Ana corria a toda velocidade em direção ao castelo. Um vento frio cortava seu rosto, mas ela não se importava. Quando saiu com Nyx, havia seguido pelas laterais do campo de batalha, evitando o núcleo do exército inimigo para caçar e enfraquecer as forças adversárias que estivessem dispersas. Agora, no entanto, seu caminho era direto: estava voltando pelo portão central da muralha interna.
"Seria egoísmo ir sozinha".
O pensamento de reunir-se com os membros do Punição Divina a fez sorrir. A ideia de avançar sozinha era tentadora, mas um lampejo de altruísmo a fez decidir pelo contrário. Eva e Alex estavam no comando do exército de elite, então não era um problema dar uma passada rápida por lá. Claro, o convite que faria aos outros era mais do que camaradagem ou de sua divertida bondade incomum; era fruto do fervor em seu peito, pulsando com a antecipação do que estava por vir.
A notícia de Natalya mexeu com algo dentro dela. Estava animada. Não conseguia conter o canto que se formava, e sua voz, embora suave, carregava a melodia de uma ironia peculiar, ecoando suavemente no silêncio que precedia a tormenta.
— Talvez eu morra hoje… 🎵 — entoou despreocupadamente, deixando as palavras flutuarem por aí. A possibilidade, no entanto, não a incomodava. Pelo contrário, dava um sabor único à sua corrida.
Ana sabia que havia se fortalecido. Seus treinos, suas reservas de energia, tudo acumulado para este momento. Mas, no fundo, uma sombra de incerteza permanecia. Estava indo ao encontro de uma oponente que não conseguiu medir adequadamente no passado, era um salto no desconhecido.
A mulher era um nome que dançava entre o mito e a realidade, uma sombra projetada por luzes que ninguém parecia conseguir alcançar. As histórias que a rodeavam eram muitas, mas todas tinham algo em comum: um ar de mistério tão impenetrável quanto as defesas de um castelo bem guardado. Assim, para Ana, o desafio estava antes mesmo do confronto direto; começava na tentativa infrutífera de entender o que, ou quem, ela realmente era.
Sabia, após muitas buscas, que ela viajava pelo mundo inteiro, como um vento invisível que passava por territórios em guerra e cidades em paz, sempre deixando um rastro de rumores e silêncio. Não importava onde fosse vista, ela nunca ficava por muito tempo. Suas incursões eram cirúrgicas: um artefato desaparecido aqui, um segredo roubado ali, e daí veio o apelido tão conhecido, Colecionadora. Direto e, de certa forma, um pouco imponente.
O que ela colecionava, exatamente? Para Ana, isso era quase irrelevante.
Era a forma como o fazia, sempre à margem das regras e das leis, que chamava atenção, alimentando a aura que a cercava. Diziam que adquiria tudo que queria sem se importar com os meios, algo que a rainha mercenária gostaria de ter descoberto antes. Havia até quem jurava que não roubava apenas objetos, mas também histórias, memórias, vidas. Tudo o que fosse raro ou único parecia atrair seu interesse insaciável.
Alguns iam além, sussurrando que nem mesmo era humana, que seu corpo, transcendendo o comum, era um presente – ou talvez uma maldição – de outro mundo, tão avançado que faziam os maiores inventores parecerem amadores. Outros insistiam que havia mais de uma Natalya, que ela era um nome compartilhado entre múltiplas figuras ao redor do globo, cada uma cumprindo um papel em uma conspiração meticulosa.
Existiam registros conflitantes que alimentavam essa teoria. Uma transação na costa da Argentina no mesmo dia em que foi avistada nas docas de Montevidéu, negociando com mercadores de armas. Um jantar em Lisboa poucas horas depois de um roubo audacioso em Marselha. Lugares separados por distâncias impossíveis após a expansão do Novo Mundo em intervalos tão pequenos. E, ainda assim, os relatos eram irrefutáveis. Testemunhas confiáveis, registros de rádio, diários náuticos – tudo apontava para a mesma: essa pessoa desafiava qualquer lógica.
