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Capítulo II - São Preto

«Nova Dallas»•«São Preto»•«José Framergard»•«Flamingos»•«Santa Lianna»•«Don Jonas»•«Jhonsey»

Artur desce do ônibus e ajusta o volume dos fones de ouvido. Sempre aproveita melhor a viagem no ônibus quando ouve alguma música. Seus calçados tocam a calçada artesanalmente ladrilhada em vários desenhos ovais, em intervalos em preto e branco. Olhando em volta, respira fundo enquanto atravessa a rua quando o farol abre. Uma multidão atravessa a faixa com ele. É o lugar mais verde da cidade. Parece mais com um bosque do que a grande metrópole, se não fossem os enormes edifícios que cercam a praça na qual desemboca a grandiosa estação.

Os prédios estão dispostos como enormes dominós cheios de furos brilhantes em seu corpo. É difícil de acreditar que tenha tanta gente acordada em tal horário. São Preto borbulha em vida. Pessoas por todos os lados, como um formigueiro vivo. A movimentação desta metrópole e das demais cidades grandes da linha vermelha sempre fez Artur pensar que tais lugares jamais morriam. Como um aparelho conectado no 220v com a chave no 'on' dia e noite. Talvez um exagero em relação às suas noites mal dormidas, contanto que sempre conseguisse repor em algum horário, nem que fosse em uma noite posterior em cima de sua escrivaninha ou até durante o dia, depois de um almoço em pleno domingo, ou após uma transa com a esposa. Ao contrário dele, São Preto jamais dormia.

A estação é um punhado de arabescos curvos que formam uma abissal estrutura oval parcialmente engolida pela calçada ladrilhada em intervalos de branco, azul e vermelho, que harmonizam vários desenhos artesanais. Esta estação faz grande parte das pessoas se sentirem no exórdio de alguma civilização futurista. Em verdade, talvez não fosse nem a estrutura que passasse tal sensação, mas um conjunto de experiências pelas quais levam todos a conclusão fatídica de que São Preto e Nova Dallas são as cidades mais desenvolvidas da linha vermelha. É claro que cada qual tem sua particularidade, como também ao do turismo, comércio, metrópole, diversão, entre outros âmbitos...

Com a aproximação à estação, os arabescos parecem aumentar 10 vezes o seu tamanho. O ambiente ali dentro é ligeiramente iluminado com lâmpadas que pendem por correntes das vigas curvas no teto. As estruturas em curva lembram as grossas vigas de ferro que constituem a complexa torre Eiffel. Só então pode-se compreender o preenchimento dos espaços entre as vigas curvas, com os vidros azulados.

Há espaço para tudo ali dentro, desde restaurantes, doceria, parquinho de diversões até pequenos brechós e vendedores ambulantes. Mas esse último não é bem-visto na estação, uma vez que não precisam pagar taxa alguma pelo uso do espaço público para comercializar, já que ninguém os encontraria na hora da cobrança. Esse tipo de coisa rendeu muitas matérias, até mesmo para Artur quando repórter. Três anos para cá, a prefeitura da cidade tomou algumas 'medidas protetivas', reforçando vários postos da guarda nacional na praça central. Artur também soube que isso se manteria assim só por algum tempo, depois eles iam relaxar até não haver mais vigilância alguma ali ou, se não, até terem algum outro alarde noutro ponto da cidade que exija alguma ação do governo em relação à segurança. Para Artur, é assim que a máquina da imprensa e elegibilidade funciona.

A multidão se espreme mais e mais até chegar às escadarias. Em uma visão cimeira, aquele amontoado faz um formato de cone desde a entrada da estação até às escadas rolantes e filtra em uma magra coluna sob a escadaria, até o submundo dos metrôs. Enquanto é levado pela escada, Artur percebe a falta da música que estava ouvindo no seu celular. Para ouvidos acostumados com melodias mais clássicas, rock é de uma diferença estupradora aos seus sentidos. Ele pensa em pegar o aparelho do bolso, mas o aperto da multidão e a proximidade da bilheteria fizeram-no mudar sua ideia por alguns instantes. Seus pensamentos fluem num ritmo tão inebriante que se quer consegue prestar atenção nas músicas em andamento desde quando saiu de casa.

Descendo as escadarias para a estação, seguindo pelo tapete emborrachado com geometrias circulares sobressaltadas a dançarem na sola do seu sapato, o jornalista vai até a fila da bilheteria, disposta em cubículos de madeira tingidos de azul e vermelho. Após enfrentar a grande fila, ele é atendido por uma senhora bem gorda, de uniforme um tanto desproporcional ao seu. Não chega a aparentar uma diferença gritante com a estrutura de seu corpo, mas a senhora aparenta prender o ar enquanto separa as passagens. Por um instante, passou pela cabeça do jornalista a ideia daquela senhora tê-lo reconhecido e estar de alguma forma maravilhada com a sua presença... Talvez, mas ainda assim não dá muito crédito a essa possibilidade. No balcão ao lado, uma jovem de cabelos ruivos, olhos claros, um corpo aparentemente esbelto e uniforme perfeitamente cabível ao seu corpo. Não teve como impedir a observação, pois o uniforme da senhora ainda a paira em seus pensamentos.

