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A Ameaça Iminente

— Anomalias! Quem pode me dizer o que são as... — Uma leve pausa na voz foi feita ao virar-se e escrever na lousa a palavra seguinte que diria. — Anomalias?!

— Criaturas místicas semi-imortais? — disse uma das alunas que levantou a mão.

— Hum... Está certa; mas falta algo. Alguém mais? — respondeu Nolan Lagerfeld, o professor da Universidade de Stanford, à garota.

— Seres poderosos que perseguem os humanos? — comentou outro aluno em seguida.

— Muito direto em "humanos"; mas há Anomalias que não atacam humanos e algumas que atacam outros seres vivos, então é uma definição um pouco errônea... Anomalias são coisas ou seres que sofreram mutações espontâneas, respondendo à minha pergunta. Basicamente, não deveriam mais pertencer à nossa realidade. — Mesmo que velho, professor Nolan começou a rabiscar o quadro-negro com agilidade a definição que falara à sala cheia de alunos. — O termo "Anomalia" é usado de forma genérica, não especificando nenhuma delas. Já quando ela for catalogada, se chamará "Espécime" e ganhará um código numérico que determinará quem é. Alguém quer chutar quantas já foram catalogadas?

A sala ficou em silêncio.

— Mais de cento e trinta mil Espécimes foram catalogados, espalhados pelo mundo; mas a grande maioria já está contida nas Jaulas e sendo supervisionadas. Para vocês que farão o teste de adesão à Sede americana em duas semanas, é bom revisarem isso para a prova — falou Nolan. — Abram na página cinquenta e seis e revisem o tópico de comportamento, daqui meia hora vou...

O senhor docente que lecionava interrompeu brevemente sua fala quando um dos alunos abriu a porta, entrando na sala atrasado. Mesmo assim, repetiu e continuou o discurso:

— Bom dia, Reid, está atrasado de novo. Abram na página cinquenta e seis e revisem o tópico de comportamento, daqui meia hora vou prosseguir com a aula.

"Desculpe pelo atraso", pensou Reid; mas não dizendo em voz alta, apenas indo a seu lugar e ajeitando suas coisas. Sentando em sua carteira, retirou a mochila do ombro e abriu-a para pegar o caderno.

— Ei... — cochichou sua amiga que sentava ao lado. — Chegou atrasado por quê?

— 'Tava uma confusão hoje cedo, estavam mexendo no encanamento de água da avenida e isso atrasou os ônibus, não tive culpa, Becca.

— Você sabe que todo mundo 'tá ansioso com a prova da Fundação, e essas aulas são boas p'ra gente, se perder alguma matéria, me mande uma mensagem.

— Valeu, Becca. O que ele explicou por enquanto?

— Só fez uma introdução na definição de "Anomalia", nada muito difícil.

— Posso ajudá-los, Reid e Rebecca? — falou professor Nolan aos dois, deixando-os em silêncio e aguardando a leitura dos alunos.

Reid, distante de seus pensamentos enquanto lia, fazia anotações em seu caderno sobre os principais Espécimes citados no livro acadêmico. A Universidade de Stanford era reconhecida pelos diversos cursos sobre Anomalias que preparavam as pessoas para a prova de agentes da Fundação, assim como as demais universidades. Diversos sorteios para vagas em cursos desse tipo foram financiados pela própria Fundação S.E.T.H. para garantir que houvesse abundância de Agentes, resultando em sorteios de vagas em todas as universidades do mundo.

— Classes... de... Anomalias... — falava Nolan enquanto escrevia mais conteúdo na lousa após dar tempo aos jovens daquela sala. — Por que precisamos classificar seres que claramente não fazem parte da nossa realidade? Nem todas as Anomalias são monstros insensíveis que causam destruição por onde passam; mas ainda são seres perigosíssimos...

Levantando a mão, uma novata daquela turma indaga o professor:

— Tem alguma forma de saber só de ver como uma Anomalia pode ser enquadrada?

— Para nosso azar, não. Foi boa sua pergunta, assim podemos lembrá-las agora mesmo. Elas são divididas em quatro classes! Barachiel, a que agrupa Anomalias que são pacíficas aos humanos ou a outros seres vivos, representada pela cor azul... Azazel, como a classe mais abrangente, que comporta Anomalias de comportamento imprevisível e inevitável, representada ora por amarelo, ora por verde... Leliel, definindo Anomalias perigosas e com atitudes caçadoras, definidas pelo vermelho... E, por fim, Zafiel, Anomalias grandes o suficientes para causarem estragos imensos por onde passam. A cor roxa as retrata.