Por vezes, havia uma ideia mais simples – e talvez a mais temida: a Colecionadora era uma das Sombras. Era mais uma acusação do que um fato, claro, mas mesmo essas palavras tinham o poder de arrepiar os mais corajosos. Com exceção de raros lugares do mundo que endeusavam, apreciavam ou simplesmente não ligavam para as Sombras, a reputação deste estranho grupo não era das melhores. Desta forma, quem não entenderia mal uma mulher que parecia ir tão além do conhecimento comum?
Um pouco mais abaixo da superfície, circulavam também suas histórias de Aurórea. A Colecionadora havia sido uma das pioneiras do mundo mercenário, deixando uma marca inegável em apenas dez anos. Era como se ela tivesse nascido para aquilo, uma predadora natural em um mundo cheio de caçadores sintéticos, um mito vivo. Simplesmente ninguém podia ignorar a influência que exercia. No entanto, até isso estava envolto em camadas e mais camadas de segredos.
— Bem, independente de tudo, é uma luta que tem que acontecer… — murmurou a rainha, em uma frase carregada de intenção. Não era uma conversa, nem uma reflexão, apenas palavras soltas no ar. Não se importava de falar sozinha; era algo que fazia parte de quem ela era, uma característica que, diga-se de passagem, aprendeu a gostar ao longo do tempo. — Ela queria tanto minha faca… Tenho certeza que vai adorar ter o pedido atendido quando essa belezinha perfurar aquele rabo brilhante dela.
Riu baixinho, mais para si do que para qualquer outra pessoa. Porém, seu riso se perdeu após poucos passos, sendo engolido pelos sons de batalha que começavam a surgir à frente. Ana parou por um momento, ouvindo com atenção. Sabia quem estava lutando nesta área.
Escudos de Petálas, a guilda de Jasmim.
Eram uma força peculiar. Não tinham a ferocidade desenfreada de outras guildas ou o estilo caótico que muitas vezes confundia o inimigo. Não. Eles eram metódicos, disciplinados. Carregavam grandes escudos e utilizavam formações que pareciam mais um ritual do que uma estratégia militar.
Se destacavam por suas táticas defensivas que garantiam a menor taxa de baixas em missões dentre todas as guildas de Barueri. Mesmo em uma guerra, eles se moviam como uma unidade única, atacando e recuando com uma sincronia que parecia coreografada. O caos que dominava as outras frentes pela cidade não estava presente aqui.
Era quase silencioso.
De forma semelhante, os mascarados de Insídia, de adultos a crianças, os encaravam sem hesitação. Suas habilidades, tão variadas quanto imprevisíveis, os tornavam difíceis de atingir.
Sem gritos, sem grunhidos. Era uma cena perturbadora e hipnotizante.
Um manipulador ou outro de Barueri tentava lançar algo quando sobrava espaço, mas a eficácia era questionável. Chamas e demais elementos simples não afetavam os corpos de pedra dos mascarados. A eletricidade, por exemplo, quando tentada, muitas vezes se voltava contra os próprios aliados puros, com a energia excedente explodindo de armaduras e equipamentos de forma imprevisível.
No campo de Insídia, existiam também alguns corrompidos que faziam parte da elite. Eram poucos, mas habilidosos. Diferente dos confiantes mascarados, mantinham-se mais afastados, esperando as brechas certas para intervir. Já no topo das casas, arqueiros sob o comando de Eva mantinham um ataque constante, mas enfrentavam claras limitações contra um exército tartaruga como este. Suas flechas encontravam escudos ou simplesmente ricocheteavam nas formações impenetráveis.
Ana observava a cena de longe, escondida em um canto mais escuro, seus olhos analisando cada movimento. Sua mente, sempre afiada, conectava os pontos rapidamente.
— Isso pode ser um problema… — resmungou, mais uma vez para si mesma, mas não ficou parada.
Assim que notou as costas expostas dos primeiros soldados de Barueri, respirou fundo e se esgueirou para uma das construções ao lado. O espaço era estreito, apertado devido à longa arma que carregava, mas com um pouco de esforço ainda conseguiu atravessar sem muitos problemas, um passo de cada vez em direção ao seu doce destino de vingança.
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