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A Crônica do Contador de Histórias

Após uma vida de poucas conquistas e repleta de arrependimentos, Vanitas recebe uma segunda chance ao reencarnar como um bebê em um mundo onde magia e espadas fazem parte do cotidiano. Determinado a deixar seu passado para trás, ele abraça essa nova chance, vivendo com uma trupe itinerante de artistas da corte. Entre apresentações e jornadas por novas terras, Vanitas aprimora seu talento nato para o alaúde, mas é na magia que seu verdadeiro poder desperta. Sob a tutela da poderosa Arcanista Marceline, ele mergulha nos segredos da simpatia, a arte mágica que, desde o início, acendeu seu desejo de invocar o vento. No entanto, o destino de Vanitas toma um rumo inesperado quando cruza caminho com o enigmático grupo Sombraim, cujos segredos ocultos trazem à tona verdades sombrias sobre o mundo e sobre sua própria reencarnação. Em busca de respostas, Vanitas parte em uma jornada por terras desconhecidas, onde cada nova descoberta o arrasta ainda mais profundamente para os segredos esquecidos da história. Ao longo do caminho ele encontra aliados improváveis, constrói amizades inquebráveis e se apaixona... mas o que realmente aguarda em seu destino é algo que supera tudo isso. Com a chance de mudar o mundo em suas mãos, Vanitas precisa decidir entre seguir o caminho das revelações ou se perder nos laços do amor e da amizade. O peso dessa escolha pode mudar para sempre o curso de sua vida — e a de todos ao seu redor.

porep · Kỳ huyễn
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LXXXII. FOLES PT.9

Após o final da apresentação de alaúde da corte, Alys tornou a falar entre os aplausos:

— Achei que você tinha cometido um erro quando duplicou o refrão naquela hora. Nem pude acreditar que realmente quisesse uma estranha para acompanhá-lo. Nunca vi ninguém fazer isso, a não ser em volta de fogueiras, à noite.

Dei de ombros.

— Todo mundo me dizia que era aqui que os melhores músicos se apresentavam — retruquei, com um gesto largo em direção a ela. — Confiei em que alguém conheceria a música.

Alys ergueu uma sobrancelha e disse:

— Foi por pouco. Fiquei esperando que outra pessoa entrasse, não eu. Pessoalmente, estava meio nervosa com a ideia de participar.

Fitei-a, intrigado.

— Por quê? Você tem a voz linda.

Ela fez uma careta acanhada.

— Eu só tinha ouvido a música duas vezes até hoje. Não tinha certeza de me lembrar de toda ela.

— Duas vezes?

Alys balançou a cabeça:

— E a segunda foi há apenas uma onzena. Um casal a tocou num jantar formal a que fui em Aetia.

— Está falando sério? — perguntei, incrédulo.

Ela inclinou a cabeça de um lado para outro, como se tivesse sido apanhada numa mentirinha. O cabelo negro caiu-lhe no rosto e ela o afastou, distraída.

— Está bem, acho que ouvi o casal ensaiar um pouco, antes do jantar...

Abanei a cabeça, mal conseguindo acreditar em meus ouvidos.

— Isso é impressionante. A harmonia é terrivelmente difícil. E lembrar a letra toda... — comentei, deslumbrando-me em silêncio por um momento e abanando a cabeça. — Você tem um ouvido incrível. 

— Você não é o primeiro homem a dizer isso — veio a resposta em tom irônico —, mas talvez seja o primeiro a dizê-lo olhando de verdade para os meus olhos.

Alys baixou a cabeça, num gesto significativo.

Eu começava a enrubescer furiosamente quando ouvi uma voz conhecida atrás de nós.

— Ah, aí está você!

Ao me virar, deparei com Balken, meu alto e belo amigo e cúmplice das aulas de Simpatia Avançada.

— Aqui estou — respondi, surpreso por ele ter me procurado. E duplamente surpreso por ter tido a descortesia de me interromper quando eu mantinha uma conversa particular com uma moça.

— Aqui estamos todos — disse Balken, sorrindo para mim ao se aproximar e envolvendo sem cerimônia a cintura de Alys com um braço.

Fingiu uma cara fechada para ela:

— Eu vasculho os andares inferiores, tentando ajudá-la a achar o seu cantor, e, enquanto isso, cá estão vocês dois, juntinhos feito dois ladrões.

— Tropeçamos um no outro — disse Alys, pondo a mão sobre a dele, que descansava em seu quadril. — Eu sabia que você voltaria, nem que fosse para buscar sua bebida...

Fez sinal com a cabeça para uma mesa próxima, que estava vazia, a não ser por um par de taças de vinho.

