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O Peso das Escolhas

O sol já se punha no horizonte quando Ernesto estacionou o carro em frente a uma casa discreta, mas sofisticada, localizada em um bairro tranquilo de Nova Jersey. O clima estava tenso desde que haviam deixado o hotel mais cedo. Vicente, ainda processando a revelação de que viveriam onde os segredos mais sombrios de seu pai vieram à tona, mal dirigia a palavra a Ernesto. Já Maria Augusta estava perdida em pensamentos, suas mãos crispadas em seu colo.

— Chegamos — anunciou Ernesto com a voz firme, quebrando o silêncio. Ele desceu do carro, seguido por Vicente e Maria Augusta.

A casa, com sua fachada de tijolos à vista e um jardim bem cuidado, não condizia com o cenário de perigo que Vicente imaginava. Parecia mais um refúgio seguro do que o epicentro de antigos conflitos.

— Por que aqui? — Vicente perguntou, olhando desconfiado para Ernesto. Ernesto suspirou antes de responder:

— Este era um dos imóveis usados por Santiago para se esconder quando as coisas apertavam. É discreto, seguro, e ninguém vai procurar por vocês aqui.

Vicente estreitou os olhos, tentando decifrar as verdadeiras intenções daquele homem.

— Você parece saber muito sobre meu pai. Mas o que você ganha com tudo isso? Por que está nos ajudando?

Maria Augusta virou-se para Ernesto, visivelmente interessada na resposta. Ela também começava a questionar as motivações daquele homem que havia surgido tão repentinamente em suas vidas.

Ernesto hesitou, algo raro para ele. Finalmente, decidiu falar:

— Eu e Santiago éramos amigos de longa data. Mais do que amigos, parceiros. Trabalhamos juntos em muitos... negócios. — Ele fez uma pausa, como se escolhesse cuidadosamente as palavras. — Quando ele decidiu se afastar da vida que levávamos, confiou a mim a responsabilidade de cuidar de certas questões. E quando ele desapareceu, eu sabia que, cedo ou tarde, a sombra dele alcançaria vocês.

Maria Augusta estreitou os olhos.

— Então, você fazia parte do mesmo mundo que destruiu a nossa família?

— Sim, Maria Augusta. Mas, diferentemente de muitos, eu respeitava o Santiago. Ele sempre tentou proteger você e Vicente. E é por isso que estou aqui. Não é apenas lealdade a ele... é uma dívida pessoal que eu preciso saldar.

Vicente balançou a cabeça, incrédulo.

— Então você acha que pode limpar sua consciência protegendo a gente? Porque, até agora, só parece que você está nos jogando no meio do fogo.

— Às vezes, Vicente — Ernesto retrucou —, a única maneira de vencer uma guerra é enfrentá-la de frente. Vocês precisam estar onde tudo começou para entenderem o que está em jogo. E você, mais do que ninguém, precisa decidir que tipo de homem quer ser.

A conversa foi interrompida por Maria Augusta, que, com a voz trêmula, mudou de assunto:

— Por enquanto, o importante é estarmos seguros. Vamos entrar.

Dentro da casa, o clima era acolhedor, quase contraditório com as circunstâncias. Ernesto os guiou até a sala de estar, onde havia uma lareira acesa e uma mesa com documentos espalhados.

— Tem algo que vocês precisam ver — disse Ernesto, pegando uma pasta do topo da mesa. Ele entregou-a a Vicente.

Vicente abriu a pasta, revelando fotos e registros antigos. Uma das fotos chamou sua atenção: Santiago, mais jovem, ao lado de um homem de expressão séria e olhar penetrante. Ele era o mesmo homem da foto apresentada por Ramirez.

— Quem é esse? — Vicente perguntou, apontando para o homem na imagem.

Ernesto respirou fundo antes de responder:

— Esse é Lorenzo Salvatore. Ele era o mentor de Santiago e, por muitos anos, o verdadeiro cérebro por trás da organização.

Maria Augusta cobriu a boca com as mãos, como se o nome trouxesse lembranças dolorosas.

— Você o conhece? — Vicente perguntou, notando a reação da mãe.

Maria Augusta hesitou antes de responder:

— Eu... eu o conheci uma vez. Foi antes de Santiago desaparecer. Lorenzo sempre me deu arrepios. Ele tinha uma aura de perigo que era impossível ignorar.

— Lorenzo está vivo? — Vicente perguntou, olhando para Ernesto.

— Sim — respondeu Ernesto. — E é exatamente por isso que vocês precisam tomar cuidado. Ele não gosta de pontas soltas. E, para ele, você é uma.

O silêncio que se seguiu era quase palpável. Vicente sentia o peso de uma responsabilidade que ele nunca quis, mas que agora parecia inevitável.

