XX - Não É Um Adeus.

Tudo aconteceu em um piscar de olhos. Mike soltou o arco e flecha, correndo para socorrer seu filho, o corte profundo em ambas as mãos não o impediram de arrancar as espadas quebradas que prendiam David.

O Príncipe desabou em seus braços, lutando para respirar, por hora, vivo. Mike se consolou com esse fato, seu filho ainda respirava em seus braços.

O pingente de Mike continha o que poderia o teletransportar para um lugar seguro, com algumas regras, é claro. A maneira que Mike havia conduzido até agora era no mínimo arriscado.

Dito isso, mesmo com suas pernas bambas, o nariz sangrando e seus olhos quase fechando, Mike sentiu seu corpo brilhar com letras gregas, douradas e familiares.

Mais uma vez, ele implorou, só mais uma vez.

— Vou te tirar daqui.

Mas o príncipe o impediu. Só então que Mike reparou em seu rosto, algo em galês foi rabiscado em sua testa, seus olhos brilhavam em um dourado intenso.

Mike sabia exatamente o que estava acontecendo, ja ouviu relatos sobre David guiar outras pessoas durante esse processo. Na sua testa, estava escrito: Herói.

— Quando aquele Espírito conseguiu…

— Eu o fiz. — E era verdade, antes mesmo de o Espírito Mentor se unir ao seu corpo, David usou o polegar do Espírito e reivindicou o título de Herói para si, não foi difícil, pois já havia recebido sua benção. Mas está incompleto e ele precisava de ajuda. — Você confia em mim?

Só havia uma resposta para a questão.

— Você parece irritado. — Comentou Jin Yang, o tirando de seus desvaneios.

— E você parece… feliz? — Mike arqueou uma sobrancelha, um arrepio desagradável percorrendo sua coluna ao ver o sorriso de orelha a orelha do seu amigo. — Jesus! Isso deveria ser contra a lei.

Jin gargalhou, jogando a cabeça para trás.

— Mike, faz ele parar! — Simon sussurrou, se escondendo atrás de Angel, que parecia irritada. — Ele tá me assustando.

— Vou deixar passar só dessa vez, porque hoje é um ótimo dia! — Comentou Jin, quase cantarolando.

— Cristo! — Simon se encolheu. — Vou ter pesadelos hoje.

Foi a vez de Mike gargalhar, para ser honesto um pouco assustado também. Angel, por outro lado, bufou.

— Não sei qual é a novidade! David já fez ele rir várias vezes!

Ethan concordou, embora mantendo uma distância razoável de Jin. Isso era algo que Mike não sabia, jamais conheceu um lado descontraído de Jin Yang.

Com o tempo, havia se acostumado com seu jeito ranzinza. Imagine o choque, quando ontem mesmo viu o tão temido Ceifador dançar no banquete.

— Não fale o nome dele, vai dar azar.

— Jin?

— Sim, princesa Stella?

— Pode, por favor, calar a boca?

Mike riu, pego de surpresa por seu tom amável e o pedido brusco. Jin inclinou a cabeça, como se refletisse sobre a pergunta.

— E porque eu faria isso?

— Porque está me irritando!

Jin revirou os olhos, porém manteve a boca fechada. Aonde eles estavam, perto de um portal que os levaria para casa, passavam poucas pessoas, de certa forma, era um local tão bem guardado quanto um cofre, ordens do Rei Regente, aparentemente.

O Rei Regente deveria estar ali até que todos partissem para O Mundo Mortal em segurança, mas algo ocorreu no último dia de banquete que requeria sua atenção imediata, então um Aled completamente exausto ocupava seu lugar.

— Milorde? — Um guarda se aproximou do pequeno grupo, parecendo um pouco nervoso. — Vamos partir em cinco minutos.

Mike arqueou a sobrancelha, estranhando a situação. Parte da comissão de David ainda estava esperando para partir, já que o príncipe estava desaparecido desde a madrugada.

— David ainda não chegou, queremos nos despedir primeiro. — Mike comentou com uma voz suave e firme, não deixando espaço para argumentos.

O guarda engoliu em seco.