Os dois se viraram e voltaram de braços dados para a mesa. Alys olhou para trás e fez com as sobrancelhas uma espécie de dar de ombros. Não tive a menor ideia do que significava aquela expressão.

— Mal pude acreditar que era você lá embaixo — disse-me. — Pensei ter reconhecido a sua voz, mas... — fez um gesto para indicar o andar mais alto da Foles — embora o terceiro andar proporcione uma privacidade cômoda para os jovens enamorados, a visão do palco deixa um pouco a desejar. Eu não sabia que você tocava.

Passou o braço comprido pelos ombros de Alys e me deu seu encantador sorriso de olhos azuis.

— De vez em quando — retruquei com irreverência enquanto me sentava.

— Foi sorte sua eu ter escolhido a Foles para nos divertirmos hoje — disse Balken. — Caso contrário, você só teria tido ecos e grilos para acompanhá-lo.

— Nesse caso, tenho que lhe agradecer — respondi, com um aceno da cabeça.

— Você pode me agradecer chamando o Leif para ser seu parceiro da próxima vez que jogarmos quatro cantos. Desse jeito, será você a arcar com o prejuízo quando aquele cretino tonto pagar para ver a carta mais alta e só tiver um par.

— Combinado, embora isso me entristeça — respondi. Virei-me para Alys. — E você? Eu lhe devo um grande favor. Como posso retribuir? Peça qualquer coisa e eu a darei, se estiver dentro das minhas habilidades.

— Qualquer coisa dentro das suas habilidades — repetiu ela, brincando. — E o que mais você sabe fazer, além de tocar tão bem que até Ardonai e os anjos seriam capazes de chorar ao ouvir?

— Acho que eu poderia fazer qualquer coisa — retruquei prontamente —, desde que você pedisse.

Ela riu.

— É perigoso dizer isso a uma mulher — comentou Balken. — Especialmente a essa. Ela o fará buscar uma folha da árvore cantante do outro lado do mundo.

Alys reclinou-se na cadeira e me fitou com um olhar perigoso.

— Uma folha da árvore cantante... — meditou. — Seria bom ter isso. Você traria uma para mim?

— Traria — respondi, e fiquei surpreso ao descobrir que era verdade.

Ela pareceu considerar a ideia, depois abanou a cabeça, com ar brincalhão.

— Eu não poderia mandá-lo viajar para um lugar tão distante. Terei que guardar o meu favor para outro dia.

Dei um suspiro.

— Então continuo tendo uma dívida com você.

— Oh, não! — exclamou ela. — Mais um peso no coração do meu Silver...

— À razão de eu estar com o coração tão pesado é meu medo de nunca saber o seu nome. Eu poderia continuar a pensar em você como Lafleur. Mas talvez isso levasse a uma confusão lamentável.

Alys me lançou um olhar especulativo.

Lafleur? Bem que eu poderia gostar disso, se não o achasse um mentiroso.

— Mentiroso? — rebati, indignado. — A primeira coisa em que pensei ao ver você foi: "Lafleur! Que fiz eu? A bajulação de meus pares lá embaixo foi um desperdício de horas. Pudesse eu recordar os momentos que por descuido joguei fora, restar-me-ia tão-só a esperança de usá-los com mais senso agora e de me aquecer a uma luz rival do sol na aurora."

Alys sorriu. 

— Mentiroso e ladrão. Você roubou isso do terceiro ato de Daeonica.

Ela também conhecia Daeonica?

— Confesso minha culpa — admiti sem pensar. — Mas isso não faz do dito uma mentira.

Alys sorriu para Balken e tornou a se virar para mim.

— Está tudo muito bem com a lisonja, mas ela não lhe garantirá a obtenção do meu nome. O Balken mencionou que você tem acompanhado o ritmo dele na Academia, o que significa que vem mexendo com forças obscuras que melhor seria deixar sossegadas. Se eu lhe dissesse meu nome, você teria um poder terrível sobre mim.

Sua boca estava séria, mas o sorriso se mostrava no canto dos olhos e na inclinação da cabeça.

— Muito verdadeiro — retruquei com igual seriedade. — Mas eu lhe proponho um negócio. Te darei meu nome em troca. Assim também ficarei em seu poder.

— Você seria capaz de me vender minha própria blusa. O Balken sabe o seu nome. Presumindo que ainda não o tenha dito a mim, posso obtê-lo com ele com a facilidade com que respiro.

— É verdade — confirmou Balken, parecendo aliviado por nos lembrarmos de sua presença. Em seguida segurou e beijou as costas da mão de Alys.

