Ana corria a toda velocidade pelos túneis escuros, cada músculo trabalhando em sincronia, os pés mal tocando o chão antes de empurrá-la para frente. A espada negra balançava com o movimento, presa firmemente pelas suas mãos enquanto ocasionalmente criava faíscas ao raspar na pedra, mas sempre pronta para ser usada. Em um movimento fluido, a mercenária fincou no chão e, com um impulso calculado, usou o peso para girar bruscamente, fazendo uma curva fechada sem perder o ritmo.
— Maldita ideia estúpida — resmungou, os dentes cerrados de leve.
O barulho que vinha dos túneis era assustador, ressoando nas paredes como um trovão constante, aumentando a sensação de perigo iminente. Eram patas, centenas, talvez milhares, que corriam em todas as direções.
Sua visão aos poucos escurecia, e, sem perder tempo, alcançou um pequeno frasco preso ao cinto e o enfiou no ombro com força. O líquido reagiu quase imediatamente, e em poucos segundos sua visão, que havia sido ofuscada pela escuridão dos túneis, se clareou novamente.
— Só mais cinco — murmurou, contando as ampolas de vidro do mesmo tipo que ainda possuía — Preciso sair daqui em menos de três horas, se não vai ficar mil vezes mais difícil…
Foi nesse exato instante que, de uma das encruzilhadas à frente, algo emergiu da escuridão. Uma boca grotesca e desproporcional voava em direção ao seu rosto com uma voracidade monstruosa. Ana abaixou-se rapidamente por reflexo, o ataque passou sobre sua cabeça por um triz. Enquanto a criatura voava por cima dela, pôde ver com detalhes o abdômen pulsante e suas patas curtas e deformadas.
Sem hesitar, girou a espada em um arco brutal, cortando a criatura ao meio. O sangue viscoso manchou o chão quando o corpo despedaçado caiu com um baque seco, mas Ana já estava correndo de novo.
— É uma sorte que pareçam miniaturas das que lutei no abismo — comentou em direção ao nada, mantendo a passada.
Suas mãos atingiam cada criatura que se aproximava com precisão perfeita, derrotando-os com o mínimo de esforço ao eliminar as lacunas do exoesqueleto. No entanto, a dificuldade era muito maior que a do abismo. Não eram como os insetos caóticos e descoordenados que conhecia, nestes túneis, atacavam em formação, como se fossem parte de um todo maior. Eles vinham em ondas, não em pequenos grupos isolados. Ana cortava o que conseguia, sua lâmina ceifando vidas com precisão, mas a cada golpe sabia que estava ficando com menos tempo.
— Da próxima vez — comentou entre dentes, seu tom carregado de auto ironia — Vou gastar mais de cinco segundos pensando num plano.
Tudo havia começado minutos antes com uma ideia impulsiva. Se os emissários já estivessem mortos, que sentido faria negociar? Por que não infiltrar-se e descobrir o que precisava primeiro? Assim, sem mais nem menos, Ana começou a cavar por baixo dos muros usando a ponta da espada e um pouco de mana, esperando que o terreno fosse simples o suficiente para realizar sua incursão.
Foi uma surpresa quando, pouco depois, se viu despencando no vazio. Em vez de solo comum, encontrou uma rede subterrânea de túneis vastos e interconectados, muito maiores do que havia imaginado, mas não tão profundos quanto.
A queda foi rápida e, quando se levantou, notou que não estava sozinha. Cinco corrompidos, com partes de seus corpos semelhantes aos finos membros de formigas, estavam ali, reforçando as paredes do túnel. Conversavam animadamente, como se estivessem apenas realizando um trabalho rotineiro, sem imaginar o que acontecia ao redor. Todos ficaram paralisados no momento em que a viram, os olhos arregalados, congelados pela surpresa.
Ana os observou de volta por um segundo, e depois os matou. Cada um deles. Rápido, preciso, sem hesitação.
— Não me culpem. Não posso ser descoberta tão cedo — sussurrou enquanto os corpos caíam ao chão.