Após a resposta de Ernesto sobre Lorenzo, Vicente ficou em silêncio. A revelação de que o mentor de seu pai ainda estava vivo e atuante no submundo mafioso o deixou perturbado. Ele sabia que, de alguma forma, esse nome estava ligado aos muitos mistérios que cercavam sua infância e o desaparecimento de Santiago. O medo de ser uma "ponta solta" na história de uma organização tão perigosa foi como uma lâmina afiada que cortava sua mente.

— Como podemos confiar em você, Ernesto? — Vicente perguntou, sua voz mais grave e cheia de desconfiança. — Você diz que é leal ao meu pai, mas não me dá motivos suficientes para acreditar em você. Se você realmente fosse nosso amigo, teria vindo antes.

Ernesto olhou nos olhos de Vicente, sem se desviar.

— Eu vim quando soube que vocês estavam em perigo. Não foi por causa de uma dívida, Vicente. Foi por lealdade. Meu dever era proteger sua mãe e você. Quando Santiago desapareceu, ficou claro que minha missão estava apenas começando.

Maria Augusta, que até então permanecera quieta, se aproximou de Vicente, colocando a mão sobre seu ombro. Sua expressão estava tensa, mas os olhos de sua mãe pareciam querer transmitir algo que ele não conseguia entender completamente.

— Eu sei que isso tudo é confuso — disse Maria Augusta, sua voz suave. — Mas eu também precisei aprender a confiar, ainda que contra minha vontade. Não é fácil, Vicente. Se Ernesto está aqui, é porque sabe mais do que nós imaginamos.

Vicente sentiu o peso das palavras de sua mãe. Ele sempre soubera que ela havia guardado muitos segredos sobre o passado de Santiago, mas nunca imaginou que a verdade fosse tão densa, tão carregada de consequências.

Ernesto, percebendo a tensão no ambiente, falou de maneira mais suave, tentando dissipar o clima de desconfiança.

— Eu entendo a desconfiança de vocês. Não posso mudar o passado, mas posso ajudar a escrever um novo futuro. Lorenzo Salvatore não é alguém que possa ser ignorado, mas também não é invencível. Ele tem inimigos, e esses inimigos podem ser a chave para garantir a segurança de vocês.

Vicente estava cético. A ideia de confiar em uma pessoa tão ligada ao passado de seu pai parecia impossível. E, ainda assim, algo nas palavras de Ernesto ressoava dentro dele. O perigo estava mais próximo do que ele imaginava, e as escolhas que ele faria a partir daquele momento poderiam definir seu destino de maneiras que ele não conseguia prever.

— Mas o que exatamente você quer que a gente faça? — perguntou Vicente, a voz mais dura agora. — Nós não podemos simplesmente entrar em um jogo onde não sabemos as regras.

Ernesto fez uma pausa, antes de falar com uma expressão mais grave.

— Lorenzo tem uma rede de aliados, mas também tem um ponto fraco. Ele cometeu erros, e esses erros podem ser usados contra ele. O problema é que ele não vai parar até ver todo o envolvimento de Santiago destruído. Ele quer se vingar de todos que fugiram da sua sombra. Isso inclui vocês.

Maria Augusta, agora visivelmente tensa, se afastou de Vicente e foi até a janela, olhando para fora. A brisa fria que entrava parecia refletir a inquietação que ela sentia.

— O que você sabe sobre o envolvimento de Santiago com Salvatore? — ela perguntou, sem se virar para Ernesto.

Ernesto olhou para ela, antes de se aproximar.

— Santiago foi mais do que apenas um aliado de Lorenzo. Ele foi um de seus principais executores, alguém de confiança. Mas Santiago tinha seus próprios planos. Ele queria sair desse mundo, viver em paz com você e Vicente. No entanto, Lorenzo não perdoa traição. A última vez que vi Santiago, ele estava tentando colocar todos os seus negócios em ordem.

Vicente sentiu uma dor profunda ao ouvir isso. A ideia de seu pai sendo mais do que um simples fazendeiro, mais do que a figura que ele sempre idealizou, mexia com ele de formas que ele não queria admitir.

— Ele não era só o homem que eu pensava, não é? — disse Vicente em voz baixa. — Isso muda tudo.

— Não muda quem ele foi para você, Vicente — disse Ernesto com firmeza. — Ele pode ter sido um homem de muitos erros, mas ele te amava. E ele fez o possível para garantir que você tivesse uma vida livre disso tudo. O que ele não sabia é que o passado não se apaga tão facilmente.

Maria Augusta se virou lentamente e olhou para Ernesto.

— E o que você propõe fazer agora? — perguntou ela, desafiadora.

Ernesto respirou fundo, olhando para ambos com seriedade.

— Eu tenho uma rede de contatos, gente que ainda deve favores a Santiago. A minha ideia é usar essas conexões para descobrir onde Lorenzo está e quem mais está trabalhando com ele. Se pudermos infiltrar suas operações, talvez consigamos enfraquecê-lo o suficiente para termos uma chance de enfrentá-lo de igual para igual.