— Receio que seja melhor partir, Milorde.

Mike ignorou os protestos indignados das crianças, olhando diretamente para Aled, que se aproximava com uma expressão infeliz.

— Sir Aled? O que isso significa?

— Exatamente o que parece. — Aled deu um suspiro profundo. — O sol está se pondo, é perigoso demais manter um Portal aberto por tanto tempo, precisamos partir imediatamente. Lamento muitíssimo!

— Não é justo! — Bufou Angel.

— Esperamos por horas!

— Não vamos embora sem se despedir! — Ethan cruzou os braços.

Os gêmeos agarraram a cintura de Mike, buscando apoio. Não havia nada que Mike desejasse mais do que concordar com as crianças, no entanto, ele sabia mais do que ninguém os efeitos colaterais de atravessar um Portal entre mundos, será que valia a pena arriscar a saúde daquelas crianças por mais alguns minutos com seu filho?

Além do mais, David havia feito sua escolha.

— Não é grande coisa, ainda vamos visitar o pirralho nas férias. — Jin disse, de maneira prática. — Não é um adeus.

Foi a vez de Mike suspirar, sabendo que Jin estava certo.

— Estamos prontos.

— Mas, Mike!

Mike envolveu as crianças em um abraço carinhoso, era hora de se despedir de Arbor, por enquanto.

Aled se juntou a outros guardas, os escoltando em segurança, mesmo quando já estavam dentro do portal. Um corredor grande e luxuoso ligava uma porta a outra, a porta de ferro que passaram estava prestes a ser fechada e Angel olhou para trás uma última vez.

Aled gritava ordens para um guarda em específico que saiu de sua posição, andando mais à frente. Simon segurou na mão de Angel, resmungando sobre como ele perderia a oportunidade de ter um amigo famoso porque David não iria voltar com eles.

Mike mal teve tempo de estranhar o movimento dos guardas que os escoltavam, Angel largou a mão de Simon e saiu em disparada antes da porta de ferro se fechar. Seu irmão a seguiu após passar o choque inicial, gritando seu nome, Ethan suspirou antes de fazer o mesmo.

Mike as seguiu imediatamente com Jin, que poderia ter as segurado com sua escuridão, mas não o fez. As portas de ferro se fecharam junto com Aled e os guardas, mas os principais que deveriam estar lá dentro corriam pelo castelo.

Angel se movia como se não fosse a primeira vez que corria por ali, com quatro pessoas a perseguindo. Quando pisou no corredor que levava aos jardins, viu algo que inevitavelmente trouxe lágrimas aos olhos.

David estava parado, recuperando o fôlego, como se estivesse correndo por horas, uma porta atrás de si estava entreaberta, sua pantera enorme saiu pelo corredor, se alegrando imediatamente quando viu Angel. Lolo…

O Príncipe olhou para cima, também percebendo a presença da garotinha. Um sorriso charmoso desbotou em seus lábios.

— Aonde você pensa que estava indo sem…

Angel correu e pulou em seu colo, o abraçando, chorando e socando David, tudo ao mesmo tempo. Mãos e braços grudadas no corpo do príncipe.

— Você me prometeu que iríamos lutar juntos, seu grande imbecil! Aonde você ia sem a gente?

O Príncipe a sustentou em seus braços, sem nenhuma dificuldade.

— Pensei que feéricos não quebrassem promessas…

— Sinto muito, princesa. Eu…

— Sem desculpas! — Gritou Simon, entrando no corredor e pulando no colo de David também. — Você me prometeu que ia me apresentar pro Harry Styles!!

— Quando eu disse isso?

Em um momento, Ethan estava ao seu lado, no entanto, não pulou em seu colo. Somente usou seu braço para se apoiar, tentando recuperar o fôlego. Mike e Jin os alcançaram em um segundo, sem poder resistir, Mike também lhe deu um abraço.

Achando tudo muito divertido, Lolo pulou para o abraço coletivo, desequilibrando a todos. Mike fechou a porta atrás de David e a abriu novamente, letras douradas grudadas na maçaneta. Uma luz tão forte quanto o sol os abraçou.