A jovem ruiva conta algumas notas depois do box, sentada em uma cadeira no balcão ao lado da senhora, fingindo não prestar atenção no homem até que finalmente os dois se olham. Ela sorri, ele retribui. A ruiva volta a atentar para o troco do passageiro ao lado, enquanto a atendente gorda de Artur pigarreia. Seu troco e o bilhete estão no suporte do box de vidro já há algum tempo, mas ele não se constrange.

— Obrigado jovem. — ele sorri em resposta para a senhora, e sai. A ruiva ao lado ri.

Um flerte? Como casado, Artur não acredita possuir uma inclinação para tal. Contudo, o fato de lidar com o público e aparecer na televisão há certos momentos, fê-lo credibilizar a ideia de acumular seguidores, o que seria de suma importância para disseminar opiniões a um público ávido por comentar algo. Pelo menos, se conquistasse um bom número de pessoas num raio de Jhonsey até Nova Dallas, — um sonho promissor, nada mais nada menos que toda a linha vermelha — obteria grandes chances de fazer a manchete do ano; o mistério de Geloema, a cidade fantasma.

"Meu próprio programa de TV."

Artur pega outra fila agora seguindo o fluxo de pessoas em outras filas paralelas até passar pela catraca e somente ao chegar na plataforma de embarque, percebendo que está ouvindo uma música mais a ver com o gosto de Nara do que com o seu.

— 4:40 Rádio Novo Mundo. E agora com vocês, Andra Tavares!

— Bom dia, ouvintes da Novo Mundo. Nada melhor do que começar o dia com um pop-clássico da nossa musa Natie Verris não é mesmo? Pois é, hoje temos recomendação...

Artur desliga o rádio, se dando conta do porquê estranhou o fato de as músicas desconhecidas estarem tocando no celular, era no rádio. Não se lembrava de quando havia ligado quando saiu de casa. Talvez o rádio já estivesse ligado quando colocou os fones nos ouvidos, "ou será que a preocupação com Nara me afetou o juízo?"

Agora desligados, Artur continua com os fones nos ouvidos, apenas por costume. Mais adiante, uma aglomeração de pessoas o faz pensar em uma lata de sardinha por algum motivo. "A plataforma". Enormes tubos de ar serpenteiam a arquitetura do teto acima, num fundo preenchido de vigas como um grandioso tabuleiro de xadrez em 3d.

Um tremor na plataforma o afasta de seus devaneios por uns instantes, anunciando a chegada do metrô. Parte das pessoas se exibem ultrapassando o limite da faixa vermelha próximo à borda da plataforma, talvez para entrar primeiro no metrô ou apenas demonstrar o quão corajosos são por estar tão próximo à chegada da poderosa máquina de atravessar túneis.

Artur se dá conta de que continua com o celular em mãos e guarda no bolso interno do sobretudo, não sem antes dar uma pequena olhadela na tela. Falta um pauzinho para a bateria acabar, constatando só então a proeza de ter deixado o telefone ligado no rádio a noite toda.

"Droga!"

A chegada do metrô presenteia a todos com uma lufada e um cheiro peculiar de serralheria, que Artur reconheceria em qualquer lugar como "cheiro de metrô ou de trem". Imerso em divagações, o tremor para quando o metrô estaciona. O vagão abre a porta e a multidão praticamente o arrasta para dentro.

As pessoas são atingidas pelo frio do ar condicionado ali dentro e Artur vê a frustração estampada no rosto de alguns passageiros. Ri por dentro durante alguns instantes, pois alguns passageiros podiam fazer uma cara tão esquisita que poderia montar um meme, no dizer de Nando. É sempre engraçado ver as reações das pessoas em diferentes situações, principalmente para alguém tão discricionário como o jornalista. Diversas vezes, enquanto esteve noticiando algo, foi pego de surpresa pela vontade quase irresistível de colocar um tempero a mais no meio da notícia sem que ninguém soubesse. Como jornalista, ele entende de certa forma a vontade mais ínfima de todos os sensacionalistas para apimentarem as histórias a fim de arrancar um "Uau" ou um "Oh, Meu Deus!" de qualquer público.

A locomotiva dá seu impulso inicial lembrando Artur de segurar-se nas barras de ferro quando este quase dá de cara com a placa preto e branca, parafusada na lateral do interior do transporte:

Novo Metrô 568 Estadual

Toda vez ele faz isso. Não que realmente esquecesse de se segurar no suporte, mas dentro de si, ele não queria se segurar, e sim mostrar para si que aguentaria o tranco inicial da máquina e que, no entanto, nunca conseguia. É como se o metrô o desafiasse. E Artur Carvalho gosta de desafios, — e por isso os odiava. Desafio implica exigência, mais dúvida, e o problema da dúvida é que ela provém de algum canto falho que ele provavelmente odiaria refletir. Às vezes ele tem até uma ínfima ideia sobre o que se trata, mas prefere ficar calado, afinal de contas, quem seria o louco que apontaria um erro no grande jornalista da emissora Jhonsey? Na certa, geraria algum tipo de alarde. O grande defeito de Artur Carvalho! Não daria uma manchete do ano, mas daria uma. "Mas o que estou pensando? Nada de imaginar besteiras!". Ele aperta os dedos ainda mais forte no apoio de ferro. Afoito, seguindo em frente e mostrando para aquela minhoca de ferro que não sucumbiria a ela.