— Ele pode lhe dizer o meu nome — declarei, com ar indiferente —, mas não pode dá-lo a você. Isso só eu posso fazer.

Espalmei uma das mãos na mesa:

— Minha oferta está de pé: o meu nome em troca do seu. Quer aceitá-lo, ou serei forçado a sempre pensar em você como uma Aloise, e nunca como você mesma?

Os olhos dela bailaram.

— Muito bem. Mas receberei o seu primeiro.

Inclinei-me para a frente e lhe fiz sinal para que também se inclinasse. Ela soltou a mão de Balken e virou uma orelha para mim. Com a devida solenidade, sussurrei meu nome em seu ouvido: Vanitas.

Alys tinha um vago aroma de flores que imaginei ser um perfume, mas por baixo dele estava sua própria fragrância, como relva verde, como a estrada desimpedida após um chuvisco de primavera.

Depois disso, Alys tornou a se encostar na cadeira e pareceu refletir um pouco.

— Vanitas — acabou dizendo. — Cai bem em você. Vanitas — repetiu. Seus olhos cintilaram como se ela guardasse um segredo bem escondido. Disse meu nome devagar, como se o provasse, e então meneou a cabeça. — O que ele significa?

— Significa muitas coisas — respondi, com minha melhor voz de o Grande Valoran. — Mas você não me distrairá com essa facilidade. Já paguei e agora estou em seu poder. Quer me dar o seu nome, para que eu possa chamá-la por ele?

Ela sorriu e tornou a se inclinar para a frente, o que também fiz. Ao virar a cabeça de lado, senti uma mecha solta de seu cabelo roçar em mim.

— Alice — disse ela, e seu hálito morno foi uma pluma em minha orelha. — Alice.

Ambos nos encostamos nos espaldares das cadeiras. Quando não teci nenhum comentário, ela me instigou:

— Então?

— Entendi — assegurei-lhe. — Com tanta clareza quanto sei o meu.

— Então diga-o.

— Eu o estou guardando — tranquilizei-a, sorrindo.

— Presentes como esse não devem ser desperdiçados.

Ela me olhou.

Cedi.

— Alice — disse. — Alice. Também cai bem em você.

Fitamo-nos demoradamente e então notei que Balken me encarava com um olhar não muito sutil.

— Preciso voltar lá para baixo — declarei, levantando-me depressa. — Tenho pessoas importantes para conhecer.

Arrepiei-me por dentro com a petulância dessas palavras assim que as proferi; mas não consegui pensar numa forma menos canhestra de retirá-las.

Balken levantou-se e apertou minha mão, sem dúvida ansioso por se livrar de mim.

— Parabéns por esta noite, Vanitas. Até a vista.

Virei-me para Alys, também de pé. Ela me olhou nos olhos e sorriu.

— Também espero revê-lo — disse, e estendeu a mão. Dei-lhe meu melhor sorriso.

— Há sempre uma esperança.

Eu pretendia dar a isso um ar espirituoso, mas as palavras pareceram tornar-se grosseiras no instante em que me saíram da boca. Tive de me retirar antes que desse um vexame ainda maior.

Apertei rapidamente a mão dela. Tinha um leve toque de frieza. Macia, delicada e forte. Não a beijei, porque Balken era meu amigo, e isso não é coisa que se faça a um amigo.

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Devido ao bom tempo e com uma ajuda considerável de Droch e Alas, fiquei bêbado. 

E foi assim que três estudantes fizeram seu percurso meio errático de volta para a Academia. Havia quietude e, quando o sino da torre marcou hora avançada, ele menos rompeu o silêncio do que o sublinhou. Os grilos também o respeitaram. Seu guizalhar costurou pontos cuidadosos na trama de silêncio, quase pequenos demais para serem ouvidos.

A noite os envolvia como um veludo cálido. As estrelas, diamantes candentes no céu sem nuvens, transformavam em cinza-prateado a estrada a seus pés. A Academia e Torrente eram os fulcros do entendimento e da arte, os mais importantes de toda Roshar.

Ali, na estrada entre as duas, não havia nada além de árvores antigas e capim alto curvando-se ao vento.

Era uma noite perfeita, de um jeito selvagem, quase assustadoramente bela.

Os três meninos, um moreno, um louro e um — na falta de outra palavra melhor — prateado, não notaram a noite.

Talvez parte deles a tenha notado, mas os três eram jovens e estavam bêbados, ocupados demais em saber, no fundo do coração, que jamais envelheceriam ou morreriam.

Sabiam também que eram amigos e que compartilhavam um amor certeiro que nunca os deixaria.

Sabiam muitas outras coisas, mas nenhuma parecia tão Importante quanto essa.

Talvez tivessem razão.