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Prólogo

A memória de nossa última conversa me fere como uma adaga em meu coração, consigo lembrar de cada detalhe e palavra proferida, assim como a dor que faz sangrar a minha alma.

Esperei alguns segundos para ter certeza de que estávamos sozinhos.

— A julgar por sua expressão deve ser algo muito grave. – disse.

— É sim, muito. – Eros disse.

— Venha ao meu quarto, por favor. – eu o convidei e fomos adentrando o recinto, mas nos mantivemos em pé.

— Weenny, preciso lhe contar algumas coisas sobre mim e sobre o meu passado, algo que você realmente precisa saber. – disse, enquanto se movimentava com inquietude pela suíte.

Por um breve momento evitei olhar em seus olhos.

— Eros, você está me assustando. Do que você está falando? – perguntei.

— Você precisa conhecer tudo a meu respeito antes de... – ele disse e pareceu ter perdido a vontade de terminar a frase.

— Antes do casamento? É isso que você quer dizer, Eros? Você está arrependido desse compromisso que assumimos? – perguntei.

— Nunca! Eu te amo! Não duvide do amor que sinto por você, jamais amei alguém como eu a amo, esperei tanto por você, meu amor! Eu guardo segredos sobre meu passado e sobre mim, e você deve saber de tudo. – virou para mim, olhou em meus olhos e disse com firmeza.

— Então diga tudo o que eu preciso saber. – eu disse com veemência.

Havia uma tensão entre nós, um receio, uma ansiedade naquele momento.

— É complexo. Eu odeio mentiras e omissões e não fui criado para isso, sou um homem de palavra e de verdade, jamais quis mentir para você, mas nunca pude te contar a minha história verdadeira. Eu não sou exatamente quem você pensa... Ou parte de mim e de minha história não o são. Eu já não posso mais omitir isso tudo de você. – ele sentou e resolveu dizer.

Eu comecei a andar pelo quarto em silêncio por alguns segundos, tentando digerir as suas palavras.

— Eu sempre o vi como um homem incapaz de mentir, nunca imaginei que ouviria isso de você. Agora ouço que você mentiu para mim, tem segredos que agora não suporta mais guardar e acha que esse é o momento adequado para revelar? Depois do noivado? A história verdadeira...? Como podemos mentir para quem amamos? O que mais ouvirei? Que você me traiu? – pergunto indignada.

Senti que minhas palavras fizeram seu coração pesar ainda mais.

— Eu nunca quis mentir ou omitir, mas sou culpado por isso. Eu não te traí e nem poderia, você sabe que não. – ele disse.

— Eros, você está me deixando ainda mais ansiosa, fale tudo e que seja logo! – eu parei, olhei fixamente para ele e exigi.

Então me afastei e fiquei em pé, ao lado da cama onde tantas vezes antes nos amamos.

— A verdade é que eu não sou brasileiro. Cheguei aqui com um ano de idade, fui criado, educado e instruído como brasileiro, mas também na cultura, tradições e costumes do meu país e de meu povo. – ainda sentado, ele baixou o olhar e disse.

Parou e esperou, provavelmente que eu tivesse alguma reação, mas estava tentando refletir brevemente sobre o que acabara de dizer.

— Você fala tão bem o português, conhece o Brasil como qualquer brasileiro... Você veio muito cedo. E seus pais, por que nunca os vi? – perguntei.

— Eu vim sozinho, meus pais sempre viveram no país onde eu nasci, mandaram apenas uma ama de leite e criados que se responsabilizaram pela minha educação e proteção. – ele disse.

— Meu Deus... Como podem ter se separado de um filho desta forma? O que mais? – perguntei.

— Essa separação foi necessária. Meus pais permitiram que eu estudasse como qualquer brasileiro e até deram o consentimento para que eu cursasse a faculdade que quisesse e que fosse bailarino, você sabe que eu fiz dança e até especialização. Depois me tornei um empresário de uma multinacional, você nunca me perguntou o tipo de empresa e a qual país ela está associada. – ele explicou.

— Isso é tudo? – perguntei angustiada.

— Não, isso é apenas o começo de toda a verdade. Eu não fui criado para a vida que tenho hoje, por enquanto sou dono e presidente de uma multinacional indiana, além cientista da computação, bailarino e ator. Mas, em breve, terei que arrogar a minha verdadeira identidade e assumir a vida e o destino para qual eu fui criado e preparado desde o meu nascimento. – ele respirou fundo, levantou de novo e confessou.

— Empresa indiana? Verdadeira identidade? Vida... Destino... Que insanidade é essa? – perguntei ansiosa e ainda mais angustiada.

— Seja mais claro! De onde você é? Qual é esse destino ou essa identidade verdadeira. – eu exigi.

— Nasci na Índia... Sou indiano. – enfim ele disse.

