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O Riso das Ervas Daninhas

Em um movimento rápido e fluido, Ana, já impaciente, girou bruscamente. A lâmina presa à sua cotoveleira assobiou no ar, cortando o espaço entre ela e um dos habitantes vegetais, que se esquivou com uma agilidade surpreendente. O som do corte se dissipou, seguido por um silêncio denso e carregado.

Ana se virou lentamente, seu olhar tão afiado quanto a lâmina que acabara de brandir. Sua respiração estava controlada, mas todo o seu corpo mantinha-se pronto para o combate. Ao redor, os habitantes da cidade, que antes se aproximavam com curiosidade silenciosa, agora recuavam cautelosos, formando um círculo ao redor dela e de Miguel, o mascarado que a acompanhava.

— Isso é algum tipo de vingança ridícula? — rosnou a mercenária, seus olhos fixos na velha planta carnívora à frente. Sua voz, baixa e gélida, carregava uma ameaça velada. Miguel, com a espada curta em punho, girou em sincronia com Ana, posicionando-se de costas para ela. Estavam preparados para um ataque vindo de qualquer direção. — Por que agora? Não seria mais fácil quando passei aqui da última vez?

A anciã, com um sorriso grotesco feito de pétalas e dentes afiados, inclinou a cabeça lentamente, ponderando a pergunta. O rádio em suas mãos vibrou, estalando com estática, como se estivesse ajustando sua frequência.

Viiiinn... gaaaan... ça? — a palavra saiu quebrada, misturada ao chiado. O sorriso da velha cresceu, mais largo e perturbador, distorcendo ainda mais suas feições vegetais. — Não, minha querida, você está completamente enganada.

As vinhas nos pés da velha se enroscaram no solo enquanto ela dava um passo à frente, aproximando-se com lentidão. Seu rosto distorcido permanecia fixo, mas agora carregava algo mais — uma diversão sutil, quase sarcástica, diante da confusão de Ana.

— Isso não é vingança — continuou, sua voz assumindo um tom suave. — O que você está vendo é um agradecimento.

A rainha piscou, surpresa. O desconforto se transformou em confusão enquanto observava a interlocutora de palavras tão sem sentido. 

— Agradecimento? — repetiu Ana, franzindo a testa em descrença. — Agradecimento por quê?

— Você matou todas aquelas filhas da puta que sugavam a vida da terra... flores e mais flores, verdadeiras parasitas... — O rádio chiou violentamente, e Ana percebeu que aquele som grotesco era uma gargalhada da velha, crua e sem controle. — O que restou foi o forte. As ervas daninhas sobreviveram, cresceram maiores... mais puras. E nós... lembramos.

O vento balançava as folhas, como se a floresta estivesse compartilhando daquele riso. A anciã deixou escapar mais uma risada mais suave, genuína, e isso só aumentou o desconforto.

— Minha senhora, talvez seja hora de irmos embora... — Miguel murmurou, sua voz carregada de tensão. Ele não gostava nem um pouco do rumo que aquela conversa estava tomando.

Ana não o ouviu. Estendeu o braço e agarrou o rosto do secretário, puxando-o para mais perto. Seus rostos ficaram a centímetros de distância, e suas palavras abafadas pela máscara saíram baixas e perigosas.

— Não é hora de encher o saco. Estou curiosa.

Soltando-o, ela se virou novamente para os habitantes vegetais. Com um movimento calculado, que fazia o enorme pedaço de ferro parecer leve, Ana levantou a espada, sua ponta quase tocando a pele da mulher-planta.

— Não se sinta especial — disse a mercenária, com um sorriso desdenhoso. — Se eu pudesse voltar no tempo, não teria deixado nem mesmo uma maldita raiz para trás.

As palavras saíram de sua boca com um veneno latente, mas ao mesmo tempo ela abaixou a espada e esticou seu corpo tenso, relaxando um pouco os músculos, soltando a tensão que carregava nos ombros.

— Agradecimento recebido. Agora, se não vamos lutar, imagino que seguiremos com a negociação, certo?