Vicente ouviu atentamente, mas sua desconfiança não diminuiu. Ele sabia que qualquer movimento errado poderia ser fatal.

— E como podemos confiar em você? — perguntou ele novamente. — Você realmente acha que pode nos proteger de alguém como Lorenzo?

Ernesto suspirou, como se a pergunta fosse inevitável, mas igualmente difícil de responder.

— Não posso prometer proteção total, Vicente. Mas o que posso garantir é que vou lutar com todas as minhas forças para que vocês tenham uma chance. Não é sobre ganhar ou perder, é sobre garantir que você tenha a liberdade que Santiago queria para você. Você tem um legado, uma história que está longe de ser simples. Não é algo que pode ser apagado com um estalar de dedos.

Maria Augusta, que até então estava em silêncio, levantou a cabeça. Suas palavras foram calmas, mas carregadas de emoção.

— Eu sei que você tem boas intenções, Ernesto, mas não podemos continuar sendo puxados para esse mundo de sombras. Vicente precisa de mais do que isso — ela olhou para o filho —. Ele precisa de paz.

Ernesto deu um passo em direção a ela, seu olhar firme, mas compreensivo.

 — A paz não é algo que se conquista quando se está em guerra, Maria Augusta. Lorenzo não vai parar. Ele vai continuar atrás de vocês, atrás de mim, até que todos estejam arruinados. A única chance que temos de garantir a segurança de vocês é enfrentá-lo antes que ele nos encontre.

O silêncio que se seguiu foi pesado. Vicente estava diante de um dilema que nunca imaginou ter de enfrentar. Ele desejava escapar desse mundo, mas sentia que, ao fazer isso, condenaria ainda mais sua mãe e a si mesmo.

— O que você quer que façamos, então? — perguntou Vicente, finalmente, quebrando o silêncio. — Eu não sou um homem de guerra, Ernesto. Não fui criado para isso.

— Eu sei — respondeu Ernesto. — Mas você tem o sangue de Santiago em suas veias. E, com isso, uma chance de sobreviver a algo que muitos não conseguem. A escolha é sua, Vicente. Você pode continuar tentando viver uma vida normal, mas a verdade é que a vida de seu pai nunca foi normal. Se decidir lutar, nós faremos isso juntos. Mas, se você escolher se afastar, terá que estar pronto para viver com o medo constante de ser caçado.

Maria Augusta olhou para Vicente, com os olhos cheios de uma tristeza profunda. Ela sabia que ele estava dividido, mas também sabia que ele tinha que tomar essa decisão sozinho. E, mais do que isso, sabia que as consequências dessa escolha afetariam não só o futuro dele, mas o dela também.

Vicente olhou para a foto de seu pai na mesa, sentindo uma dor crescente em seu peito. Ele havia crescido acreditando que Santiago era apenas um fazendeiro, um homem simples que se afastara de um passado sombrio. Agora, ele sabia que tudo aquilo era uma mentira. O peso dessa descoberta parecia esmagá-lo.

— O que eu faço, mãe? — perguntou Vicente, sua voz baixa, quase como um sussurro.

Maria Augusta fechou os olhos por um momento, como se estivesse rezando silenciosamente. Quando os abriu, ela parecia mais serena, embora sua expressão estivesse marcada pela dor.

— Você precisa decidir quem você quer ser, Vicente. Não importa o que escolha, eu estarei ao seu lado. Mas, lembre-se: as escolhas que fazemos nunca deixam de nos acompanhar.

Aquelas palavras ficaram gravadas na mente de Vicente. Ele sabia que, independentemente do que acontecesse, o futuro seria irrevogavelmente diferente.

Ernesto, percebendo o peso da conversa, decidiu dar um passo atrás.

— Vou deixar vocês dois sozinhos. Mas lembrem-se, o tempo está contra nós. Lorenzo não vai esperar para agir.

Ele saiu da sala, deixando mãe e filho sozinhos, imersos em seus próprios pensamentos. A casa, que parecia um refúgio, agora era apenas um lembrete do quanto suas vidas haviam mudado.

Vicente se levantou e se aproximou da janela, olhando para o vazio da noite. Ele pensava em seu pai, nas escolhas que ele fizera, e no legado que, de alguma forma, agora carregava.

— Eu nunca pedi por isso... — murmurou para si mesmo.

Maria Augusta se aproximou dele e, colocando a mão sobre seu ombro, disse com suavidade:

— Ninguém escolhe o peso das suas origens, Vicente. Mas você pode escolher o que fazer com isso. O que quer fazer?

Vicente respirou fundo e, por um momento, tudo parecia claro.

— Vou lutar — disse ele, finalmente, com uma determinação renovada. — Não posso correr mais. Se é guerra o que eles querem, então será guerra que terão.

Maria Augusta não disse nada, mas seu olhar expressava uma mistura de alívio e preocupação. Ela sabia que esse momento, essa decisão, mudaria tudo.

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