— E como saber quando um Espécime é perigoso se encontrarmos? — perguntou rapidamente outro aluno.

— Decorando. Não há praticamente nenhum padrão entre Espécimes de mesma classe. Querendo ou não, decorar os códigos das Anomalias é a melhor opção. A maioria delas estão registradas e podem ser facilmente presumidas, já que são únicas em essência. Na melhor das hipóteses, torçam para não encontrarem uma tão cedo; mas essa dica seria besteira já que estão aqui pela Fundação...

A aula do professor sênior era conteudista, mesmo que anotasse apenas palavras-chaves, tornando-a cansativa e longa àqueles que estivessem ali em plena manhã de sexta-feira. O clima ameno do outono de setembro deixava a sala abafada com tanta gente reunida, parecendo que cinco horas de aula durassem dias com aquele estudo pesado e denso; mas tudo que começa, nalgum momento tem de acabar.

— Bem, outro belo exemplar de uma Anomalia Barachiel seria o Espécime 8-9-9-4-9, ele atua na região noroeste da Rússia. É capaz de... — Sua fala foi velocissimamente cortada pelo sinal da universidade, fazendo com que os jovens organizassem suas coisas para voltarem após o almoço, fazendo barulho e resultando no aumento da voz do professor. — Paramos por aqui, logo retomamos a aula. Para quem for ler nesse tempo, recomendo a página cento e oitenta e quatro... Até daqui a pouco!

— Ufa! Ainda bem que chegou a hora do almoço... — disse Rebecca. — 'Cê quer comer algo no Axe & Palm? Quem sabe encontramos a Veronica?

— Quer falar baixo? — sussurrou Reid. — Ok, vamos comer lá; mas sem gracinha, meu dia já não começou bem.

— Uma hora ou outra você devia chamar ela p'ra sair, o curso 'tá quase acabando.

— Desse jeito? — Reid fez um gesto com a mão mostrando a roupa que estava usando, querendo ressaltar que sua camiseta branca estava amassada, que seu cabelo castanho estava todo bagunçado e que seu tênis havia-se sujado no dia anterior, não percebendo quando o pôs de manhã.

— Ainda vou te ajeitá-la, relaxa. 'Cê é bonitinho, já te falei, ela vai gostar de conversar com você! Vamos indo enquanto isso, 'tô' morrendo de fome.

Saindo da sala, os dois seguiram à saída do câmpus, passando por diversos jovens presentes no mesmo curso que o deles; mas de salas distintas. Dos dezesseis mil alunos da universidade, cerca de quatro mil estavam ali por causa das vagas dadas pela Fundação. A Fundação S.E.T.H. não apenas continha as Anomalias e assegurava as pessoas; mas sim, tinha diversos investimentos nas áreas tecnológicas, bélicas, farmacêuticas, jurídicas, sustentáveis, econômicas, metalúrgicas e várias outras.

Sendo assim, ingressar numa instituição com tamanha abrangência em áreas de trabalho desse tipo era disputadíssimo dependendo do serviço escolhido. Uma espécie de organização mundial que pregava o avanço da humanidade há décadas; mas que estava sendo pressionada por todas as federações com o aumento do perigo à humanidade. Reid almejava por uma vocação na área científica, enquanto que Rebecca queria ser diplomata da Sede de Washington.

Seguindo até Axe & Palm, uma sanduicheria próxima a Stanford, entraram e sentaram-se a uma das mesas disponíveis, com Rebecca pensando num lanche com frango desfiado e com Reid ainda escolhendo no cardápio.

— Gostei da sua trança hoje, combinou com seu casaco vermelho.

— Ah! Você notou? Fiz antes de sair de casa, achei que ficaria bom, ainda bem que gostou! — respondeu Rebecca, contente com o amigo elogiar seu cabelo. — Estou ansiosa com a prova, você tem noção que será daqui menos de três semanas?

— Como passou rápido, faz quase dois anos que começamos a estudar aqui, e essas semanas de resumo estão sendo bem puxadas; mas vão valer a pena.

— Claro que vão, não tem como negar.

