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Capítulo 2 - Mary e Ethan II

2 anos atrás

No mesmo dia que se conheceram, naquela noite, a moça decidiu conhecer melhor Ethan enquanto estavam em volta de uma fogueira no terraço de um prédio abandonado. O garoto ainda estava com as roupas em trapos, mas ao menos seus ferimentos estavam tratados.

- Ethan.

- Hm...? – O menino ainda tinha um olhar vazio e perdido.

- Antes de mais nada, me diga, você tem pais? Sabe onde eles estão? – Mary pergunta de maneira calma. Ethan tenta se lembrar de algo e leva um tempo até conseguir falar.

- Eu... Não lembro quem são meus pais... Desde que eu consigo me lembrar, eu não parava em nenhum lugar por muito tempo... Eu só sabia que era por causa dos meus poderes... Diziam ser um poder único..., mas ninguém sabia o que era... – Ethan se lembra de como era sua rotina: desde que tem memórias, sempre foi vendido para todo canto do mundo. Muitos diziam que era o anti-singular, mas nem mesmo pesquisadores puderam determinar o que sua habilidade fazia, pois ela nem se manifestava.

Com isso, já que a situação do mundo não permitia continuar pesquisas mais aprofundadas, ele era sempre descartado por não conseguir utilizar seu poder, e muitas vezes era torturado para verem se dessa forma ele conseguiria manifestar sua habilidade. Nenhuma das vezes deu certo, mesmo com dores extremas e torturas físicas o tempo todo, ele não conseguia. Mas, por algum motivo quando ele viu Mary em ação, e ela encostou nele sem a pretensão de machucá-lo, a moça conseguiu sentir a habilidade dele como se tivesse ativado somente para ela.

- Certo... Ethan, você tem quantos anos? – Mary pergunta.

- Doze... Foi o que eu ouvi na última negociação. Para onde eu irei agora...? – Ele perguntava como se já imaginasse que Mary o venderia por um preço alto.

- ... – Isso de certa forma deixa a moça um pouco mal, ela estava basicamente com a vida de um menino totalmente quebrado por dentro em suas mãos. – Nenhum lugar.

Mary passou a cuidar de Ethan, deu-lhe roupas novas e tentou treiná-lo para se tornar alguém mais forte. Ela tentava, mas Ethan não conseguia lembrar de quase nada, sobre os experimentos que passou, quem já passou em sua vida, suas memórias se tornaram apenas vozes que ele sequer sabia de quem eram. O menino tinha algumas cicatrizes de corte nas costas e abdômen, e nos braços pareciam haver várias marcas roxas, como se ele fosse constantemente segurado fortemente por eles.

A ideia inicial de Mary era apenas que o garoto seria uma arma em potencial para ela utilizar, porém Mary percebeu que com essa mentalidade, mantendo-se afastada, fria e não criando afeição, de nada adiantava, o menino só se sentia desmotivado e não conseguia treinar.

Ethan somente não revidava os sermões e desapontamentos de Mary porque ele não tinha muito o que fazer, era ou ficar com ela e pelo menos ter comida e onde dormir ou morrer no mundo afora.

Mesmo que, por causa de seu passado, a moça não quisesse desenvolver outro laço, ela tentou ser mais aberta e compreensiva. Um dia, na tentativa de treino, Ethan acaba cortando a palma de sua mão por acidente com a faca. Ele já imaginava que receberia outra bronca de Mary e se prepara para tampar seus ouvidos, derramando sangue em sua orelha. Ele mal ligava para a dor nesse ponto.

Porém, para sua surpresa, o que a moça fez foi pegar calmamente a mão de Ethan e enfaixá-la. O garoto olha confuso para Mary, que não expressava nada, apenas se mantinha quieta ela então pega a faca do chão e devolve para Ethan.

- Se utilizar a outra mão a tempo, não vai acabar agarrando a lâmina. Tente. – Mary diz em um tom calmo.

Ethan ainda estava confuso, mas decide tentar mais uma vez. Ele se posiciona, faz um movimento de corte com a faca, joga ela para cima, girando-a e dá um soco no ar, em seguida ele utiliza a outra mão para enfim agarrar o cabo da faca ao invés da lâmina. Isso surpreende o garoto, que parece sentir uma ponta de felicidade, e mesmo que Mary não demonstrasse, havia deixado-a orgulhosa.

