Emma abriu os olhos e uma luz forte a fez os fechar novamente. Sentiu pela claridade das pálpebras que a luz tinha diminuído de intensidade e voltou a abrir os olhos. Diante dela, estava um templo, com algumas jovens e idosas dançando como ela dançou para Andrey. Mas não havia música. Apenas alegria. Percebeu que muitas delas tinham cabelos louros e olhos cinzas e poucas tinham os cabelos negros e olhos verdes como os dela própria.
A mulher que ela viu no corredor de tâmaras com uma lança e um escudo, saiu do templo e sorriu carinhosamente para as mulheres que dançavam ali. Agora ela estava com um vestido dourado e além da coruja, não carregava mais nada. Se aproximou de Emma que a encarou com a testa franzida. A mulher sentou ao seu lado e só então Emma percebeu que estava sentada em um banco rustico de madeira.
"Eu morri?" Emma perguntou indiferente e sem olhar para a mulher. Podia sentir os olhos dela sob seu corpo. Mas ela continuava a olhar para as mulheres dançando no templo. Tinham coroas de flores na cabeça e ela nunca havia visto nada tão belo.
"É realmente o quer?" A mulher perguntou com voz macia enquanto acariciava a coruja em seu braço.
"Não tenho nada que me faça querer viver."
"Caio?"
"Ele já tem quem proteja ele. Está melhor com o homem que o adotou. Ele pode dar a Caio coisas que jamais poderia nem sonhar."
"Você trocaria o amor de seus pais por coisas que outras pessoas poderiam lhe dar?"
Emma voltou os olhos para a mulher.
"Quero o melhor para Caio."
"E o melhor para ele é ficar sem a mãe?"
"Com certeza."
"Se quer mesmo deixar seu filho para trás nas mãos de Elena, porque é isso que vai acontecer, vá até aquelas mulheres que você vê dançando. Uma delas é sua mãe. Mas se for até lá, não haverá volta. Não vai mais poder escolher voltar para seu filho. Sei bem o que sente por ele. É o que sinto por todas as minhas filhas. Mesmo que você finja que nada sente e até mantenha distância do garoto, sabemos que o quanto seu coração pesa quando pensa nele e quando o vê."
"Minha mãe me deixou..."
"Ela não teve alternativa. Morreu por você."
"Não me lembro dela e ter me deixado com Henrique como meu tutor... Não quero conhecer ela. Queria que ela tivesse me dado para adoção, como fiz com Caio."
"Ela não fazia ideia das atitudes que ele tomaria em relação a você. Mas acredito que você possa imaginar, o quanto dói para uma mãe ver que tomou uma decisão ruim e por causa disso o filho está sofrendo sem que ela possa lhe ajudar."
"Não quero falar dela. Não me lembro e nem quero lembrar. Sou órfã e pronto."
"Sinto tanta dor em suas palavras..."
"E ainda não expressam o que senti com Henrique e Anne abusando de mim, fazendo o que bem entendessem... Até me fizeram me deitar com um velho... Meus pais eram monstros se nunca perceberam o covarde que colocaram como meu tutor. Deviam desfrutar dos mesmos ideais."
"Não os julgue ainda, Emma."
"Quem é você? Por acaso sabe o que é ser abusada?"
"Sou sua protetora. E sim. Sei o que é ser abusada. Sou uma deusa e mesmo assim também tive um filho gerado pelo abuso. Não me subestime. Esse filho... Você é tataraneta dele."
Emma a fitou como se ela fosse louca. Ela estava dizendo que tinha sangue de uma deusa correndo em suas veias?
"Caio vai cair nas mãos de Elena se eu não voltar?" Emma perguntou se lembrando das palavras anteriores daquela mulher.
"Ele vai sofrer abusos abomináveis. Ela chamará amigos pedófilos e Andrey nunca saberá de nada, até ser tarde demais."
Emma respirou fundo.
"Me prometa que vai me ajudar a fugir de Andrey e eu voltarei."