Enquanto conversavam, Reid fez seu pedido e notou que a televisão daquele lugar estava noticiando no momento em que passou pelo balcão, ouvindo nitidamente o aviso.

"Uma Anomalia do tipo Zafiel foi avistada ontem pela marinha americana a oeste de Seattle, seguindo para o sul. A Fundação se pronunciou que não se sabe qual o efeito da criatura, e acredita que seguirá fora do território americano se tudo ocorrer bem. As forças aéreas do Canadá foram ordenadas pela Fundação a seguirem a Anomalia. A marinha mexicana foi acionada pela Sede Leviatã para seguir atenta e ajudar no relatório da trajetória da Anomalia. Quaisquer outras informações serão ditas assim que possível."

Enquanto a repórter comentava a notícia pela televisão do estabelecimento onde comiam, Reid e Rebecca almoçaram e voltaram à universidade para a segunda metade da aula.

— Nunca me arrependo de pedir esse lanche com frango, na próxima, peça também, Reid!!

— Ok, peço sim, admito que estava com uma cara boa o seu almoço — respondeu à amiga.

— Agora vamos enfrentar a parte dois da aula, força, viu...

— Nem me diga, não aguento mais...

Com quase todos os alunos dentro da sala, Reid e Rebecca sentaram-se em seus respectivos lugares e esperaram o professor Nolan prosseguir com a aula. Demorando nem dez minutos para todos se ajeitarem, o senil professor abriu a aula retomando a principal característica das Anomalias:

— Antes de seguirmos de onde paramos, alguém se lembra quais os três parâmetros que definem se um ser é ou não uma Anomalia?

Demorou até alguém se manifestar; mas Rebecca levantou a mão e disse:

— Regeneração.

— Exato! Anomalias possuem um fator de cura que varia entre fraco, moderado e forte. Cada Anomalia possui um, sendo classificado nesses três tipos dependendo do tempo que demora para se curarem. Quem mais?

— Envelhecimento retardado? — falou um dos alunos do fundo da sala.

— Isso, Kenny. Anomalias envelhecem num tempo muito menor do que o normal. Quando algo se torna uma Anomalia, ela possui energia vinda de raios ômicos, os menores raios de espectros existentes. Esses raios fornecem energia para sua regeneração e atrasam o envelhecimento celular, causando a alta expectativa de vida. Algumas Anomalias possuem uma saciedade alimentícia, ou seja, não se alimentam normalmente, podendo ficar dias sem comer; mas isso é só uma observação. Falta mais um parâmetro.

Reid, decidindo dar participação por causa de seu atraso, comentou a última característica, dizendo:

— Efeitos passivos.

— Perfeito. Os efeitos passivos são a "marca registrada" das Anomalias. Esses efeitos podem ser de mudanças na estrutura física, um aumento de algum atributo ou até uma habilidade sobrenatural; mas todas as Anomalias têm algum efeito passivo. Anomalias mais poderosas desenvolvem vertentes dos efeitos passivos, se adaptando e criando outros métodos para usá-los, por isso são perigosas, elas aprendem e evoluem. Tenham essa noção a todo instante.

Parando de explicar e escrevendo essas três características no quadro, retomou donde parou quando comentava do Espécime 8-9-9-4-9, ligando o slide e mostrando fotos dele. Um tipo de carneiro com quatro chifres, sendo dois deles espiralados para cima e os outros dois nas laterais de forma arredondada, muito mais grossos que os chifres de cima. Com mais de dois metros de altura, sua lã crescia de forma constante e sem limite graças ao efeito passivo, ultrapassando cinco metros de pura pelagem, cobrindo suas patas e deixando apenas sua cabeça à vista.

— Como eu dizia, o 8-9-9-4-9 vive na região noroeste da Rússia quando foi encontrado em um vilarejo. Os moradores daquela região disseram que era um cordeiro recém-nascido antes de se tornar uma Anomalia, e como seu efeito passivo torna a produção da sua lã praticamente ilimitada, as costureiras do vilarejo fizeram roupas e tecidos para usarem no inverno e também para venderem comercialmente.

— Os Espécimes estão numerados cronologicamente, professor? — perguntou um aluno que sentava à frente da sala, levantando a mão e já fazendo a pergunta.