Sem dar uma segunda olhada para eles, deu passos ágeis pelos longos corredores. Foi aí que o caos começou. Trabalhadores, ou talvez guerreiros, começaram a surgir de todos os lados, armados e assustados, mas avançando implacavelmente contra ela.
— Merda. Não era para ser assim…
A contragosto, Ana matou um após o outro, continuando a seguir a rota que escolheu por capricho. Os inimigos, até então, tinham partes de seus corpos fundidas com equipamentos de engenharia mágica, no entanto, seus implantes, embora sofisticados o suficiente para fazer Ana ficar surpresa, não possuíam materiais de alta qualidade para respaldar a habilidade utilizada em sua confecção. Mesmo os mais fortes aguentavam apenas dois ou três golpes da mulher antes de caírem perante a afiada lâmina.
— Como estão me achando tão rápido?
Era estranho, surgiam oponentes continuamente, não dando tempo para pensar. A princípio, foi incômodo, mas logo Ana se pegou se divertindo enquanto abandonava o cuidado e corria por aí, matando tudo e todos que cruzavam seu caminho. O cheiro acre de sangue enchia o ar, mas o peso da batalha trazia uma estranha satisfação.
— Realmente não foi só impressão... algo está diferente.
A espada, após tanto tempo inutilizada, parecia deliciar-se com o sangue que a cobria. Conforme mais corpos eram deixados para trás, mais Ana reparava que ela estava mudando, apesar de não da mesma forma de antes. Milímetro a milímetro, a lâmina de quase dois metros afinava ao invés de se alargar, ao mesmo tempo que permanecia crescendo de forma quase imperceptível. Ainda mais impactante era o fato de que estava cada vez mais leve, uma virada radical no comportamento anterior dessa massa sólida de metal que mal era manuseável.
— No fim, realmente deu para misturar a missão com o treinamento — a rainha riu baixinho, sentindo a excitação crescer conforme ela avançava.
Queria descobrir até onde aquela arma iria, mas, para sua tristeza, o avanço caminhava a passos de tartaruga. Um ou outro guarda, mais forte que os demais, acabava por dar impulso suficiente para que uma alteração minúscula ocorresse, mas precisava matar mais de dez oponentes comuns para que o mesmo efeito surtisse. Ainda pior era o fato de que, a cada morte, parecia que a lâmina estava menos satisfeita, como se a mana absorvida fosse insuficiente para sustentá-la.
De qualquer forma, foi em meio a seu doce passeio que finalmente chegou a uma bifurcação e, ao virar o corredor, viu um homem-inseto de pé. Ele tinha traços de grilo, com pernas que se dobravam em uma posição antinatural, e a princípio parecia só o mesmo dos outros, mas uma fina coleira pendia em suas mãos. Preso a sua ponta, um besouro gigantesco se debatia, como uma fera faminta esperando para ser solta.
O homem olhou diretamente nos olhos de Ana por, e ela soube, naquele instante, que as coisas estavam prestes a ficarem complicadas. Com um último sorriso do homem inseto, a coleira foi solta, batendo pesadamente no chão.
Foi como uma explosão. Antes que ela pudesse reagir, não só aquele besouro, mas sim centenas de outros insetos, não habitantes, mas sim criaturas em sua forma animalesca, todas do tamanho de cães, surgiram das mais variadas direções, inundando o túnel como uma maré viva.
Foi então que Ana correu. E correu. E correu.
— Porra, porra, porra! — gritou em frustração, sentindo o suor escorrer por seu rosto — Esses túneis não acabam!
Não importava quantos corredores ou salas ela atravessava. Galpões, quartos, aposentos cuja função ela nem se importava em entender... tudo parecia interminável. Era como se estivesse presa em um labirinto vivo, onde o fim nunca aparecia.