Naquela mesma noite, os dois estavam em um cômodo prontos para descansar, ao menos o garoto, que estava deitado em uma espécie de lençol no chão, enquanto Mary ficava de vigia na porta, somente encostada na parede. O garoto então decide perguntar algo.

- Mary... Eu nunca consegui saber, você por acaso entendeu qual é meu poder? – Ethan dizia timidamente. Pensando se deveria aceitar a tentativa de aproximação do garoto, ela decide falar.

Enquanto o tempo passava, os dois precisavam constantemente mudar seu esconderijo e evitar conflitos contra singulares que a albina sentia serem mais poderosos. Houve apenas uma ocasião que foi inevitável, uma pessoa com poder de vigor infinito confrontou Mary, e, quando a moça já estava cansada e Ethan no chão, o garoto tentou buscar uma solução em volta, e por sorte acabou achando uma pistola junto a um cadáver.

Tinha apenas uma bala e, mesmo que o garoto só tenha lido uma vez sobre armas de fogo numa revista que achou no chão, ele, tremendo, dispara e acerta bem no pulmão direito do rapaz. Agora com ele nesse estado, Mary conseguiu finalizá-lo.

A moça olhou para o garoto, que estava sentando no chão quase lacrimejando de tanto nervosismo e viu que poderia ser uma boa escolha para ele utilizar pistolas, pois assim se manteria longe o suficiente para não ser acertado pelo singular, mas perto o suficiente para poder ajudar Mary. Mesmo que o poder dele exigisse que encostasse na pessoa para ativar, talvez fosse melhor por enquanto que o garoto mantivesse distância.

A primeira tentativa de verdade de Ethan praticar com uma arma não deu muito certo. Naquela hora o menino provavelmente conseguiu disparar por causa do desespero que lhe deu uma adrenalina a mais. Agora mais calmo, Ethan mal conseguia sustentar uma pistola levantada, sempre tinha que segurar com as duas mãos. Mary havia esquecido de um fator importante, Ethan não tinha força para aguentar o coice de uma arma, mesmo que fosse uma arma bem leve para alguém treinado, uma Glock 26.

Um único tiro foi o que o garoto conseguiu dar, pois, depois dele, a arma rebateu para trás e acertou sua testa, quase apagando-o e levando Ethan ao chão. Quando Mary o ajudou a se levantar, viu a testa do menino sangrando e ele ficando confuso com algo escorrendo em seu rosto.

Ficou claro para a moça que aquilo seria mais trabalhoso do que ela pensava, era o mesmo que ensinar o básico a uma criança no meio de um fogo cruzado. Mesmo que Mary tivesse um foco de querer derrubar os singulares dos Heróis, ela não podia simplesmente deixar Ethan para trás naquele momento. Apesar de seu passado conturbado, ela ainda tinha um pequeno senso de moral e ética. Querendo ou não, ela agora era responsável por garantir a segurança dos dois.

Decidida então, Mary passou a ensinar tudo que aprendeu em seus treinos para Ethan. Começando por coisas básicas como correr para tornar seu corpo mais resistente a esforço, flexões para ele começar a ter mais força e socar um saco de pancadas para aprender como realizar um golpe sem machucar a mão. Visto que, após um bom tempo só nisso, Ethan já estava ficando forte o suficiente, a moça começa a ensiná-lo sobre combate corpo a corpo e sobre como escapar de situações complicadas.

Mary encontra um lugar bom para ele treinar, no terraço de um sobrado destruído. O caminho era cheio de destroços e pequenas estruturas feitas de terra. A moça se ajoelha na altura de Ethan e o mostra o que deve fazer.

- Seu objetivo é chegar até aquele prédio, há uma janela quebrada nele. – Ela aponta para a estrutura que estava um pouco mais afastada do último sobrado. Era necessário um salto grande para chegar nele, mas era possível. – Primeira lição, Ethan.

- Pense rápido, certo?