— De um modo bem simples, não. Apenas a Fundação enumera as Anomalias, e, de acordo com o que é dito, há muitos números de Espécimes faltando. Há mais de cento e trinta mil Anomalias; mas, por exemplo, há o Espécime 8-6-6-0-3-0. Não existem outros oitocentos e sessenta e seis mil Espécimes antes dele, e por quê? Porque aparecem aleatoriamente pelo mundo. Não podemos esquecer que as Anomalias não surgiram agora, elas podem estar no planeta antes mesmo de nós, então conhecemos apenas uma pequena porção delas. Em síntese, apenas as que estão vivas ou que foram encontradas.

Após tentar responder a dúvida do aluno, continuou contando a história do borrego russo à sala, completando:

— Quando a Fundação encontrou essa Anomalia, perceberam que era da classe Barachiel, ou seja, não iria ferir os habitantes daquele vilarejo, então fizeram um acordo com eles, e, com o auxílio dos agentes que ali ficaram, tosariam o enorme cordeiro em troca da mão de obra do povo para roupas de inverno para expedições no frio ao invés de levá-lo e quebrar a principal renda do lugar. Casos como esse são comuns, pois as Anomalias surgem espontaneamente em qualquer lugar do mundo, e quando a Fundação demora para localizá-las, não é tão fácil chegar e levá-las à força. Sejam maleáveis com as decisões que tomam, porque a imagem da Fundação é a mais importante ultimamente, principalmente com as discussões políticas que andam acontecendo.

— Por que não prendem todas as Anomalias? Não perdemos vidas o suficiente já? — reclamou um dos alunos, insatisfeito com a ideia próxima de "defender" seres desse jeito.

— Lembra que disse que "tudo" pode ser uma Anomalia depois de atingida, Matthew? Isso inclui objetos, construções, animais, plantas e inclusive humanos. Se sua mãe virasse uma Anomalia, queria que fosse tratada como um monstro, mesmo que parecesse um? Não é tão fácil só colocar em uma cela e jogar a chave fora, por isso eles precisam de pessoas competentes e dedicadas.

— Isso é ridículo, o senhor sabe o quanto de destruição já fizeram! Sem elas, minha irmã estaria aqui ainda. São pragas! — Continuou insistindo o jovem.

— Eu sei bem do que aconteceu com sua irmã; mas generalizar é a pior coisa que poderia fazer. Muitas delas só foram contidas porque a Fundação usou outras Anomalias, há diversos acordos entre Espécimes que mantiveram a consciência para ajudar a humanidade. Pensar desse jeito é um pouco radical, apesar das circunstâncias, não acha?

— Não, acho que é besteira pensar do seu jeito. Sabia que era um erro continuar aqui... — Retirando-se da sala insatisfeito, Matthew bateu a porta com força e deixou um constrangimento no lugar. "Pobre garoto", pensou Nolan, seguindo com a aula e tentando esquecer a discussão.

Após quase meia hora, interrompendo todas as aulas, uma sirene foi emitida por todos os condados da Califórnia, com um som estridente e repetitivo, semelhante aos avisos de tsunâmis, indicando que uma Anomalia Zafiel estaria aproximando-se da cidade. Os abrigos subterrâneos ficavam no meio da cidade, como forma de assegurar às pessoas no momento, e os pontos de evacuação ficavam na divisa entre cidades, levando para longe num sistema de trilhos sob a terra. Ambos se abriram imediatamente, tendo lâmpadas sinalizadoras vermelhas nas entradas de cada abrigo e ponto de evacuação.

— Rápido, todos para fora! — Gritou professor Nolan, esperando todos os alunos saírem e não deixar ninguém para trás.

Rapidamente, Reid lembrou-se do jornal que viu no almoço e imaginou que poderia ser a Anomalia citada. Algo deve ter acontecido para ir em direção à cidade; mas não estava com certeza de que seria a mesma criatura. Ao saírem do câmpus, olhando para o horizonte, a temível Anomalia tornou o ar assustador e caótico.

