímetros para ver o fim.
O espaço era enorme, poderia conter um grande grupo de pessoas, e isso era visto em eventos oficiais e religiosos. Elegante, nobre e sagrado, todo o espaço passava uma sensação de paz. Além de bandeiras penduradas no teto, tinha estátuas em três cantos do altar, o tigre, a serpente e o lobo, os quais estavam gravados na porta. Eram os três patronos de Lucan e os principais deuses do império.
O maior objeto da sala, o símbolo de Lucan, a estrela Trian.
A estrela estava na parede, atrás do altar. Seu símbolo tão grande podia ser visto no final da sala e ainda seria bem visto. Ela servia como guia, como uma luz, como uma esperança para aqueles que estão desesperados. Todos viam aquela estrela como representante da luz que desceu dos céus nos tempos antigos.
"Esse, senhores, é o salão principal." O sacerdote disse, admirado. Havia um tom orgulhoso em sua voz, igual quando o templo foi elogiado.
Nenhum dos três disse nada, porque estavam observando cuidadosamente cada parte da sala. Eles não eram os únicos ali, havia mais algumas pessoas transitando, rezando, admirando, sendo sua maioria sacerdotes e padres do templo.
Brandon elevou a cabeça e viu a pintura no teto. Toda a pintura tinha um formato circular, começando com locais em pleno escuro, com fogo, lutas e tristeza, sendo retratado de diversas maneiras, mas em suma o preto arroxeado definia a escuridão que rodeava tudo. Ele sabia o que era aquilo ali, todos no império tinham ideia do que tal pintura representava.
A história de Lucan.
A história era tão antiga que sua origem falava sobre tempos longínquos e que quase não se tem registro, somente histórias orais e algumas escrituras, e poderiam ser considerados quase fantasiosas se não fossem por outros países, com suas religiões, terem uma semelhança entre as origens.
Nos tempos em que não se tem registro, uma escuridão que não se sabia sua origem, seu propósito e nem como se espalhou, dominava o mundo. Todos os lugares possuíam sombras, escuridão, mesmo o Sol não brilhava na terra e para os seres vivos. Junto com tal escuridão, vinha os sentimentos de sobrevivência por parte de todas as raças. Não havia amizade, companheirismo, era cada um por si.
Lutas, guerras e tristeza profunda eram tão comuns na época que podia-se ver a cada esquina.
Então, houve luz, o primeiro milagre. Uma bola de luz desceu dos céus para o chão, cortando a escuridão e afastando-a para que todos a vissem. O medo que permeia os sobreviventes continuou, pela origem desconhecida do objeto que afasta a escuridão. Muitos pensavam que seria o fim.
No entanto, como se fosse para provar o contrário, o céu onde a bola caiu começou a clarear. A luz do sol permeou a escuridão dos céus e atingiu a terra. Era visto no buraco que havia nas nuvens escuras o céu azul lindo que não era visto a muito tempo.
Logo, veio o segundo milagre.
Seres por todo o mundo desceram do céu, tão rápidos quanto a bola de luz, e afastaram a escuridão com um simples levantar das mãos. Suas aparências eram lindas, mas sua força era tão intensa quanto sua beleza. Eles eram diferentes em forma, altura e até raças.
Eram os deuses.
Tais seres apareceram trazendo esperança para todos aqueles rodeados pela escuridão. Apenas sua presença foi o suficiente para se ter crença e desenvolver a fé neles. A salvação estava próxima para eles, o fim próximo e a paz duradoura com a luz.
E, por fim, o terceiro milagre. O surgimento daqueles abençoados e escolhidos pelos próprios deuses. Divididos em dois grupos, o primeiro eram os que puderam usar o poder divino, contribuindo com sua fé e crença e transmitindo as palavras e sua existência para os outros, e o segundo, os escolhidos, eram os Celestias, aqueles que puderam usar seus poderes em forma quase-puras. Muito se acredita que eles eram os próprios filhos dos deuses que vieram ao plano mortal.
Com o terceiro milagre, veio o fim da escuridão e a luz perseverou. O fim da Era das Trevas.