- Sim, visualize a área ao seu redor, pense na melhor trajetória por ela e o que pode usar a seu favor. Mas pense rápido, podem ser questão de segundos ou até milésimos. Saiba assimilar o que você consegue ou não fazer, e se o tempo necessário é o bastante. – Ela dizia mostrando a área à frente do garoto.

- É muita coisa para lembrar...

- Deve se acostumar, estarei vendo de perto seu progresso. – Ela diz e se levanta, pegando impulso e correndo na direção da beirada do terraço, saltando na direção de outro, onde no meio havia uma estrutura de terra e, sem perder o equilíbrio, usa o pedaço de terra como base para saltar até o terraço logo em frente. Ela então olha para trás e faz um sinal indicando para Ethan vir.

O garoto fica apreensivo, respira fundo e tenta repetir o que sua mestra fez. Até consegue se manter equilibrado na estrutura de terra, porém, ao pular para o terraço logo a frente, ele escorrega na ponta dele e bate a canela na quina do terraço. Ethan grita de dor e quase cai da estrutura, porém Mary agarra seu braço antes e o puxa para cima.

Contendo seu choro e apenas gemendo de dor pela perna, a moça levanta o rosto do menino e pergunta:

- Se o que aconteceu não te impede de continuar andando, não pare, entendeu?

Ethan ouve aquelas palavras e então levanta-se e não consegue conter algumas lágrimas de dor, sua perna continuava latejando de dor.

- Não parou... – Ele dizia com dificuldade.

- E você também não deve. – Mary ajoelha ao lado do garoto e aponta para frente. – Sem parar, Ethan, não olhe para trás, e não tenha medo de errar para aprender, entendido?

- Sim... – Ethan seca as lágrimas e olha para frente. Ele então começa a andar um pouco mancando, evoluindo para uma corrida dolorosa, até chegar ao ponto em que ele simplesmente ignora a dor e continua correndo até chegar na beirada do terraço.

Ele então salta e, assim que aterrissa em outro pilar de terra no meio do caminho, ele já pula para o terraço em sua frente. Ethan chega do outro lado com bem mais facilidade. O garoto então é visto com roupas mais gastas, um pouco mais alto e um corpo melhor, até mesmo com ataduras pelos braços e joelhos.

Dessa vez o caminho do terraço era com mais obstáculos. Ele então corre, salta por cima de um destroço relativamente pequeno de concreto sem dificuldade, depois usa outro logo à frente de base para pular um buraco que havia ali no meio. Então se vê de frente com alguns pilares de concreto posicionados diagonalmente um ao outro, onde algumas barras de aço estavam expostas das estruturas e mais acima algo que lembrava o restante de um andar daquele prédio. O garoto então utiliza do pilar mais próximo para pegar impulso e então saltar de barra em barra até chegar no andar superior.

Ele agarra a beirada do local e quase se desequilibra, ficando suspenso por uma mão apenas. Ele olha para baixo, alguns fragmentos de pedra caindo em direção ao chão, era uma queda relativamente alta. Ethan então recupera-se e agarra com a outra mão também, precisando de um certo esforço para subir definitivamente na estrutura. Assim que ele sobe, nos buracos que deveriam ser as janelas, haviam dois bonecos de pano posicionados ali.

Ethan então saca sua faca e perfura o boneco logo em sua frente no local que seria o peito, em seguida ele saca a pistola de seu coldre nas costas e atira na cabeça do da esquerda. O garoto então retira a faca e chuta o boneco, fazendo-o cair prédio abaixo. Ethan, assim que se posiciona na beirada, é visto com uma calça cargo preta surrada, um tênis all star gasto, uma camiseta regata verde com capuz, e seu cabelo que antes era de certa forma comprido, estava raspado nas laterais. Além disso, seu porte físico estava mais atlético e sua altura um pouco maior que antes.

O garoto olha para frente e vê no fundo o prédio com uma janela quebrada, onde nele estava posicionada Mary, vendo o progresso de Ethan. E mesmo que não demonstrasse ou talvez não quisesse admitir, estava orgulhosa de como ele evoluiu em apenas 2 anos. Porém é claro, o menino ainda tinha que chegar no prédio, então ele retoma seu fôlego e parte para tentar alcançá-lo.