Possuía um corpo humanoide; mas apenas havia o corpo do tronco para cima, não tendo pernas. No final da cintura, o que parecia ser entranhas estavam quase caindo do corpo, já que andava com os braços suspendendo o corpo no ar. Sua cor era num tom amarelo-areia misturado com tonalidades beges e marrom-claras, inclusive os órgãos internos que caíam da cintura, seus braços e sua cabeça, todos na mesma paleta de cor, ainda estando um pouco molhados. Não possuía face, apenas uma cabeça sem orelhas, nariz, olhos, boca ou cabelos. Como os braços ficavam flexionados apoiando o corpo, não atingia sua altura máxima; mas tinha cerca de cento e sessenta metros de altura. Cada vez que levantava sua mão para andar, batia-a no chão fortemente para sustentar o peso colossal de seu corpo, estremecendo até mesmo a universidade que estava a quilômetros de distância.

Com a aparição inesperada do Espécime 2-0-0-9-1, o caos instaurou-se naquele lugar e trouxe consigo um sentimento horrípilo a todos que ali estavam. A Anomalia veio do mar, nitidamente submersa na água e mudou sua rota espontaneamente, indo até a praia de Half Moon Bay. Chegando próxima ao Parque Redwood, as sirenes foram ligadas, demonstrando que algo aconteceu para que tivessem sido acionadas tardiamente. Estando a doze quilômetros donde Reid estudava, era visível vê-la à distância da universidade, e com o perigo nítido, todos os condados da Califórnia receberam ordem de evacuação.

Segurando a mão de Rebecca, agarrou-a para que não a perdesse no tumulto da multidão. A cabine mais próxima de abrigo ficava a setecentos metros, o que daria cerca de oito minutos, enquanto que o ponto de evacuação ficava a quase quatro quilômetros, sendo mais viável esconderem-se no subsolo do que tentarem fugir; pois, mesmo que a criatura fosse lenta, a envergadura de seus braços compensava o que não havia em velocidade. Os abrigos ficavam a aproximadamente quatrocentos metros de profundidade, com três metros de puro concreto nas paredes, dando confiabilidade aos cidadãos.

Enquanto os dois jovens corriam em meio à multidão, os gritos das pessoas e as buzinas de carros misturavam-se com os estrondos do andar da Anomalia, deixando sua distinção cada vez menos aparente. Quando percorreram metade do caminho, o Espécime 2-0-0-9-1 inesperadamente se levantou no ar, com seus enormes braços deixando de apoiá-lo, subindo a mais de quatrocentos metros do chão. Rebecca, virando-se para ver a distância que estavam da Anomalia, sentiu que algo aconteceria, pois aquele comportamento abrupto parecia estranho demais com o andar lento que fizera. Vendo que a criatura não estava comportando-se como havia observado, preocupada, soltou a mão do amigo, berrou com ele e empurrou-o para um beco.

— Cuidado!!

O Espécime estava com suas veias brilhando numa tonalidade roxa, com seus braços tremendo. Seu corpo estava levitando, especialmente sua cabeça, a qual tremia nitidamente, como se estivesse instável. Seu crânio começou a brilhar levemente, da mesma cor que passava em suas veias, como se queimasse dentro do Espécime, tremendo-se por completo, e, subitamente, partes de sua cabeça explodiram e liberaram raios de energia roxos.

Tais raios não tinham efeito em coisas inorgânicas, mesmo que parecessem perigosos; mas com estruturas orgânicas, fragmentava-as a nível molecular, e assim, os diversos raios que foram soltos aleatoriamente da face da criatura, quando em contato com as pessoas, animais e plantas, desintegrava-as, deixando apenas as roupas das vítimas. Milhares de gritos foram ouvidos com a dor da queimação, e após terminar de disparar os feixes violáceos do rosto, a criatura caiu da altura que estava e produziu um choque imenso com o chão, destruindo diversas casas e tremendo tudo à sua volta.

No meio das vítimas, um dos raios acertou a avenida onde estavam correndo, varrendo as centenas de pessoas dali, inclusive Rebecca. Enquanto Reid caía, lentamente, viu o olhar de preocupação da amiga desfazendo-se aos poucos enquanto uma luz cobria o fundo. Aqueles feixes de luz eram extremamente grandes em relação ao diâmetro deles, englobando a rua por completo e passando pelos vidros dos veículos, dos prédios e das casas. Não havia escapatória para quem não estivesse escondido.

Com os alarmes dos carros tomando todas as ruas por causa do tremor da queda do Espécime, Reid foi retomando sua consciência e levantou-se. Lembrando-se do ocorrido, correu em direção aonde Rebecca estava; mas apenas sua blusa vermelha, sua calça jeans e seu tênis estavam ali, caídos no exato lugar de quando sumiu. Não acreditando no que houve, assim como todas as outras pessoas que viram a morte de quem estava na luz, ajoelhou-se e negou a si que era verdade.

