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O FIM DE UM CICLO

Ano 1444 da Terceira Grande Era – Reino de WaterHill;

O sol começava a desaparecer pelo horizonte. O tom alaranjado predominava sobre as nuvens e se refletia por todo o mar. A praia ao leste de WaterHill era único lugar onde Vitória se sentia longe de todos os seus deveres, preocupações e renomes. Seus olhos estavam imersos na serenidade das ondas, todavia o mar estava diferente naquele dia.

Toda a emoção de apreciar a paisagem era ainda mais forte quando lembrava que aquela provavelmente seria a última vez.

Arrependimento, dor, angústia, insegurança. Um governante precisa carregar essas emoções até seu último suspiro. Precisa caminhar de mãos dadas com o desastre somente para manter sua lucidez.

Mas o que acontece quando nem isso sobra?

O que acontece quando o mal predomina?

O que acontece quando...

Você não fez o suficiente?

— Eu espero estar errada, Senhor Nass, mas acho que ele está falando comigo. — Vitória afirma. Seus olhos não saíam do lugar, continuavam imersos naquela bela paisagem.

— Não há como errar nisso, Alteza. Eu também sinto ele nos alertando. — Nass, o ancião do reino que auxiliou Vitória em toda sua jornada como rainha, se levanta da areia com uma certa dificuldade, devido as limitações do seu corpo frágil. — Quando o mar está inquieto dessa maneira, mesmo sem sinal de vento ou alguma anormalidade, é porque algo está por vir. — Finaliza com a voz falha, então dá meia volta e começa a caminhar em direção ao reino, que não estava muito longe.

— Ei, Senhor Nass. — Ela o chama atenção ainda sem se mover. O ancião para de caminhar para ouvi-la, mas também não se vira.

— Diga, Alteza.

— Acha que fui uma boa rainha? Acha que tomei as decisões certas? — Vitória pergunta, dessa vez cedendo e virando de uma vez em direção a ele. Ela se esforçava o máximo possível para que as lágrimas não caíssem.

— Não existem decisões certas ou erradas; existem consequências. Cabe a você escolher as consequências que prefere enfrentar. — Ele também se vira. — Você acredita que essa era a consequência mais cabível para a situação? — Nass questiona sem nenhum julgamento.

Vitória não consegue o encarar, ela apenas olha para a areia da praia em uma expressão de angústia.

— Foi uma honra acompanhar seu crescimento, Alteza. Respeito e admiro tudo o que fez por nós. — Em seus lábios escondidos pelo longo bigode, surge um sorriso. — Acredito que você manteve sua força acima de tudo.

— Obrigado por sempre estar comigo, Senhor Nass. — Ela também sorri para ele. As lágrimas de tristeza e felicidade se misturavam por suas bochechas.

Já ao anoitecer, eles caminharam juntos pelo enorme campo e pelo denso pântano até finalmente entrarem no interior do reino. Os civis carinhosamente cumprimentavam a rainha e o ancião com sorrisos e acenos. As luzes dos postes a base de óleo eram ligadas pelos guardas com longas tochas. Homens e mulheres guardavam a colheita do dia em barris e se preparavam para descansar após o longo dia de trabalho.

— Está tudo tão calmo. — Vitória expressa em um sorriso inocente. — Eu amava passear pelo reino durante a noite quando era criança.

— Você fugia para fazer isso. Sabia muito bem que era proibido sair de seu treinamento mas mesmo assim sempre o fazia. — Nass responde em gargalhadas.

— Isso me faz lembrar que antes eu não queria ser a rainha. — Ela também solta algumas risadas.

— Diria que é o primeiro passo para se tornar uma, Alteza. — Nass então para de caminhar. — Eu ficarei por aqui. Preciso proteger a entrada do reino. — Afirma em uma expressão totalmente contrária do último segundo.

Vitória pensa em tentar convence-lo, mas conhecia o ancião o suficiente para saber que nada o faria mudar de ideia, então apenas concordou com a cabeça, mesmo sua mente a implorando para hesitar.

— Eu não vou fugir dessa vez, Senhor Nass. — Se despediu dele com um olhar de convicção.

O ancião presencia a sua aluna desaparecer em meio ao horizonte. Naquele instante, tudo o que Nass podia pensar era nos bons momentos que passou com sua pupila; preso em sua própria nostalgia, viu a rainha ficando mais jovem a cada passo, até que Vitória desapareceu em meio a densa neblina.