— Chegar até as celas sem ser notada... Impossível desde o começo... — ofegou, sentindo o suor escorrer por seu rosto. Seus olhos se estreitaram ao avistar uma porta de metal ao lado. Com um movimento brusco, empurrou-a com o ombro, encontrando uma sala repleta de prateleiras organizadas com equipamentos. Não era o ideal, mas pelo menos poderia se esconder e recuperar o fôlego.
Com um gesto rápido, levantou a mão e, como um reflexo, manifestou vinhas que se enroscaram ao redor das prateleiras, puxando-as para bloquear a entrada. As plantas brotavam de seus braços sem que ela sequer precisasse prestar atenção. Seu longo estudo sobre a vida vegetal utilizada para criar as armaduras orgânicas a fizeram visualizar seus detalhes quase que no automático.
— Merda de mana... — resmungou. Mesmo com as flores ainda vivas em seu braço, a quantidade de mana absorvida era mínima, quase insignificante. A atmosfera dentro do túnel, onde o Sol não dava as caras, drenava suas reservas como uma esponja.
Ela se apoiou nos joelhos, sentindo o cansaço pesando em seu corpo. Permanecer na situação atual não era viável. Ela sabia que teria que tomar uma atitude.
— Você precisa pensar, Ana, sua idiota — sussurrou para si mesma, massageando as têmporas com força por baixo da máscara — Organofosforados... Glifosato…
As palavras saíam quase como um mantra, enquanto sua mente corria para organizar as fórmulas químicas que conhecia. As moléculas, as reações, tudo se alinhava como peças de um quebra-cabeça complexo que precisava ser resolvido naquele exato minuto. Ela visualizava cada componente, cada átomo, como se as reações estivessem flutuando à sua frente.
"Ou vai dar certo, ou vou morrer agonizando", pensou, enquanto rasgava a manga de seu casaco e, com pressa, a enrolava firmemente ao redor do rosto, cobrindo a boca e o nariz.
Com um suspiro contido, Ana se sentou no chão frio do túnel, com as mãos tremendo levemente pelo esforço de manter a concentração. Ela esfregou as palmas contra os joelhos, como se tentasse transferir o calor do atrito para clarear sua mente. Respirou fundo e, com um foco que beirava o desespero, começou a concentrar a pouca mana que ainda tinha disponível para modificar as moléculas ao redor.
O ar que a cercava começou a mudar lentamente. Uma tonalidade verde quase imperceptível começou a tomar forma. O vento, inicialmente leve e inofensivo, começou a se intensificar, carregando consigo as partículas do composto tóxico que ela tentava enviar pelos túneis.
— Preciso que isso se espalhe... rápido — murmurou, forçando sua mente a continuar o processo.
Os sons das patas estavam crescendo em volume. Uma marcha incessante, um som que parecia vir de todos os lados. Logo, os primeiros insetos começaram a surgir na extremidade do a sua frente, oposto a barricada, avançando com velocidade absurda. Ana os encarou por um momento, os olhos fixos nas grotescas criaturas. O ambiente ao seu redor ficava cada vez mais pesado, saturado com o composto tóxico, então fechou os olhos, sentindo uma ardência crescente pela exposição. Seu estômago revirava, e a náusea ameaçava derrubá-la ali mesmo.
A sua frente podia sentir o químico atingindo as criaturas, e, para sua alegria, elas congelaram. Algumas começaram a se contorcer, caindo no chão com espasmos descontrolados, seus corpos tremendo enquanto o veneno invadia seus sistemas. Mas, para a frustração de Ana, muitas delas se levantaram novamente.
— Droga! — rosnou entre os dentes. Ela forçou mais mana no ar, intensificando o fluxo que saia de seu corpo. O esforço era imenso, e sua mente dava sinais claros de esgotamento. As mãos tremiam incontrolavelmente, os músculos queimavam pelo uso excessivo de energia.
E ainda não era o suficiente.
As criaturas estavam desacelerando, isso era certo, mas o número era grande demais. Mesmo com todo o seu esforço, a horda continuava a avançar.
Pelo menos, foi o que pareceu... até a mana reversa começar a tomar o controle.
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