A pintura do teto representava todas as fases e milagres, e o pintor havia se esforçado muito, pois todas as imagens eram bem trabalhadas e transmitiam a mensagem diretamente. Era um dos mais belos tesouros do império, sendo muitas vezes retratados e referenciado em obras, principalmente em pinturas, que chegavam às casas dos nobres.
"No teto, está a pintura de Gregori, "Os Tempos Antigos", que conta o mito da Era das Trevas, desde antes dos deuses aparecerem quanto depois." O sacerdote começou a explicar, vendo Brandon olhar para a pintura. "Ela foi feita há duzentos anos e é muitas vezes usada como estudo para os amantes da arte pela estética."
"O salão principal é principalmente usado para eventos oficiais, tanto do império quanto da religião, e orações do bispo para os sacerdotes do templo, mas para as missas são usadas salas menores que essa com diversos padres de diferentes deuses." O sacerdote circulou pela sala, mostrando, apontando e conversando com o trio. "Geralmente, quem vem aqui é quem quer se sentir mais próximo dos três patronos, Shew, Cyr e Opaz. Shew, como vocês sabem, é o Deus dos Céus, representado pelo tigre; Cyr é a Deusa dos Oceanos; e, por último, Nox, o Deus das Terras."
Ele apontou para cada uma das estátuas que estavam no canto do altar. Um tigre com nuvens aos pés e raios em seus bigodes, Shew. Uma serpente grande e que parecia olhar para sua presa, Cyr. E um lobo tão grande e feroz que os dentes eram do tamanho de um dedo, Nox. Todos os três eram conhecidos como os patronos da religião Lucan.
"Foram eles que apareceram na terra que hoje é o império, por isso sua história é recontada e eles têm muita influência em Yulard. O que é diferente em outros países que tiveram outros deuses naquelas terras." Disse o sacerdote. "Também há três casas que fazem referência aos patronos, porque seus fundadores foram os primeiros Celestias escolhidos pelos deuses. Um deles é a família imperial com Shew em seu brasão. A outra é a família do Grão-Duque Noir, com Nox. E a última é a família Syzen, que fica na costa do império."
Com o término da fala, em frente à estátua de Nox, o sacerdote de cabelos castanhos virou-se para o trio que estava vendo a figura de Deus e depois com a visão sobre si. O mesmo ficou um pouco envergonhado dos três pares de olhos nele.
"Acho que me empolguei contando para vocês sobre o templo. Vocês ficaram entediados? Eu costumo fazer isso com as visitas." O sacerdote perguntou, coçando a cabeça.
"Não." James negou e Nott balançou a cabeça, sorrindo.
"Nós agradecemos por nos ceder seu tempo para mostrar o templo e o salão principal." Brandon falou, curvando-se em agradecimento. O sacerdote corou um pouco com tal gesto.
"Não precisa disso. Fico feliz que vocês tenham gostado. Alguns ficam entediados e outros não gostam de quando falo das teorias." Disse o homem de manto. "Acho que vocês já vão? Está no meio da tarde e ainda tenho tarefas a fazer. Vocês podem ficar e andar pelo templo se quiserem."
"Tudo bem, nós vamos também." Brandon falou educadamente. "Se possível, pode nos levar para o portão?"
"É claro." O sacerdote sorriu.
James encarou Brandon e aceitou. Eles tinham que ir para casa ainda, mesmo estando no meio da tarde. Estavam fora desde cedo, não queria preocupar seus pais, e suas pernas estavam um pouco cansadas de tanto andar. Não estava acostumado a isso, até sentia que poderia criar um calo se continuasse, mas isso poderia ser resolvido com magia.
O passeio do dia foi produtivo. Embora não tivesse que ser feito tudo no mesmo dia, James não sabia se poderia sair ou teria tempo livre novamente. Por isso, teve que fazer tudo no mesmo dia, apesar de que queria subir nos ombros de Nott e ser carregado.
A ida ao templo foi boa para James e Nott, pois um soube coisas interessantes e um conhecimento a mais, enquanto o outro viu a estátua de seu Deus na sua frente, honrando sua profissão de cavaleiro. Para Brandon, foi esclarecedora. Ele não tinha muitas ideias sobre os deuses, além do que foi visto nas aulas de Phillip e de James, mas foi bom. Também deu um pouco para ele pensar.
E um pouco de sua ansiedade foi abaixada, uma que ninguém sabe nada.