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Crisálida de Aço

Eva finalmente retornou, carregando uma bolsa cheia de materiais. Seu rosto estava suado e cansado, mas havia um brilho de triunfo em seus olhos.

— Consegui. Não foi fácil, mas os caçadores concordaram em nos vender algumas partes. Isso deve ser suficiente para começar — disse ela, colocando a bolsa sobre a mesa.

Ana a pegou, examinando os itens com um olhar crítico. Circuitos eletrônicos, uma pequena variedade de metais e diversas partes de monstros estavam agora à disposição. Garras, couro, ossos, tendões, tudo o que poderia ser aproveitado foi recolhido. A mulher também notou o notebook que Eva havia trazido.

— Excelente trabalho — comentou a mercenária, espalhando-os pela mesa. — Infelizmente é como pensei, o máximo que conseguiremos trabalhar são restos de monstros de rank C… não são tão úteis assim, mas vai dar pro gasto — murmurou Ana, analisando os materiais.

— Vai demorar um pouco — disse ela, olhando para Alex e Eva que estavam sentados ao redor, observando cada movimento seu. — Talvez seja melhor vocês fazerem outra coisa.

— Vamos ficar aqui mesmo — respondeu Alex, cruzando os braços.

— Eu também quero ver — acrescentou Eva, os olhos brilhando de curiosidade.

Ana deu de ombros e começou a trabalhar. Decidiu começar pelo arco, pegando a arma e inspecionando-a minuciosamente. Começou a desmontar cada peça, tomando cuidado para não danificar os componentes delicados. Seu olhar atento notava cada detalhe, falha que poderia ser corrigida e potencial de melhoria. Cada peça que ela removia era colocada com cuidado ao lado, criando uma espécie de mapa mental de onde cada componente pertencia.

"É complexo, mas a qualidade de seus materiais não é excepcional".

O primeiro passo foi o ajuste da base do arco, que consistia em uma estrutura de metal e madeira entrelaçada. A madeira era flexível, mas resistente, enquanto o metal fornecia a força necessária para aguentar a tensão. Ela puxou a corda com força para trás, simulando o movimento de disparo, e notou que sua resistência não era adequada para um caçador adulto. Utilizando tendões, ela substituiu as cordas antigas, percebendo que, seja lá de onde tenham vindo, tinham propriedades elásticas superiores ao que estava sendo usado.

A forja improvisada na cabana foi acionada. O calor começou a aumentar, e o som do metal esquentando ecoou pelo ambiente. Ana colocou pequenas placas de aço na forja, deixando-as aquecer até ficarem incandescentes. Usando pinças, retirou-as e começou a moldá-las, criando suportes que se ajustavam perfeitamente à estrutura do arco. Esses suportes não só fortaleceriam a arma, mas também serviriam como condutores para as runas que planejava integrar.

Enquanto os suportes esfriavam, Ana voltou sua atenção para os componentes eletrônicos. Ela conectou pequenos circuitos em paralelo, soldando-os com precisão. A solda derretia e se solidificava rapidamente, e as faíscas brilhavam na escuridão crescente da cabana, com o cheiro de metal queimado permeando o ar. O notebook foi ligado nesse instante, e as linhas de código fluíam pela tela, cada comando inserido com precisão para garantir a funcionalidade desejada.

As horas se passaram em uma repetição de ajustes nos componentes, codificando e testando cada conexão. O processo era meticuloso e exigia uma concentração intensa. Ana estava totalmente imersa em sua tarefa, seus pensamentos focados na criação do sistema perfeito.

Alex e Eva, apesar de inicialmente entusiasmados, começaram a sentir o peso do cansaço. Alex se recostou contra a parede, os olhos semicerrados, e Eva, após um tempo observando silenciosamente, deitou a cabeça sobre os braços cruzados na mesa. Ana olhou para eles por um momento, um sorriso suave surgindo em seu rosto.

Com a parte elétrica finalizada, Ana integrou os suportes de aço na estrutura do arco. O encaixe foi perfeito, as placas metálicas se fundindo com a madeira e o metal original. Ela conectou os circuitos programados aos suportes, garantindo que ficassem devidamente protegidos e, ao mesmo tempo, permitissem que a mana fluísse diretamente pelas runas. O sistema estava tomando forma, mas ainda havia mais a ser feito.

Ana pegou um punhado das garras que Eva havia trazido. Haviam de todos os tamanhos e formas, vindas dos mais variados monstros, mas todas conhecidas por sua capacidade de conduzir mana de maneira excepcional, visto serem continuamente fortalecidas para uso na caça por seus portadores originais.

Usando ferramentas finas, ela começou a esculpir pequenas peças dessas garras, criando conectores que seriam usados para ligar os circuitos às runas. Esses conectores foram colocados nos pontos estratégicos do arco, onde a energia mágica precisava ser mais forte.

— Está feito — murmurou, observando sua obra com uma expressão de satisfação.