O rádio chiou mais uma vez, oscilando entre o ruído e a clareza, e por um momento, parecia que a velha hesitava antes de responder.

— Primeiro, celebração... depois, preocupação. A enviada de Ceuci... merece uma festa!

— Ceuci, hein? — Ana perguntou, estreitando os olhos. — Vocês realmente acreditam em deuses indígenas?

Ouvindo a pergunta, a velha inclinou levemente a cabeça para trás em um divertimento mudo.

— Eu sou um humano que virou uma planta! Qual o problema de acreditar em um deus que pertenceu a nós?

O divertimento na voz da anciã era palpável, e Ana, sem poder conter o riso, deixou escapar um som seco e sem humor, balançando a cabeça.

— É... você está certa. Não tenho como argumentar contra isso. Minha mente estava muito fechada — ela respirou fundo, batendo a ponta da espada contra o solo. — Que seja. Vamos acabar logo com isso.

A velha sorriu mais uma vez, um brilho travesso passando por seus olhos ocos.

— Oh, não... não vamos acabar. Ainda nem começamos! — disse ela, levantando a mão lentamente.

No mesmo instante, as vinhas que se entrelaçavam ao redor das árvores começaram a vibrar. Um som emergiu, suave no início, mas que rapidamente se transformou em um ritmo pulsante. Era uma batida quase tribal, mas se assemelhava a uma música eletrônica que parecia viva, perfeitamente adaptada ao ambiente natural. O som reverberava pelas folhas, pelos troncos e até pelo solo sob os pés de Ana, fazendo o ar ao seu redor vibrar.

De repente, com outro gesto da anciã, um homem se aproximou. Seu corpo estava coberto por cogumelos que brotavam diretamente de sua carne de maneira orgânica. Ele se movia freneticamente, dançando de maneira caótica, como se estivesse em algum tipo de transe ou show. Em suas mãos, ele carregava uma grande bacia de madeira que balançava de forma dramática. O líquido em seu interior tinha um odor forte e quase transbordava, mas ele mantinha a bacia firme, rodopiando e balançando em um contínuo êxtase.

Ana o observou por um momento, surpresa. O homem parou ao seu lado, oferecendo a bacia com um gesto teatral e exagerado. Mesmo com as feições distorcidas por cogumelos e fungos, ela pôde ver a animação em seu gesto. Ele a estava convidando a participar.

Sem muita hesitação, a rainha mergulhou o dedo mindinho no líquido, levando-o primeiro ao nariz. O cheiro era forte, terroso, mas com uma nota adocicada. Curiosa, ela o provou. O gosto era estranho, mas não desconhecido, e felizmente não era desagradável.

Conforme o calor se espalhava por seu corpo, ela observou novamente o homem cogumelo, notando as cores vibrantes e as texturas dos fungos que brotavam de sua pele. Seus lábios, antes impassíveis, se curvaram em um sorriso crescente.

— Vocês realmente sabem como se divertir, não é? — Ana comentou, ainda sorrindo, antes de dar mais um passo à frente, aceitando de vez o convite para aquele ritual bizarro.

A cada gole, seu corpo parecia ser tomado por um fervor crescente, começando nas entranhas e se espalhando até a ponta de seus dedos. Ela piscou lentamente, sentindo as batidas ao redor de seu coração se sincronizarem com o som pulsante da música. O som parecia vir de dentro dela, como se cada batida estivesse ecoando nas paredes do seu peito. A dança frenética do homem-cogumelo à sua frente tornou-se um borrão de cores vibrantes, e as formas ao redor dela começaram a derreter e distorcer como tinta sendo jogada em um vidro.

A música que antes preenchia o ar agora parecia distante, como um som abafado debaixo d'água. Suas pernas começaram a vacilar, mas ela não caiu — o mundo ao redor dela girou violentamente, como se estivesse sendo engolida pela própria terra. O chão parecia vivo, pulsando sob seus pés, enquanto as árvores se tornavam faróis brilhantes, emitindo uma luz intensa e distorcida, como lâmpadas de néon piscando descontroladamente.