— Não... Não... Não, não, não!! Becca, não faz isso, Rebecca, isso não é real, isso não pode ser real, você... Por que fez isso? Sua idiota, por que não pulou? Rebecca... Rebecca!!! — Chorou o jovem que, momentos atrás, estava segurando a mão de quem conhecia desde a infância.

Enquanto olhava a blusa que elogiara no almoço, nenhum vestígio da garota havia restado, aliás, nenhum vestígio de ninguém havia sobrado. Quem se escondeu de raspão; mas com alguma parte do corpo exposta à luz, perdeu-a imediatamente com o contato, então feridos também precisavam de ajuda necessária, além de quem sobreviveu. Vários agentes da Fundação que estavam por perto e não foram atingidos começaram a resgatar os sobreviventes. Entre eles, uma agente-militar que estava próxima à cidade também resolveu ajudar os sobreviventes, olhando como se procurasse algo. Vendo um jovem que estava chorando perto das roupas da melhor amiga, aproximou-se e perguntou:

— Ei, qual seu nome? Está ferido?

— Sou Reid, Reid... Calhoun — respondeu, soluçando devido às lágrimas.

— Prazer, Reid, pode me chamar de Ashe. Respire e se acalme. O que houve?

— Ela... ela desapareceu, foi tão rápido, eu... eu não pude...

— Se você está aqui ainda, tem que viver, com certeza ela não gostaria que ficasse parado. Sinto muito pela perda; mas não deve desistir se ainda conseguir ficar de pé.

Enquanto tentava consolar o jovem, o Espécime recobrou sua consciência após a explosão da mente que teve. Seu rosto estava quase que curado por completo, demonstrando que sua regeneração era de nível alto, erguendo-se aos poucos. Percebendo que a criatura logo continuaria, Ashe agarrou Reid pelo braço e levantou-o rapidamente, colocando o braço direito dele em seu ombro, pois mesmo que não estivesse ferido, estava traumatizado e não esboçava reações rápidas e lúcidas.

— Reid, né? Olha, preciso que você me faça um favorzinho, sei que conseguirá! Preciso estar em outro lugar agora; mas tenho que ajudar essas pessoas assim como te ajudei. Entende o que quero dizer?

Olhando para a cintura dela, viu que tinha um distintivo de Alpha, uma das hierarquias mais respeitadas da Fundação, mesmo que parecesse ser um pouco mais velha que o jovem.

— Você... é uma Alpha. Eu não devia te atrapalhar, entendi o que quer dizer... Me desculpe... — Ashe cortou sua fala, respondendo em seguida.

— Não tem que pedir desculpas de nada, acidentes horríveis acontecem, você sabe que vivemos nesse mundo. Se lembra p'ra onde fica o abrigo mais próximo?

— Fica a três ou... ou quatro quadras daqui...

— Isso mesmo. Vá até ele, lá eu conheço alguém que pode te ajudar. Procure pelo agente Karl, ele é da segurança. Fale que eu preciso que ele venha até a rua Williams. Lembra do meu nome?

— Ashe, né?

A agente Alpha assentiu com a cabeça, retirando o braço de Reid de seu ombro e dizendo em seguida:

— Então, por favor, mesmo que esteja difícil agora, faça isso por mim, ok? Ou melhor, pela sua amiga, eu confio em você!

Deixando-a para trás, correu até o abrigo para que avisasse o agente-segurança Karl. Decidido a seguir firme, açodou seu andar e, com passos largos, correu rapidamente ao abrigo, onde havia uma fila tumultuada de pessoas querendo entrar para protegerem-se.

— Acalmem-se, estamos com superlotamento, por favor, vão para o próximo abrigo! — gritava um dos agentes-segurança.

— Precisamos entrar, nos deixem passar! — berrava um homem velho.

— Abram logo, eu não quero morrer!! — esperneava mais ainda uma mulher ao lado.

Diversos outros pedidos de misericórdia eram ouvidos, com os agentes insistindo que havia mais de dez por cento da capacidade permitida naquele abrigo, e que não poderia passar mais ninguém. Reid, com a roupa um pouco suja de quando caíra, esfregou-se entre as pessoas para passar até a grade do portão do abrigo, mesmo que fosse apertado e cheio de confusão. Após muito esforço, conseguiu chegar à grade e suplicou de forma alta:

— Segurança Karl, segurança Karl, por favor, precisa me ouvir!