Com um movimento relaxado, pegou uma flecha e a encaixou na corda do arco. Ao liberar um pequeno fio de sua mana, as runas ao longo da lateral começaram a brilhar de forma suave, sinalizando que o sistema estava funcionando perfeitamente.

Cinco luzes de diferentes cores surgiram próximas à empunhadura. Ana deslizou um dedo, escolhendo um brilho azulado intenso. O arco emitiu um rangido estranho, e duas agulhas afiadas surgiram, as quais começaram a riscar rapidamente a ponta da flecha, desenhando runas em tempo real, imbuindo o item com uma intensa energia.

Ana observou com atenção, verificando cada detalhe do processo. O mecanismo estava perfeitamente ajustado, cada runa gravada com precisão, cada componente funcionando em harmonia.

— Ela vai ter que manter o pulso firme, qualquer movimento vai estragar as linhas… — sussurrou para si mesma, notando que nem tudo estava perfeito. — Para uma primeira versão, está ótimo, Eva deve conseguir se virar.

O arco, agora aprimorado, não só aumentava o poder das flechas, mas também permitia a Eva adaptar seus ataques conforme a necessidade. Diferentes tipos de runas simples estavam pré-programadas para serem gravadas, mas a mercenária esperava poder expandir este limite algum dia.

Satisfeita, Ana abaixou o arco, preparando-se para cessar o envio de mana, porém não conseguiu conter sua curiosidade. Dando de ombros, apontou para uma parede vazia da forja, soltando a flecha que voou elegantemente.

O disparo atingiu a parede com um som alto, mas seco, deixando um rastro congelado em seu caminho. Ana sorriu, satisfeita com o resultado. Alex e Eva acordaram de seu sono com um susto, e logo sentiram um arrepio quando o gelo começou a se formar no local onde a flecha se cravou, mesmo com a forja acesa, criando um contraste intrigante entre o calor e o frio.

A garota ruiva olhou para Ana com os olhos arregalados, ainda meio sonolenta e tentando entender o que havia acontecido. A mercenária, vendo a curiosidade estampada no rosto da jovem, jogou o arco para ela.

— Vai lá fora testar isso.

Eva, animada, pegou o arco e correu para fora da cabana sem nem mesmo responder, com Alex se preparando para seguir logo atrás, curioso para ver o resultado do trabalho. No entanto, a mercenária o parou com um gesto.

— Não, você fica. É hora de vermos o que precisa — disse ela, com uma expressão séria.

— Não quero, Ana. Armaduras de rank C não vão me ajudar na vingança, e minhas luvas ainda estão boas. Só preciso achá-las no meio dessa bagunça — respondeu o homem, hesitante, enquanto coçava a cabeça.

— Tudo bem, então — Ana suspirou, reconhecendo a teimosia do amigo, mas respeitando sua decisão. — Agora vamos ver o que posso fazer por mim…

A primeira coisa que pensou na decisão de suas novas armas curtas foram adagas. Mas refletiu que, em espaços apertados, ainda poderiam ser limitantes. Seus olhos se voltaram para os hematomas no rosto de Alex, quase curados, mas ainda visíveis. Uma ideia começou a se formar em sua mente enquanto começava a encarar seus punhos.

— Talvez o ideal seja voltar para o básico — murmurou para si mesma, enquanto visualizava os movimentos que poderia executar com mais liberdade.

Esticando o braço, Ana puxou para perto o couro de algum tipo de réptil. Era duro, mas suficientemente flexível. Com uma faca recém afiada, cortou-o em tiras, moldando-as cuidadosamente para se ajustarem ao formato de suas pernas e braços. Usou uma agulha grossa e resistente, feita com algumas garras que sobraram, para costurá-las, criando uma base sólida para os equipamentos.

— Eles deveriam ter classificado essas partes — resmungou, olhando para dois ossos de tamanhos diferentes e tentando decidir qual deles usaria. Após alguns segundos, escolheu o da direita, começando a partí-lo em pequenas partes.

As joelheiras foram as primeiras a serem finalizadas. Ana inseriu os pedaços de ossos entre as camadas de couro, proporcionando uma proteção extra sem comprometer a mobilidade. Porém, para aumentar a resistência mantendo a condução de mana, cobriu-os com titânio, o metal mais resistente que tinha em mãos. Cada peça foi ajustada meticulosamente, garantindo que não haveria pontos de pressão desconfortáveis durante o uso.

Depois, passou para as cotoveleiras. O processo foi similar, mas foram incluídas lâminas que acompanhavam o contorno de seu braço nas bordas, permitindo que pudessem ser usadas tanto para defesa quanto para ataque. Os ossos afiados, agora também revestidos em titânio, foram polidos, brilhando à luz da forja enquanto eram integrados ao couro.

As luvas foram mais complicadas. Ana sabia que precisariam de um equilíbrio perfeito entre flexibilidade e resistência. Utilizou os tendões que sobraram para criar uma rede interna elástica o suficiente para proporcionar suporte aos movimentos dos dedos. Reforçou as costas das luvas com placas de osso metalizado, garantindo que poderiam aguentar impactos fortes.

