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— Você está bem, filhote? Pode abrir os olhos agora. — Sua voz confiante trouxe tranquilidade aos ouvidos de Elise.
Sob o luar escarlate, a aparência do homem parecia bastante ameaçadora. Ele aparentava ter vinte e poucos anos, com um rosto jovem mas repleto de sabedoria. Os olhos vermelhos que ele possuía eram mais brilhantes que o sangue, porém mais profundos do que as cores de um sangue coagulado. Pele pálida como a neve, mas olhos vermelhos que denunciavam sua identidade inumana. Mantendo selvageria inalterada, porém com uma postura onisciente que tranquilizava as pessoas ao seu redor. A pessoa não era outra senão aquela que a havia salvado de ser vendida na infância. O Senhor de Warine, que era bem conhecido tanto por sua feitiçaria quanto por seu passado misterioso. A pessoa que atendia pelo nome de Ian White.
Os olhos azuis brilhantes de Elise continuaram a derramar lágrimas de medo e tristeza pelos corpos mortos que ela acabara de ver. Ela o encarou atordoada, sem ter visto o rosto dele por tanto tempo, duvidou de si mesma a princípio. Mas, finalmente percebendo que seu primeiro palpite estava correto e que o homem era de fato o verdadeiro Ian White, seus ombros desabaram em um alívio indescritível. Ian fitou seus olhos, que pareciam derreter de tantas lágrimas, e estendeu a mão. — Consegue se levantar?
Elise pegou sua mão e tentou se levantar, mas assim que seu torso se ergueu, uma onda de dor atingiu seu tornozelo, fazendo com que ela desabasse em Ian. Ian a salvou instintivamente e sentiu o intenso tremor em seu ombro frágil e franziu o cenho elegantemente. Ele colocou a mão sobre a cabeça dela e sussurrou. — Não se preocupe, ninguém vai atacar você.
O toque gentil de suas palavras fez com que o choro e a dor dela piorassem. Ela se agarrou ao casaco dele e chorou em seu peito, despejando toda a tristeza pelas pessoas que ela havia perdido.
Em uma noite, ela havia perdido sua família novamente. Seus pais, seu irmãozinho, tia, tio e a filha que logo nasceria. A felicidade de seu dia a dia foi-lhe roubada mais uma vez. — Por quê...? — Ela sussurrou. — Por que tinha que ser eles? — Ela fez uma pergunta para a qual ele não podia responder.
— Ninguém pode prever a morte. — Ian declarou e usou sua mágica para curar a torção no tornozelo dela. Ele ficou imóvel, permitindo que Elise chorasse em seu peito por um longo tempo e esperou até que ela se acalmasse. Quando ela o fez, ele perguntou preocupado. — Consegue se levantar agora?
Elise enxugou as lágrimas, resistindo ao impulso de desmoronar novamente e engolindo seus soluços. — Sim, eu acredito que agora consigo. Muito obrigada por me ajudar, meu senhor.
— Não se preocupe com isso agora, também não olhe para nada além de você. — Ele estendeu a mão para guiá-la. Elise seguiu o caminho que ele indicava e mordeu o lábio inferior para perguntar. — Eu posso ver minha família mais uma vez?
— Eu irei com você.
Eles pararam novamente na casa onde o assassinato havia ocorrido e caminharam até sua família. Foi difícil para ela resistir ao impulso de soluçar. — Descansem em paz, tio e tia. — Elise rezou ao lado deles e sentiu os olhos arderem com as lágrimas à beira dos olhos. A tristeza a invadiu e não conseguiu parar seu corpo de tremer. Sua única oração era para que a alma de sua família descansasse em paz no céu.
Ian ficou em silêncio ao lado dela enquanto ela rezava pelos familiares que havia perdido. De repente um gato apareceu, vindo das sombras com seu rabo balançando no ar. — Milorde. — Austin falou em sua forma de gato.
— O que foi? — Ian, que estava no umbral da porta, virou a cabeça.
— Cynthia capturou o feiticeiro negro na fonte da cidade. — A notícia fez os olhos sedentos e cor de sangue do homem brilharem. Ele sorriu um pouco com um olhar aterrorizante para a pessoa que fez sua pequena filhote chorar.
— Fique aqui. Voltarei em breve. — Ian ordenou enquanto um nevoeiro vermelho o cobria para levá-lo até Cynthia, que estava em frente a um homem coberto com um manto negro. Seu belo rosto estava salpicado de sangue, que ela havia limpado ao sentir a presença mágica de Ian perto dela e fez uma reverência para cumprimentá-lo. — Milorde.
Ian lançou um olhar a sua subordinada e olhou para o homem, pisando em seu ombro. — O feiticeiro negro?
O feiticeiro negro olhou para cima e sentiu um arrepio na espinha quando os olhos vermelhos o fitaram. — I- Ian White! — Ao falar, sentiu uma brisa súbita vindo do seu lado esquerdo e levou um tempo para finalmente perceber que sua mão havia sido arrancada por Ian.