— Quem é você? O que quer com o chefe de segurança?

— Uma agente que me salvou pediu p'ra chamá-lo, é urgente! Preciso dizer p'ra ele que...

— Já informamos que está lotado, não vai conseguir entrar. Para o próprio bem, procure outro abrigo, por favor! — Insistiu o agente que segurava o portão quase cedendo.

— Não quero entrar, só preciso falar com ele, é urgente, eu imploro!...

Vendo que o jovem não queria entrar, contatou no rádio em seu ombro para que o chefe Karl fosse imediatamente até ali. Subindo as escadas correndo, foi em direção ao segurança que o chamou e, observando um jovem próximo ao portão, foi perguntando-lhe:

— Por favor, que não seja uma gracinha. Como era a moça?

— Ela era uma Alpha loira, se chama Ashe.

— Então é ela mesma. O que ela te disse?

— A agente me salvou e pediu para que te encontrasse, ela disse para você ir até a rua Williams ajudá-la. Ela só me passou isso, precisava te encontrar!

— Obrigado; mas não podemos te deixar entrar ainda, sinto muito. Tem um abrigo à esquerda na Sherman, vá até lá, deve ter lugar disponível ainda. Qual seu nome, a propósito?

— Reid Calhoun.

— Entrarei em contato para conversarmos depois, agora se salve, sinto muito!

Com as outras pessoas também ouvindo, Reid e diversos cidadãos correram até a rua Sherman para conseguirem sair vivos; mas o tanto de empurrões que havia ante o jovem quase o fazia tropeçar. Achando que o pior havia passado, o Espécime 2-0-0-9-1 andou novamente; mas num ritmo mais rápido do que já o fazia, como se "corresse" com seus enormes braços. O tremor se aproximava aos poucos das casas e dos veículos donde estava, preocupando as pessoas cada vez mais.

Em menos de quinze minutos desde que as sirenes noticiaram tardiamente sua presença, a Anomalia estava prestes a dar outro disparo de luz, a qual estava a três quilômetros de distância de Reid. Suas veias novamente ficaram púrpuras e a levitação agia novamente, e para o infortúnio do rapaz, a rua Sherman possuía mais casas do que prédios para encobrir o brilho. Estava desesperado ao perceber que a criatura já subiu quase quatrocentos metros de altura.

Carros não o ajudariam, nenhum ônibus ou caminhão estava por perto e o ângulo da criatura somado com sua altura no céu deixava quase nenhuma brecha para Reid se esconder. Ele precisava correr, precisava fugir, precisava sobreviver. Misteriosamente, sentiu uma dor no peito e tropeçou, caindo no chão daquela rua lotada de gente. Um senhor que também fugia viu o garoto caído e tentou ajudá-lo.

— Meu jovem, vamos, não temos tempo — falou o velho de boina.

— Meu peito arde, eu... não consigo respirar, eu... — Reid tentava completar a frase, não tendo força o suficiente.

— Deve ser uma crise de pânico, no abrigo deve ter uma medicação, eu te ajudo, vamos! — dizia, olhando para o garoto enquanto seus olhos observavam a criatura elevando-se cada vez mais no céu.

— Vá, por favor, aqui é perigoso...

— Não posso te deixar, mais ninguém vai ajudá-lo, levante-se logo e vamos... — O velho parou de falar quando viu um dos olhos castanhos de Reid mudando de cor drasticamente, ficando com a íris azulada.

Afastando-se do jovem como se ficasse assustado, Reid não entendeu, apenas achou que o velho seguiria seu pedido; mas não era exatamente isso. Com a dor no peito aumentando, tossiu sangue aos poucos e não conseguia levantar-se. Estava aterrorizado com aquilo; mas não havia força alguma para gritar. O garoto, atemorizado e cansado, não pôde fazer nada, apenas se arrastar pelo chão em meio à destruição.