— Não, você não pode ser indiano! É mentira! Por que você está brincando com isso? – eu balancei a cabeça em sinal de negação e levei as mãos à cabeça.

Sem permitir que ele respondesse, continuei a falar.

— Você é branco, seu nariz é fino e seus olhos são em alguns momentos verdes em outros az... – comecei a dizer e de repente perdi a voz ou a vontade de falar.

— Existem indianos brancos, com olhos claros e nariz fino, não apenas os de pele mais escura. – ele disse e tentou se aproximar.

— Como isso pode ser? Você não pode ter mentido para mim por tanto tempo! Não! O que mais você esconde? – perguntei.

— Meu nome não é Eros e eu fui criado para cumprir meu dever de ser o sucessor do meu pai na Índia. – ele disse.

— Seja mais claro! – exigi, sentia-me cada vez mais aflita e angustiada, mas me mantive sentada e o vi se abaixar diante de mim.

— Weenny, por favor me ouça. Eu te direi tudo agora. Sou indiano, sucessor do trono do meu pai que é o Imperador da Índia, sou um Príncipe na Índia ou Hindustan, como o meu povo diz. – ele disse e segurou minhas mãos.

Como? O quê? Um Príncipe diante de mim?

— Meus pais me enviaram para o Brasil, mas me ensinaram tudo o que devia saber sobre as tradições, cultura e costumes do meu povo. Eles não podiam vir junto para não pôr a minha vida em risco. Recebi permissão para agir como brasileiro e fui obrigado a mudar de nome e esconder minha origem porque a minha verdadeira identidade sempre me pôs em perigo. – ele explicou.

— E escondeu tudo isso até agora. Eu não sei nem mesmo o seu nome e ainda assim aceitei ser sua noiva enquanto você mentia, você me deixou viver e sonhar sobre uma história mentirosa. Eu não sei qual é a sua religião, quem são seus pais, se tem irmãos e nunca fui à sua verdadeira casa, como podemos ter um relacionamento baseado em tantas mentiras? – eu levei as mãos ao rosto e disse.

— Weenny, esse segredo não envolve apenas a minha vida, mas o futuro de um país, o destino e o legado da família Imperial... A minha família! E também o futuro de todo um povo. Meus pais foram submetidos a um casamento arranjado, casamento por aliança, que é um compromisso firmado para conseguir a paz e benefícios entre os povos ou países. O meu pai, o Imperador, é hindu. Minha mãe, a Imperatriz, é muçulmana, eu nasci na Índia e minha irmã legítima no Paquistão. Manda a tradição que o filho tenha a mesma religião de seu pai, por isso sou hindu. Tenho vários meio irmãos que são filhos do harém dele e não terão direito na sucessão ao trono. – ele explicou.

Isso tudo é uma loucura! Deve ser outro pesadelo!

— Meu nome verdadeiro é Jagadeesh Manohari, mas para você eu serei sempre o seu Eros Myron, porque foi assim que eu a conheci. Você pode me chamar como quiser, meu amor, de Jagal, Jagadeesh ou Eros. – disse tentando olhar em meus olhos.

— Por que você não me contou antes? Não podia ter confiado esse segredo a mim? – eu perguntei, com minha voz embargada.

— Meu pai, o Imperador, exigiu que eu mantivesse em segredo a minha identidade porque fui ameaçado de morte, essa é uma das maneiras que os nossos inimigos usam para roubar o trono, matam os herdeiros na linha de sucessão primeiro porque são mais jovens e vigorosos, depois só lhes resta matar o Imperador, então já não haverá descendentes que ocupem seu trono por ocasião de sua morte. Se alguém descobrisse quem eu sou poderia revelar meu paradeiro, por isso mantivemos tudo em segredo. Meu pai exigiu que eu só o revelasse com sua permissão e a quem ele quisesse, não posso ir contra ele, é o Imperador! Só pude revelar a você quando ele finalmente me deu o direito de casar por amor, me deixando livre do fardo do compromisso do casamento arranjado. – ele explicou.

Subitamente fiquei em pé e me afastei dele.

— Deixando você livre do casamento arranjado? – atônita com a nova informação, perguntei.

— Como manda a tradição, aos seis meses de idade, fui prometido a uma Princesa Paquistanesa, um casamento arranjado. Implorei ao meu pai para desfazer o compromisso desde que a conheci, especialmente depois que começamos a namorar, tudo isso porque quero um casamento por amor com você! – ele explicou.

— Você sempre me disse que era solteiro! Mentiu para mim! Você é noivo da Princesa. – disse abismada.

— Weenny, esse é um casamento arranjado e imposto por causa da minha posição, eu sempre rejeitei esse compromisso, não conheço a Princesa e não a quero! Meu pai e toda a nossa família sempre estiveram de acordo com este tipo de casamento em favor do nosso povo, tanto é que se casaram para fazer alianças entre os povos em troca de benefícios para o Império e para os reinos, meu pai é um homem impassível e irredutível. Eu não menti, acredite em mim, eu te peço! – ele disse.