Por fim, trabalhou nas botas. Sobrava pouco couro, sendo o suficiente apenas para uma bota que chegava até o meio de sua panturrilha. Placas foram inseridas ao longo das laterais para proteção adicional. Nos calcanhares, colocou pequenas pontas, afiadas o suficiente para serem usadas em ataques rápidos e furtivos, e em seu bico uma pesada ponta de metal, fornecendo um peso e proteção extras para seus ataques. Cada bota foi ajustada para se encaixar perfeitamente, garantindo que não houvesse folgas que pudessem comprometer o equilíbrio.

Com tudo feito, começou a imbuir cada peça com finas runas de condensação, tendo o intuito de endurecer os componentes, evitando que se quebrassem em meio ao combate. Havia pensado inicialmente em seguir uma estratégia de múltiplas runas como a feita no arco, mas o pouco espaço disponível fez com que rapidamente descartasse a ideia.

As horas passaram, e o sol começou a se pôr, tingindo o céu de laranja e vermelho. Ana continuava focada, ajustando os últimos detalhes dos equipamentos.

— Vou precisar refazê-las com materiais melhores no futuro, mas estão boas o suficiente por agora — murmurou a mulher, abrindo e fechando as mãos e sentindo a resistência do novo equipamento. 

Ela se movimentou pela cabana, sentindo cada peça de armadura se ajustar ao seu corpo. Saltou e girou, golpeou o ar, testando a resistência e a flexibilidade do equipamento. Não foi seu melhor trabalho, mas era mais do que adequado para uma arma secundária.

Eva e Alex, que haviam voltado para a cabana depois de testar o arco, observaram os itens finalizados com admiração, mas os lábios do guerreiro estavam tremendo, não conseguindo segurar a risada. 

— Você está… linda — brincou ele, com ar escapando pelos cantos de sua boca enquanto seus olhos passavam pelas diferentes cores e texturas do novo equipamento. 

— Quieto… a culpa não é minha se não deram materiais de um monstro só… — respondeu Ana, revirando os olhos. Mas, apesar do comentário, havia um brilho de satisfação em seu olhar.

De repente, o som de batidas fortes foi ouvido na porta, interrompendo a conversa dos três. Eles se entreolharam, confusos com quem poderia ser, mas antes que pudessem falar qualquer coisa as batidas se intensificaram, soando mais urgentes.

— Vou atender — disse Eva, caminhando até a porta e tentando parecer despreocupada.

Quando abriu, encontrou um grupo de dez guardas. Seus rostos eram sérios, e a tensão no ar era palpável.

— Recebemos relatos de que viram uma mulher voando nos arredores — disse um dos homens, a voz firme. — Estamos verificando as casas da região.

— Não vi nada assim por aqui. Moro sozinha com meu irmão doente — disse Eva, com um sorriso inocente enquanto apontava para Alex, que estava no sofá, parecendo ainda mais desarrumado que o normal.

— Peço que saia da frente, isso é segurança pública — pouco convencido, o guarda empurrou a garota ruiva para o lado bruscamente e todos entraram na cabana, examinando cada detalhe. Seus olhares logo se fixaram no buraco no teto.

— O que aconteceu aqui?

— Ah, isso? Foi... um acidente. Tentamos consertar, mas não tivemos muito sucesso.

Nesse instante, uma das guardas notou três pratos e copos usados na mesa e franziu a testa.

— Você disse que mora sozinha com seu irmão. Quem usou o terceiro prato?

— Eu... bem... eu… — Eva gaguejou, incapaz de pensar em uma resposta rápida. Desconfiados, os intrusos começaram a sacar suas armas, avançando em direção a ela. 

— E lá vamos nós de novo — suspirou Ana, vendo que a situação estava prestes a se tornar violenta. Com movimentos rápidos, saiu do quarto, já pronta para lutar. 

Estranhamente, antes que seu soco chegasse ao primeiro inimigo, todos os guardas pararam de se mover. Suas expressões ficaram pálidas, e começaram a balançar no mesmo lugar com os olhos enevoados.

— Eu sabia... eu sabia... não tinha como alguém como você estar morta.

Uma voz começou a ser ouvida na parte de trás do grupo, e um manipulador se aproximou com passos lentos. Ele pegou uma adaga comum de sua cintura e, se aproximando de um de seus companheiros, deu uma rápida estocada, perfurando precisamente o estômago do homem.

— Eu sabia! Eu sabia! Eu sabia! — a cada repetição da frase, uma nova facada era dada em outra pessoa. 

Os guardas esfaqueados ficaram parados, sangrando até perderem as forças e caírem no chão. O grupo de Ana assistiu, perplexo, quando todos os nove pararam de respirar, restando apenas o manipulador, com a arma pingando sangue. Ele olhou para Ana, os olhos brilhando de uma obsessão insana.

— Eu sabia que você não estava morta — disse ele, soltando a faca e puxando uma varinha. Apontou para Ana, sua voz carregada de determinação. — Dessa vez, eu vou conseguir.

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