De repente, luzes brancas estouraram diante de seus olhos, cegando-a momentaneamente. Formas dançavam em todos os lados, seus rostos borrados como figuras de um pesadelo. Seus sorrisos eram amplos demais, alargando-se de maneira antinatural, e seus corpos pareciam flutuar, sem peso.

A natureza ao redor dela não era mais acolhedora, parecia apertá-la, esmagando seu corpo lentamente. Uma voz feminina familiar começou a sussurrar em sua mente, mas as palavras eram incompreensíveis, afogadas pelo chiado da estática.

O mundo piscou milhares de vezes, tornando-se um flash irreconhecível, e então um som ensurdecedor estourou em seus ouvidos, como o bater de mil tambores, trazendo uma dor aguda.

Foi quando Ana sentiu-se sendo puxada de volta à realidade, como se uma força invisível a estivesse arrastando a uma velocidade aterradora. A dor foi substituída por uma leveza familiar, e então, um raio de sol atravessou suas pálpebras, forçando-a a acordar de forma abrupta.

Ela piscou, tentando ajustar-se à nova realidade. A dor nas têmporas a atingiu como uma lâmina afiada, forçando-a a franzir a testa. Fazia anos que não sentia algo tão mundano quanto uma dor de cabeça.

— Quando... eu cheguei aqui? — murmurou, ofegante.

Ela estava deitada em uma superfície fria. O cheiro metálico no ar fez com que suas narinas queimassem. Seu olhar logo se ajustou ao ambiente, revelando um local limpo, com paredes brancas, mas levemente corroídas, que não combinavam com a floresta vibrante onde estivera. Olhou ao redor, e então viu o secretário amarrado em um canto. Seu corpo estava preso e sua máscara repousava no balcão próximo. Sua boca amordaçada por um pedaço de pano impedia que gritasse, mas seus olhos estavam arregalados enquanto a encarava diretamente. Ele tentou se mexer, mas o nó era firme, e seus grunhidos apenas ressoavam baixinho no ambiente.

— Miguel? — Ana tentou se levantar, mas sentiu uma pontada aguda em suas costas. Movendo-se com dificuldade, ela mexeu os ombros, sentindo um leve grude de sangue seco.

Ela franziu o cenho e olhou para a direita, onde algo chamou sua atenção: uma figura deitada no chão. Era uma mulher-planta, mas algo estava terrivelmente errado. Grandes buracos adornavam seu corpo, pedaços que pareciam ter sido arrancados de forma bruta. Mas o que mais chamava a atenção eram as mãos da mulher, ou melhor, a falta delas, pois haviam sido decepadas. Poças de um verde avermelhado se encontravam ao redor dos pulsos mutilados. Um bisturi brilhava próximo ao corpo, sugerindo que a violência tinha ocorrido recentemente.

— Que merda é essa...? — murmurou, sua voz carregada de incredulidade.

Ana piscou, tentando processar tudo, mas nesse instante uma dor aguda em suas mãos a distraiu, irradiando por seus dedos e subindo pelos braços. Ao baixar o olhar, se deparou com dezenas de pequenas flores costuradas em sua pele, amarradas diretamente na carne de suas mãos, como se ela própria tivesse se tornado parte daquele horror botânico. O implante era grosseiro, com fios escuros colocados de forma descuidada, mas estranhamente precisa.

Cada movimento parecia tensionar as costuras, fazendo seu corpo vibrar com uma sensação estranha de dor e conectividade. Uma pontada forte percorreu suas articulações, e então vomitou um líquido espesso de um tipo de seiva misturado com sangue. O cheiro metálico da substância misturado com o perfume doce das flores invadia suas narinas, criando uma confusão sensorial que a fazia sentir-se à beira de uma epifania insana.

— Não... não... não… 

Em meio a voz partida, um riso trêmulo de descrença começou a escapar de seus lábios, vacilante.

— Eu… eu virei... a porra de uma planta? 

O riso cresceu até explodir em uma onda incontrolável, reverberando pelas paredes do local. Um riso que oscilava entre o puro divertimento e o desespero absoluto.

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