Fui até a janela, em silêncio por um tempo, mas meu coração continuava inquieto, perturbado, aflito e angustiado.

— Não podemos nos casar, não vejo mais como isso seria possível, afinal temos culturas, costumes, tradições, posições sociais, nacionalidade, vestuários e crenças totalmente diferentes. Todos sabem que indianos jamais se envolverão seriamente com pessoas de outros povos ou castas por conta da forte tradição e também pela obediência aos pais quanto a escolha em relação aos casamentos. Se isso vale para um homem comum, certamente terá muito mais valor e força na vida de um Príncipe. Você mesmo mencionou que seu pai é irredutível e a favor do casamento por aliança. – disse com firmeza.

Ele tentou se aproximar, mas eu me afastei.

— Entenda, por favor. Há muito tempo eu tenho me preparado para esse dia, quando finalmente poderia te contar tudo a meu respeito, eu precisei de muita coragem para fazer essa revelação, justamente por me conhecer o suficiente sabendo o quanto isso ia te perturbar. Lutei muito para que meu pai aceitasse que eu me casasse por amor, sim, eu insisti e até o ameacei, coloquei minha vida em risco porque eu a amo e não posso viver sem você. Depois de tudo isso, o Imperador exige apenas que façamos um casamento tradicional hindu e como você sonha com esse casamento tradicional... – ele explicou.

— Você é mesmo um Príncipe, enquanto eu sou apenas uma mulher que em um golpe de sorte tornou-se conhecida ao fazer um filme, mas que em breve ninguém há de se lembrar, senão a minha própria família e amigos. Olhe para nós e veja a nossa realidade... Eu sou uma brasileira, pobre, mulher comum... Como poderia me casar com um Príncipe, um futuro Imperador? Isso não faz sentido algum! – com voz embargada, eu expliquei meus motivos.

— Eu sabia que você era um sonho e muito mais do que eu merecia, meu coração sempre me avisava disso. – eu acrescentei com meu coração pesaroso e triste.

Ele tentou me tocar, mas eu não permiti.

— Weenny, eu sou o mesmo homem que você conhece, mas que carrega sobre si o pesado fardo de um grande segredo. Eu te amo e você é a mulher da minha vida, a mulher por quem eu me opus contra meu pai. Me aceite como eu sou, por favor. Quando chegar o momento da coroação como Imperador, quero que você seja a minha Imperatriz... Você Baby, não quero nenhuma outra mulher ou pessoa ao meu lado, por favor não me negue isso. – ele disse, em franco desespero.

— Quando sonhei em me casar em uma cerimônia indiana procurei conhecer tudo a respeito do povo indiano, seu povo. Sei a vergonha que seu pai passará se realmente desfizer o acordo do seu casamento arranjado, afinal ele empenhou sua palavra, assim como sei que em tua posição e importância tem que se casar com alguém nobre como você... – eu disse com franqueza.

— Meu pai já... – ele tentou dizer, mas eu o interrompi.

— Deixe-me terminar! Você precisa de alguém da sua casta, nobre como você para estar ao seu lado, uma verdadeira indiana e que tenha sido criada para ocupar a posição de Princesa, Rainha e Imperatriz. Sei como seu povo é preconceituoso e exigente em relação as tradições. Nosso compromisso está desfeito, você está livre! Quero sua felicidade acima de tudo e não a sua vergonha e da sua família! – eu disse em tom áspero.

Peguei os braceletes e pulseiras em uma caixa, as joias que a mãe dele havia me dado, coloquei em suas mãos e fechei.

— Não! Meu amor não me deixe, não desfaça nosso compromisso... Por Lord Ganesha... Por Deus! Weenny, eu quero você! Preciso de você! – ele gritou, na tentativa de me deter.

— Sempre me senti incomodada por você ser rico e eu ser pobre, mas agora vejo que as diferenças entre nós se agigantaram de tal forma que eu jamais poderia suportar. Adeus, seja muito feliz como eu sei que você merece. – olhei para ele com lágrimas nos olhos e disse.

— Fica comigo! Eu te amo! Por favor não me deixe! – ele insistiu gritando e implorando.

— Apenas me perdoe e me deixe ir, eu não posso e não sou a mulher que você precisa e merece. Me esqueça, eu te imploro. – eu lancei o celular sobre a cama e com voz embargada disse.

Saí correndo e entrei no elevador.

— Weenny espere... Baby não me deixe... Não me deixe... Eu preciso de você... Me aceite como eu sou. – ele gritava desesperado, enquanto corria atrás de mim por todo o caminho até o elevador.

A porta do elevador fechou e quase prende suas mãos, assim parti rumo a qualquer lugar que fosse distante dele e de nosso amor, eu apenas precisava esquecer do meu conto de fadas mais uma vez fracassado.

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