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Bifurcação dos Caminhos

O Jóquei, alheio ao que sua oponente pensava, preparava-se para lançar outra ofensiva. Sua mente estava completamente focada, as mãos firmemente enroladas nas correntes das lanças, como se pudesse resolver tudo com o mesmo ritmo que manteve até o momento. Porém, de repente, algo estranho surgiu bem à frente da sela de sua montaria.

Parecia um estranho inchaço e crescia de maneira grotesca, como se o próprio corpo do monstro estivesse tentando expelir algo. Ele franziu a testa e piscou repetidamente, como se a visão fosse um truque da luz. 

— Será que te levei ao limite, Bog?

Foi só quando a ponta negra e afiada da lança atravessou a pele viscosa, rasgando carne e tecido de um lado ao outro, que ele entendeu o que havia acontecido.

O sapo sequer teve tempo de dar um último coaxar. Seu corpo balançou no ar, descontrolado, e então caiu de lado, capotando como uma pedra descendo uma colina, esmagando tudo em seu caminho.

O cavaleiro, antes preso à sela, foi arremessado com a violência do tombo. Seu corpo, envolto na pesada armadura, colidiu brutalmente contra uma árvore, o impacto foi suficiente para entortá-la levemente e arrancar folhas e galhos, e ele caiu ao solo com um baque, ofegante e claramente atordoado.

Ana sorriu satisfeita e puxou a vinha que ainda estava conectada à lança negra, fazendo a arma voltar para sua mão com um movimento estranho, mas funcional. 

— Não posso negar... esse truque é excelente — disse ela, com um tom casual e divertido.

O cavaleiro grunhiu de dor, tentando recuperar o fôlego. Seus movimentos eram lentos e desajeitados enquanto se levantava. A armadura rangia a cada esforço, como se cada parte protestasse contra a decisão de continuar.

— Vocês… — murmurou ele, enquanto se endireitava, pegando a espada bastarda que por sorte foi lançada ao seu lado. — Vocês são duas FILHAS DA PUTA! Sabem quanto tempo eu gastei criando o Bogaroth?! Vocês vão pagar… vão virar ração, suas desgraçadas! FILHAS DA PUTA!

Começou então a correr na direção de Ana, movendo-se como um touro enfurecido. Seu grito de guerra reverberava pelo campo, mas a rainha permaneceu imóvel. Uma expressão séria preencheu seus olhos, contrastando com seus muitos dentes à mostra.

Dessa vez, se preparou não para uma espada incomum, mas sim com uma postura adequada para a natureza de uma lança. Seu agarrar simulava a forma que se segura um pique, e seu corpo se alinhou com a arma, os pés firmemente plantados no chão. O direito ficou um pouco mais à frente, para dar apoio e absorver o impacto, e já o esquerdo, recuado, ancorava seu equilíbrio. 

A mão dominante estava firmemente presa ao cabo da arma, enquanto a outra, coberta pela armadura, se posicionava mais próxima ao centro, diretamente sobre a lâmina, pronta para redirecionar o movimento quando necessário. Era uma postura clássica, mas implacável, projetada para o simples propósito de atravessar inimigos.

"Matar".

O agarre da rainha mercenária ficou mais firme com o sussurro inesperado.

— Agora, sim… Achei que esse cara não tinha chamado sua atenção — murmurou para a arma, com um sorriso afiado sob a máscara. — Vamos acabar com isso de uma vez.

Ela então esperou, observando cada detalhe do oponente. Era um guerreiro admirável, não podia negar. Sua postura, mesmo sem sua montaria, era perfeita. Cada movimento dele parecia mais um prenúncio do impacto iminente. O movimento dos pés, a forma como segurava a arma, tudo.

Quando finalmente o Jóquei estava perto o bastante, Ana agiu, movendo-se com a precisão de uma predadora. A ponta da lança brilhou sob a luz do campo, e seu objetivo era claro: empalá-lo de uma vez só.

No entanto, antes que o golpe pudesse ser desferido, algo inesperado aconteceu.

Uma massa rosada surgiu em sua visão, a mesma língua que ela havia visto várias vezes durante o combate. Confusa, pensou em desviar, mas notou que desta vez se estava indo em direção ao cavaleiro. Tomou só um momento para enrolar-se bruscamente ao redor do homem com uma força esmagadora, interrompendo sua investida no último segundo.

— O quê?! — ele gritou, sua voz carregada de surpresa e indignação enquanto era puxado para trás, diretamente para a grande boca de Bogaroth.

O cavaleiro se debatia com fúria, tentando libertar-se. Sua espada bastarda, ainda em mãos, foi erguida em um arco desesperado e cravada com força dentro da boca do sapo. Sem sucesso, repetiu o movimento várias vezes. O aço perfurava o interior do monstro, atravessando partes de sua carne e emergindo pelo lado de fora em estocadas brutais.

Mas Bogaroth não reagia. Os ataques pareciam insignificantes para o sapo colossal, que mastigava com força inabalável.

— Não! Eu sou um Jóquei dos Brutos de Ferro! Não vou morrer assim!