"Porque quer fugir dele?"
"Ele quer que eu tenha filhos com ele. Enquanto acreditar que eu vou os dar a ele, não vai atrás de alguém para amar e respeitar."
"Mas você o ama! Você quer ter mais filhos. Pode mentir até para si mesma, mas não para mim. Se vocês se amam, porque não ser feliz com ele?"
"Eu quero ficar com Richard. Andrey me aprisiona, me obriga a fazer... Coisas que eu não quero."
"Você quer sim. Até gosta."
Emma voltou a olhar para as mulheres dançando e uma que parecia um espelho seu havia parado e a fitava. Devido à distância, Emma não sabia descrever o que ela expressava. Mas sabia quem era e por isso se levantou e começou a caminhar pelo lado contrário. Não sabia onde iria chegar, mas era melhor que ali.
Parecia uma floresta e quando entrou sentiu um frescor como se estivesse tomando banho. Viu uma cachoeira descendo por rochas azuis e a água cristalina batendo nas rochas embaixo em volta de um tapete de grama. Emma sentou ali. O barulho da água caindo era agradável aos seus ouvidos.
A mulher veio e se sentou ao seu lado. A coruja não estava mais com ela.
"Não posso ajudar você a fugir. Não vai se lembrar dessa conversa e somente por isso vou lhe contar algo. Andrey não teve uma infância feliz como pensa. Ele teve sua cota de sofrimento. Na idade que você começou a sofrer, foi a mesma idade que ele escapou da infelicidade. Você vai fugir dele, para descobrir o quanto precisa do aconchego dos braços dele. E não é dele que tem que fugir..."
"Não quero voltar. Mas o farei por Caio. E não preciso de alguém que quer apenas desfrutar de meu corpo. Posso viver sem isso."
"Você acha que Richard vai manter um amor platônico com você? Um amor que só vai funcionar na teoria? Emma, nenhum homem que colocar os olhos em você, vai deixar de pensar em você nua em sua cama. É um carma que vai te seguir para sempre. Mas não posso negar que ele abala seus sentimentos..."
"Não tenho certeza se fugirei para ele."
"Quer viver sozinha?"
"Acho que sim."
"Cuidado com o que deseja." A mulher disse e se levantou. "A mandarei de volta. Espero que faça escolha melhores." Ela disse e se retirou.
Emma sentiu um enorme vazio quando ela se foi. Algo naquela mulher a completava e deixava segura. Teve vontade de ir atrás dela, mas nem mesmo olhou em que direção ela havia partido.
Andrey entrou no quarto de Emma trazendo ele próprio uma bandeja com sopa. Percebeu imediatamente que o quarto estava alagado e o barulho de água vindo do banheiro. Ele deixou a bandeja cair com o coração apertado. O que ela maluca havia aprontado? Por alguns segundos ficou congelado no lugar. Mas sabendo que ele teria que agir imediatamente, pois a rapidez poderia ser a causadora da morte ou da vida, correu para o banheiro e teve que arrombar a porta. Ele sentiu as lágrimas quentes em seu rosto quando viu Emma mais branca que o normal e o sangue jorrando de seus pulsos. Ele foi até ela e a tirou da banheira a levando para a cama, onde rasgou duas tiras do lençol e enrolou nos pulsos dela. Não saberia dizer o que foi que chamou a atenção dos guardas que deixou na porta, mas entraram e enquanto um foi fechar a torneira, outro ligou para o hospital. Quando Andrey deu por si, estava em um jipe com Emma, sem saber se ainda havia vida naquele corpo, assustado e chegando no hospital. Enfermeiras vieram e a levaram. Depois dos primeiros socorros, permitiram que Andrey ficasse com ela no quarto. Estava no soro. O médico disse que ela perdeu muito sangue, mas que provavelmente iria se recuperar. Andrey passou vários dias ali. Sua barba cresceu além do que as pessoas estavam acostumadas a ver. Elena chegou com Richard alguns dias depois. Emma ainda não havia acordado. Ele não a deixou nem sequer um segundo e se recusava a falar com quer que fosse. Teve notícias de Caio, mas não dizia nada. Nem mesmo se importou em se rebelar quando Richard quis ficar a sós com Emma. Simplesmente o ignorou. Os médicos não sabiam porque ela não acordava. Já que estava recuperada. Mas deixaram a sonda com alimento e o soro.