Quando David caiu no chão em um emaranhado de corpos, já não estavam mais em Arbor. Ele calmamente retirou as crianças de cima de si, embora não pode fazer o mesmo com Lolo, que se agarrou a ele como um gatinho carente.

— O que pensam que estão fazendo? — O Príncipe arqueou uma sobrancelha, divertido.

— O que mais seria? — Jin disse de maneira sarcástica, não parecia tão chateado por ver David quanto ele gostaria. — Isso é um sequestro.

David gargalhou e Mike se sentiu um pouquinho arrependido, parecia uma coisa cruel de falar e fazer.

— Não é um sequestro. — Disse, por fim. — Só o trouxe para se despedir de todos.

— Não vai ser necessário. — O príncipe sorriu. — Afinal, não é um sequestro se eu já planejava vir com vocês.

Angel se levantou imediatamente.

— Você vai ficar? — O sorriso brilhante se transformou em uma carranca em poucos segundos. — Pera aí, tão de repente? Como vamos saber que não vai mudar de ideia de novo?

— Foi um erro querer me afastar da minha família. — O Príncipe finalmente se levantou, o rosto sério. — Não é uma guerra que posso vencer sozinho. Então… já é mais que na hora de parar de fugir.

Também estou cansado de deixar meu medo me controlar, David acrescentou mentalmente.

— Pobre garotinho, tava com medo da gente gostar mais dos seus amigos mais velhos da banda? — Simon deu uma batidinha nas suas costas.

David deu um peteleco na testa do garoto.

— Além disso, não vou abandonar vocês como um covarde.

— É, você é bem medroso mesmo. — Simon ganhou outro peteleco. — Aí! Só tô falando a verdade.

— Aham, claro. — Ethan revirou os olhos.

— Não se preocupa, David! — Angel abraçou o príncipe de novo. — Nós vamos proteger você!

David riu novamente, sentindo aquele sentimento aconchegante de pertencimento. Sua família…

— Meu Deus, Mike! — Simon exclamou. — Você tá chorando?

— É claro que não! Só… estou feliz. Muito feliz.

Jin deu uma risadinha.

— Quero só ver quando esse pirralho casar. Vai forçar sua nora morar aqui?

Mike deu de ombros.

— Ainda é cedo demais para pensar nisso. Mas, contanto que…

A porta foi aberta de maneira brusca, um homem alto de cabelos negros e olhos azuis piscou levemente, apesar de ter seis pessoas (e uma pantera) em um cômodo que há minutos atrás estava vazio, ele não parecia surpreso. Apenas se virou para Mike com um olhar acusador.

— Já disse para parar de fazer isso, Senhor Allans. Temos uma porta de entrada por uma razão, deveria começar a usá-la.

Mike gargalhou.

— Não seja tão formal, James. Finalmente estamos de volta!

— E vivos! — Acrescentou Simon.

— Da próxima vez, use a porta da frente. — Repetiu o mordomo, secamente. Porém, quando se virou para David, sua expressão suavizou. — Bem vindo de volta, Jovem Mestre.

David sorriu novamente.

— É bom estar em casa.

★☆★☆

O Feiticeiro Negro esperava pacientemente em frente à uma porta de ferro. Em todos esses séculos de vida, lhe ocorreu que nunca havia se descontrolado de tal forma quanto a poucas horas atrás.

O sentimento humano, refletiu ele, é realmente assustador.

O Feiticeiro Negro não era humano, e sim um "monstro" que se alimentava de emoções. O momento em que se alimentou das emoções de Simon McCarter há algumas semanas atrás, sabia que poderia virar um vício.

A porta de ferro se abriu, mas não foi seu filho que saiu de dentro, e sim um guarda coberto de sangue. O sangue de seus companheiros.

— Sir Aled. — Chamou o guarda.

Aled se aproximou, sem se acovardar ao ver o próprio Feiticeiro Negro no outro lado da porta, apenas anunciou com uma voz forte e clara.

— Nós falhamos.

— Não. — Grunhiu o feiticeiro, sentindo outro surto de raiva nascer. — Você falhou.

FIM…?