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Tempos atuais

Enquanto Ethan jantava um espeto de peixe, ele pensava como diabos Mary conseguiu aquilo, ao menos estava bom. Mary observava a chama e mexia um pouco nela para não apagar.

- Mary... – Ethan começa.

- Hm?

- É... Você por acaso teve ou tem uma família? – O garoto ao menos queria saber o que era ter uma. A moça levanta o olhar para ele, aquela expressão neutra e fria, que deixa o garoto assustado, mas para sua surpresa, Mary não o reprime, na verdade só leva um tempo para responder.

- Sim... Eu já tive.

- E... O que aconteceu?

- ... Um singular dos Heróis. Eu não consegui entender na hora o que ele podia fazer, estava bem escuro. – Mary se lembra dela, seus pais e irmãozinho tentando correr de um trio de singulares. Um deles faz um movimento com as mãos, e a mãe, percebendo que algo estava vindo, empurra sua família para o lado, e quando Mary olhou para onde sua mãe estava, só havia um braço e as pernas de sua parente, o restante de seu corpo simplesmente havia sumido.

Ela então olha para o lado e vê seu irmãozinho tentando correr em sua direção. Mary estava deitada no chão e por isso foi capaz de evitar ser acertada por algo. A mesma coisa que fez o corpo de sua mãe sumir também fez o mesmo com o pequeno. A última coisa que ela ouviu foi seu irmãozinho gritando pela irmã e depois seu corpo havia sumido totalmente. Por último seu pai, que, assim que se levantou e viu o braço e pernas de sua esposa apenas, ficou totalmente enraivecido e se virou para os três singulares.

Ele tenta sacar a katana que tinha em sua mão, mas antes de a retirar da bainha, sua perna esquerda também havia sumido, fazendo-o cair no chão em agonia. Mary nem sabia como reagir, as lágrimas escorriam por seu rosto sem parar, porém ela estava tão perdida que nem voz tinha. A última coisa que Mary se lembra era de seu pai lhe entregando a katana e falando para ela fugir.

- Mas... Por quê? – Ethan pergunta.

- Aparentemente meu pai já foi um Herói, mas se aposentou. Só que, antes disso, ele havia feito uma jura de sangue com o grupo, e não quis cumprir quando cobrado. – Mary dizia com a cabeça baixa. – Quer dizer... Ele não tem exatamente culpa, mas... – Ela fechava o punho, um misto de dor e tristeza. Ethan vê aquilo e se sente um pouco culpado.

- D-desculpa, eu não devia me intrometer. – Ele fica com a cabeça baixa.

- Não, tudo bem... O que importa é conseguirmos derrubar os Heróis. – Mary diz relaxando a mão.

- Ah... Verdade, conseguiu alguma informação na naquela tribo de viajantes? – Ethan levanta a cabeça, tentando mudar de assunto.

- Não, e na verdade muitos ali disseram que não querem ir contra os Heróis, seria suicídio. Mas acho que tenho uma última opção, mais a frente daqui tem um grupo meio pequeno de singulares da qual ajudei no passado: os Cicatrizes.

- Será que são fortes? – Ethan diz tentando abrir um sorriso.

- Você vai ver. – Mary se levanta e vai na direção da janela daquele prédio destruído. – Termine de comer e vá dormir.

- Sim, senhora. – Ethan diz, terminando de comer o peixe.

Mary fica olhando o céu noturno e estrelado, o vento balançava seus cabelos brancos enquanto ela fazia uma promessa a si mesma de que iria acabar com o grupo. Se preciso, iria assassinar quantos Heróis fossem necessários.

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Um pouco longe dali, na tribo que Mary havia visitado, um singular tinha um brilho azul em sua mão, mostrando algo que pareciam ser coordenadas, ele ria enquanto olhava para alguém ao seu lado. Outro singular, dessa vez bem alto, parrudo, com um moicano preto e curto, ele também sorri.

- Encontramos. Estão dando uma grana boa para quem a matar e trazer o garoto vivo. Você consegue né, Dex? – Dizia o singular com o brilho na mão.

- Sabe o porquê do garoto? Ah, não tem problema, pode deixar comigo. – O outro logo ao lado diz enquanto mostrava seu braço e seu sorriso. O braço dele começa a se envolver em algo que parecia músculo vivo.

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