Na terceira semana do segundo mês, Emma acordou. Mas não parecia ver ou ouvir ninguém. Sabiam que ela ouvia pois quando chegavam com a comida e pediam que ela se ajeitasse, ela fazia como uma autônoma. Andrey colocava a comida na boca dela e a ajudava a ir ao banheiro quando era necessário. Ele não tentou falar com ela também. Richard vinha e conversava com ela, mas ela permanecia indiferente fitando o vazio.
Após quase mais um mês no hospital, Andrey resolveu a deixar e ir para casa. Tomou banho e foi ao barbeiro. Quando se sentiu limpo de novo, pegou algumas roupas de Emma e colocou em uma mala e fez o mesmo com Caio e voltou para o hospital carregando duas malas e Caio. Entrou no quarto e pela primeira vez após Emma acordar, os olhos dela brilharam interessados ao ver seu filho. Caio correu e a abraçou e ela correspondeu. Andrey fingiu não perceber as lágrimas dela e sentou ao lado de sua cabeceira e segurou a mão dela, assim que Caio se afastou. Ela o fitou com frieza tentando tirar a mão. Mas Andrey não permitiu.
"Fiquei todos esses dias pensando em como poderia deixar você partir." Andrey começou e as lágrimas desciam pelo seu rosto, acompanhando suas palavras. "Sinto que não restou nada de bom entre nós dois para você recordar, no seu ver. Isso vai deixar uma marca em nós. A sua partida. E quando digo nós, estou incluindo Caio. Ele acreditou que seriamos uma família com papai, mamãe e irmãozinhos. Eu almejei que fossemos. Mas não adianta meus suspiros por uma vida que desejo ao seu lado se essa vida não corresponde também aos seus desejos. Você pode não saber agora, mas um dia vai entender que foi a única a me conhecer por inteiro. Não é fácil simplesmente me afastar de você, e creio que todas as minhas ações a levaram a desejar isso. Por alguns momentos compartilhamos dores, lágrimas e sorrisos. E deixar você ir, é a tarefa mais difícil para mim. Você é única. Mas há um espaço vazio entre nós que se alargou e não sei mais como preencher. Pelo menos vou guardar a lembrança de seu rosto... Mas se um dia, contra todas as possibilidades, pudermos começar de novo e de forma diferente, não reprima. Me dê essa oportunidade." Andrey disse e beijou a mão dela e se levantou. "Você vai encontrar uma autorização para ir onde quiser na sua mala. Também tem um cartão e o endereço de minha propriedade em Chicago. Uma mansão em um bairro diferente do que eu moro. Se puder se mudar para lá... Eu gostaria de continuar vendo e participando da criação de Caio. Vai receber uma pensão também na sua conta todos os meses." Andrey enxugou as lágrimas com a costa da mão. "Caio tem meu número no celular dele. Se precisar falar comigo." Andrey disse e dando volta na cama pegou Caio em seus braços e o apertou em um abraço longo e assim que o colocou no chão, saiu às pressas do quarto. Ele já havia deixado que Emma presenciasse muito de sua fraqueza.
Ele fechou a porta e se encostou na parede para chorar. Não sabia de onde vinha tanta dor. Era como se tivesse perdendo alguém. Mas nem Emma e nem Caio não pertenciam a ele. Ouviu a porta do quarto se abrir e não deu tempo para disfarçar. Ele olhou e Emma estava com a camisola do hospital e o apoio do soro na sua frente o fitando confusa.
"Podemos começar de novo." Ela disse como se não acreditasse na sua decisão.