Sua declaração saiu em um forte rugido, mas foi tragada pela cacofonia grotesca que preenchia o ar. Estalos horrendos ressoaram, o som de ossos sendo triturados contra os dentes massivos da criatura. Cada mordida parecia uma sentença, acompanhada pelo ruído molhado de carne sendo dilacerada. O esforço do cavaleiro tornava-se cada vez mais frenético, até que, por fim, os gritos foram substituídos por um silêncio abrupto e opressor.

— Ooooh, quem diria que ele tem dentes! — exclamou Nyx, com uma animação que beirava o cômico após toda a comoção.

A Sombra surgiu como se tivesse ensaiado sua entrada teatral à perfeição. Sentada com uma tranquilidade desconcertante nas costas da criatura, ela dedilhava o alaúde, os dedos dançando despreocupadamente pelas cordas.

Logo abaixo dela, a fumaça negra que antes fluía diretamente para Ana, agora se dividia, convergindo também em direção ao Bogaroth, adentrando o animal morto através do buraco grotesco em seu peito, onde pedaços rasgados de carne e pele ainda pendiam, grosseiramente pendurados. Os olhos do sapo, antes apagados em sua morte, piscavam de forma antinatural, e apenas escuridão preenchia suas órbitas.

Ana foi de protagonista a espectadora em um suspiro, e, exausta, sentou-se no chão, observando a barda fazer carinho na cabeça do monstro. Se não fosse o forte cheiro que emanava do estômago perfurado do cadáver, a mercenária pensou que seria uma cena até que fofa.

— Recebi a atualização dos mensageiros enquanto você lutava — comentou Nyx após alguns minutos de descanso. — Parece que está tudo uma bagunça.

— Quando não está? — respondeu Ana com um leve riso cansado, balançando a cabeça. — O que te disseram?

Nyx ergueu os olhos do sapo para encará-la, um brilho levemente divertido em seu olhar, mesmo enquanto falava algo sério. A melodia suave que tocava contrastava com o tom tenso da situação.

— Perdemos contato com as dríades e a maior parte do exército inimigo se reuniu na ala oeste. Estão em um aparente empate com a divisão Bestial. Parece que pediram reforços por lá.

Ana franziu as sobrancelhas, sua expressão endurecendo.

— Carapicuíba está lá também, certo? 

— Pelo que me lembro, sim. Mas os detalhes não foram muito claros. Parece que a comunicação não está tão confiável ultimamente.

Ana soltou um longo suspiro, inclinando-se para frente antes de se levantar. Seus movimentos eram lentos, como se a batalha tivesse drenado mais dela do que estava disposta a admitir. Ela pegou a lança negra ao seu lado, girando-a com as duas mãos em um gesto automático antes de prendê-la improvisadamente na armadura.

— Certo. Então nossa caçada a outros Jóqueis vai ter que esperar um pouco. Vamos ver se conseguimos ajudar esses caras.

— Na verdade… só eu vou.

Ana virou-se rapidamente, encarando Nyx com uma mistura de surpresa e irritação.

— Só você? Por quê?

O sorriso da barda cresceu levemente, e sua melodia diminuiu até quase parar.

— No meio dos avisos do dispositivo, Miguel repassou uma mensagem especial. A Colecionadora parece estar se aproveitando da guerra para fuçar pelo castelo.

Ana ficou imóvel por um instante, processando as palavras. Então, lentamente, tirou a máscara de seu rosto, revelando um olhar exasperado enquanto massageava as têmporas com as pontas dos dedos.

— Eu acabei de sair de lá… — murmurou ela, com um tom que oscilava entre frustração e resignação. — Será que ela não podia ter aparecido antes?

— Talvez ela tenha esperado exatamente por isso.

A rainha bufou, cruzando os braços e olhando para o horizonte. Seu semblante sério refletia a complexidade da situação. Após alguns segundos de silêncio, ela voltou a falar, sua voz mais firme.

— Certo, eu volto para o castelo. Mas você, Nyx…

— Não se preocupe. Prometo não morrer — interrompeu a barda com um sorriso travesso, enquanto ajustava a postura em cima da criatura.

Ela fez um gesto exagerado para se arrumar na sela, e aumentou sutilmente a intensidade da melodia. A fumaça negra que ainda serpenteava ao redor da criatura pulsou levemente, como se reagisse ao som. Bogaroth, até então inerte, ergueu-se lentamente, seus movimentos mais firmes e controlados do que antes. O sapo gigantesco flexionou as patas traseiras, e com um salto poderoso, o monstro começou a se mover pelo campo de batalha. 

— Se cuide, Ana! E mande um oi pra essa tal Colecionadora! — gritou a Sombra, rindo enquanto acenava despreocupadamente, desaparecendo no horizonte.

Ana revirou os olhos, e ficou parada por um instante, sorrindo. Por fim, prendeu novamente o cabelo, que agora era um grande emaranhado de fios. Seus dedos tocaram a borda da máscara que descansava em sua mão, e ela a ergueu lentamente, colocando-a novamente sobre o rosto. Sentiu o peso familiar retornar, tanto físico quanto simbólico, um lembrete de quem ela precisava ser, independentemente do caos ao redor.

O vento soprou, fazendo a capa rasgada agitar-se enquanto ela caminhava. Ana desaparecia aos poucos no cenário devastado, como uma sombra que se mistura ao entardecer, uma figura solitária avançando para o próximo desafio.

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