"Código três! Todos os guardas, código três!" Gritos com essa frase podiam ser ouvidos por todas as ruas do reino. Guardas corriam para espalhar a ordem da rainha. Vários homens saíam de suas casas desesperados a fim de obedecer ao chamado.

— Código três? Esse é o código para juntar todos os guardas no castelo. O que está acontecendo? — Se perguntam soldados que estavam em sua ronda noturna. Mesmo sem entender, todos os que receberam a notícia apareceram imediatamente no castelo sem questionar. A rainha os aguardava de mãos para trás, enquanto os guardas criavam filas horizontais para escutar a proclamação.

— Hoje será seu último dia de vida, soldados. — Ela afirma quase abaixando a cabeça, mas a ergue novamente. Todos se olham confusos, tentando entender o que ela quis dizer. Conversas mútuas logo se tornam questionamentos diretos à Vitória. — Ele é real, e está vindo.

O barulho cessou. O choque em resposta ao que Vitória disse era claro na expressão dos soldados. Alguns dos homens perdem a capacidade se manterem de pé.

— Precisamos proteger o máximo de civis possíveis. Sejam seus escudos! — Ela grita para todos, fazendo com que a maioria se recobre. — Se sacrifiquem por eles! Vivam por eles!

— Sim! — Todos os soldados do reino gritam em conjunto.

— Em algumas horas o ataque irá começar, então peço que se posicionem o mais rápido possível! — Vitória aponta para as muralhas de WaterHill. — Equipe defensiva, se espalhem pela borda do reino e invoquem toda a proteção que conseguirem, pois não sabemos de onde o inimigo virá! — E então aponta para os soldados. — Equipe de ataque, foquem em proteger os civis a qualquer custo! — Finalmente descansa o seu braço. — E por fim, a equipe de inteligência irá gerenciar todo o processo de defesa do reino! — Todos concordam com a cabeça. Mesmo tentando esconder, os guardas demonstravam o puro medo em seus olhos, aquilo partia o coração da rainha no meio. Saber que a morte estava próxima e que mesmo assim deveria continuar era um sentimento que somente ela queria carregar.

Segundos se passaram até que todos sumissem dali e fossem direto para seus locais anteriormente posicionados. Ninguém conseguia sequer conversar ou pensar em outra coisa. Não havia como não acreditar naquilo, mas também acreditar não era uma decisão sã. O paradoxo do desespero rapidamente atingiu os homens de coração mais fraco.

O frio daquela noite predomina sobre a pele de todos os moradores do reino. Nem o mais agasalhado conseguiu escapar. Horas depois, a sensação de que uma tempestade se aproximava veio à tona para cada cidadão de WaterHill. Não importa o quão corajoso fosse o homem, o medo lhe dominava por completo.

O desespero descontrolado beirava sobre seus corações. Uma energia infernal; uma angustia inexplicável, como a morte de um parente próximo; o puro contrário da pureza, esperança e amor se aproximou lentamente daquele lugar cheio de vida.

Ele procurou se saciar de cada energia vital, de cada milímetro de medo racional ou irracional, e de cada fonte de bondade que ainda restava.

O Mal finalmente começou a pairar sobre estas terras.

Era conhecido por todos, mesmo sem saber seu nome, sua forma, ou sua história. É como se só citá-lo já fosse o suficiente. Os instintos de todos os seres vivos daquele lugar explodiam em alerta, e a aflição os fez saírem de suas casas aterrorizados, mesmo que ainda não houvesse nada acontecendo — pelo menos não visivelmente —. As pessoas pediam perdão de joelhos para os céus, choravam e se jogavam pelas ruas. A inconsciência possuiu a mente até dos mais sensatos.

O horizonte se avermelhou assim como a luz emanada de incêndios ardentes. Era o inferno se movendo em direção à WaterHill. Já era notável, mas ninguém ousava o encarar.

A cada segundo um quilômetro quadrado era devastado; árvores eram lançadas para cima como se não fossem nada, e Ele apenas estava caminhando.

Do alto do castelo Vitória Régia foi a única com coragem o suficiente para encarar o que vinha em sua direção. Mesmo tendo o enfrentado por anos, ela ainda não acreditava. Era irreal, era um mito, uma lenda, um pesadelo.

Mas não dava para negar, realmente aquilo estava acontecendo.

Realmente Goëtia era real.