— Essa é uma resposta errada. Eu perguntei se você é o feiticeiro negro. — O homem só conseguiu emitir um grito abafado e ouviu ele falar novamente em um sussurro retorcido. — Parece que você não tem intenção de me responder. Bom que você tem seus membros inteiros. Vai ser divertido arrancá-los um por um. Vamos começar pelos dedos. Você é o feiticeiro negro?
A voz enfeitiçante dele trouxe o inferno de onde ele veio enquanto falava. Cynthia assistiu a toda a cena em silêncio, sem piscar, à tortura horrível que o Senhor Ian utilizou para acabar com o feiticeiro negro. Depois de algumas perguntas que deixaram o feiticeiro negro apenas com suas pernas, Ian fez a última pergunta. — Onde estão seus companheiros?
O feiticeiro negro arregalou os olhos em um pavor. Ele achou que havia enganado muito bem o homem à sua frente, mas como Ian adivinhou que ele não trabalhava sozinho?
Ian viu que ele não respondia nada e repetiu com sua paciência se esgotando. — Onde estão seus companheiros?
O feiticeiro negro nada tinha a dizer, por medo triturou os dentes para reunir forças para retaliar. — Eu não tenho companheiros! — Ele gritou e viu Ian sorrir.
— É mesmo? Adeus. — Ian terminou a vida do homem arrancando a cabeça de seu corpo e jogou-a para rolar pelo caminho. — O que a Igreja tem a dizer? — Ele perguntou a Cynthia.
Ela fechou um dos olhos com a palma da mão e viu a carruagem da Igreja que estava a alguns metros de distância com sua mágica e respondeu. — Eles chegarão em mais meia hora, milorde.
— Sempre atrasados. — Ian comentou com desdém, para se transportar de volta à casa de Elise com seus nevoeiros vermelhos. Quando chegou, Elise estava do lado de fora da casa com Austin. Seus olhos estavam vermelhos como a cor de seu cabelo. A profundidade de sua tristeza não podia ser adivinhada apenas vendo sua expressão despedaçada.
— Milorde. — Austin virou a cabeça e Elise seguiu para ver o rosto e a mão de Ian banhados em sangue vermelho vivo, preocupada. — A Igreja virá em mais trinta minutos. Você está bem agora, filhote?
Elise desviou os olhos dele, não por medo, mas por embaraço, depois de perceber como havia se agarrado e chorado com ele. — Sim.
Vendo que ela evitava seus olhos vermelhos, Ian deu um passo à frente e aproximou o rosto dela. — Você se lembra de mim? Você era muito nova naquela época, talvez tenha esquecido quem eu sou?
Elise olhou para cima e balançou a cabeça pálida. — Não, eu me lembro de você. Mestre Ian. — Seu coração foi pesadamente atingido pela tristeza súbita e, embora estivesse feliz por encontrar seu salvador, ainda não conseguia exibir um semblante melhor. Em sua mente, tudo o que conseguia pensar era que agora ela estava sozinha novamente. Desta vez a família que a amava tanto quanto ela os amava, morreu da pior forma possível. Relembrando a visão de sua família morta, suas entranhas queimavam e seu peito doía como se uma agulha de gelo invisível a perfurasse.
— Você deveria tê-lo esquecido. — A voz de Aryl surgiu do nada, causando grande surpresa para Elise. Quando ela virou o rosto para o pequeno ser com asinhas de pena, o choque se estampou em seu rosto. Os seres míticos que ela não conseguira ver por nove anos agora apareceram à sua frente. Ela olhou rapidamente para a pulseira vermelha que havia desaparecido antes de olhar novamente para Aryl.
— Ele não é alguém digno de ser lembrado. — Sulix continuou resmungando sua série de maldições até perceber o olhar de Elise sobre ela. Aryl piscou, voando pelo ar para ver se os olhos de Elise acompanhavam sua dança aérea e parou diante dos olhos dela para gritar. — E- Elise, você pode me ver novamente?!
— S- Sim. Aryl. — Elise respondeu com uma voz dolorida. Ela estava muito feliz em ver as pessoas que ela queria ver. Contudo, no momento ela estava em um profundo desespero que ainda não havia sido compreendido completamente por ela. Tudo aconteceu rápido demais. Rápido demais para ela até entender o que estava acontecendo.
Ian passou o olhar para o pulso de Elise, que estava desprovido da pulseira vermelha, e notou que ela havia caído debaixo dela. — Parece que a pulseira finalmente perdeu o poder. — Austin cheirou seu pequeno nariz rosa à pulseira e a empurrou com a pata para mostrar a linha cortada.
— Filhote. — Ian a chamou para ganhar seu olhar inquiridor sobre ele e falou. — Por agora, você deve descansar em um lugar diferente até que sua família seja enterrada aqui.
Elise sentiu o coração engolido pela tristeza mais uma vez e sentiu Austin esfregando a cabeça em seus pés para animá-la. — Leve-a até a carruagem, Austin.
— Sim, milorde. — Austin mordeu a bainha de sua saia para puxar e a escoltou até a carruagem negra.
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