Tendo outro pico de energia na cabeça, o Espécime novamente teve a cara explodida pela energia colossal que saía de seu rosto, espalhando o maldito brilho mortal pelas ruas e pelas nuvens, não tendo controle de mira. O feixe atingiu Reid, fazendo-o agonizar de dor, tendo sua vida passando diante de seus olhos numa fração de segundo; mas, repentinamente, o olho azul de Reid brilhou mais intensamente do que aquela luz arroxeada e, imprevistamente, Reid acordou em seu quarto berrando e levantando seu corpo da cama, afobado e sem ar.

— Isso... isso foi um pesadelo?... — perguntou-se, hiperventilando e estando completamente suado. — Que droga de sonho foi esse? Meu Deus...

Pegando seu celular que ficava ao lado da cama, havia algumas mensagens de Rebecca, as quais perguntavam se ele já estaria chegando à universidade. "Seis e meia, ainda dá tempo", pensou Reid, levantando-se e trocando-se, além de conferir se seus materiais estavam certos na mochila. Estava tão cansado com o "sonho" que tivera ao ponto de esquecer-se de tomar café da manhã, saindo direto do apartamento que alugava e indo até o ponto de ônibus de sua rua.

Passados vinte minutos de espera, achou estranho a demora do ônibus, até que um homem que estava ao lado comentou para sua esposa que viu num blog que estavam arrumando encanamentos de água, o que atrasaria o horário dos ônibus. Sentindo como se fosse um "déjà vu", achou esquisita a sensação; mas ficou em silêncio e aguardou o quanto antes o ônibus que precisava. Já sabendo que chegaria atrasado, não poderia fazer nada para evitar, restando apenas aguardar sua carona.

Após cerca de cinco minutos, o ônibus chegou e ele foi logo sentando num dos bancos, entrando rapidamente. Com um trânsito maior do que o normal devido aos ajustes dos encanamentos, Reid incomodou-se ao notar muitas coisas que estavam em seu sonho enquanto passava de ônibus, ficando com uma sensação inquieta. Ao colocar a cabeça na janela do ônibus para descansar um pouco, viu, pelo reflexo, que seu olho esquerdo estava azul-claro ao invés do castanho comumente de quando nascera.

— O que houve?? — Pegando seu celular e abrindo a câmera frontal, viu que misteriosamente estava com heterocromia, do dia para a noite, sem ao menos entender.

Assustado com aquilo e com vergonha por não ter notado quando estava em seu apartamento, mexeu em sua mochila e achou um óculos de sol, decidindo usá-lo naquele dia. Pensou consigo que, depois da faculdade, iria a um oftalmologista, com medo de que fosse algo sério. Ao chegar em Stanford, foi direto à sua sala, escutando a voz do professor Nolan à medida que se aproximava da porta, abrindo-a e interrompendo o professor, fazendo com que repetisse sua frase.

— Bom dia, Reid, está atrasado de novo. Abram na página cinquenta e seis e revisem o tópico de periculosidade, daqui meia hora vou prosseguir com a aula.

"Desculpe pelo atraso", pensou Reid; mas... Notando novamente o incômodo, o mesmo incômodo de quando estava no ônibus, sentiu que algo não estava certo e que aquele dia era exatamente o mesmo do qual sonhou. Indo a seu lugar e ajeitando suas coisas, sentou-se em sua carteira, retirou a mochila do ombro e abriu-a para pegar o caderno.

— Ei... — cochichou sua amiga que sentava ao lado. — Chegou atrasado por quê?

— 'Tava... dormindo pesado, o despertador não tocou, Becca — respondeu Reid, notando a mesma blusa vermelha e as duas tranças idênticas de quando a elogiou no almoço... ou então, de quando a elogiaria no almoço.

— Você sabe que todo mundo 'tá ansioso com a prova da Fundação, e essas aulas são boas p'ra gente, se perder alguma matéria, me mande uma mensagem.

— Valeu, Becca. Por acaso, o que ele explicou por enquanto?

— Só fez uma introdução na definição de "Anomalia", nada muito difícil. — "Porcaria, ele vai nos chamar a atenção", pensou Reid enquanto sua amiga falava a mesmíssima frase.

— Posso ajudá-los, Reid e Rebecca?

Reid sabia que algo estava errado, ele claramente percebeu que alguma coisa acontecera e que ele não estava ficando louco. O jovem não entendia aquilo e achou que tudo não passara dum sonho mais cedo; mas ele mal sabia o verdadeiro motivo de viver novamente o dia em que sentiu a morte tocá-lo pela última vez.

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